Mais de um quarto dos japoneses por volta dos 30 anos não tem planos de matrimônio. Entre os motivos, apreensões profissionais, desejo de liberdade pessoal total – e o fato de que é mais fácil se relacionar com um mangá.Aos 37 anos, Sho diz estar satisfeito: ele tem um emprego que lhe proporciona uma vida confortável, amigos que encontra regularmente, uma série de hobbies e tempo para praticá-los. A única coisa que não tem é uma esposa, e para ele está bem assim.

Um estudo divulgado em junho pelo governo japonês indica que Sho integra um grupo crescente de cidadãos na faixa dos 30 anos de idade que nunca se casou e não tem a menor intenção de fazê-lo. O que é uma séria preocupação num país cuja sociedade já está envelhecendo e minguando rapidamente.

O relatório sobre gêneros do Escritório do Gabinete para 2022 indica que 25,4% das mulheres e 26,5% dos homens por volta dos 30 anos optaram pelo celibato. Esse também é o caso de 19% dos homens e 14% das mulheres de 20 anos.

Em 2021, registraram-se 514 mil matrimônios no Japão, a cifra anual mais baixa desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e uma queda dramática em relação ao 1,029 milhão de uniões em 1970.

“Casar é mendokusai”

As mulheres que participaram da consulta governamental justificaram sua indisposição a se casar pela vontade de aproveitar a liberdade, por terem carreiras gratificantes e por rejeitarem os encargos da dona de casa tradicional, como tarefas domésticas, criar filhos e cuidar de genitores idosos.

Os homens também alegaram dar importância à liberdade pessoal, porém acrescentaram, entre os motivos para preferir permanecer solteiros, apreensões quanto à segurança empregatícia e de não poder ganhar o suficiente para sustentar uma família.

Sho, que vive na prefeitura de Saitama, ao norte de Tóquio, também se sente assim: “Estou feliz. Posso fazer as coisas que quero, quando quero, e não tenho que pensar em mais ninguém. Posso ficar acordado até tarde, jogando no computador, e ver qualquer filme no cinema que quiser, ou posso encontrar os amigos. Gosto disso.”

“Alguns amigos meus se casaram, claro, mas eles mudaram, e a gente não se vê mais tanto. É bom para eles, mas ter uma namorada ou ser casado me parece que é simplesmente mendokusai” – um termo japonês que pode ser traduzido como “complicado”.

Natalidade e fertilidade em queda

O Escritório do Gabinete do Japão concluiu em seu relatório que “a ideia por trás da família japonesa mudou, e o matrimônio não é mais visto como uma rede de segurança para garantir uma vida estável”.

A impressão é reforçada por uma estatística do Ministério da Saúde, Trabalho e Previdência segundo a qual em 2021 nasceram 811.604 crianças, quase 30 mil a menos do que no ano anterior. O órgão governamental também atribui a queda de natalidade à pandemia de covid-19.

A taxa de fertilidade – a média de filhos que cada mulher tem durante a vida – igualmente caiu pelo sexto ano consecutivo, atingindo 1,3. Como no mesmo ano 1,44 milhão de japoneses morreram, a população está minguando mais rápido que se antecipara.

A psicóloga Aya Fujii aponta que a taxa de natalidade do Japão vem caindo desde a década de 1970, mas agora o problema se tornou mais grave, e aparentemente o governo está tendo dificuldades em encontrar meios para sustar a queda.

“Vejo diversas razões na sociedade. Uma é que, ao contrário de outros países, os salários são basicamente os mesmos, há muitos anos”, explica Fujii, que fornece apoio de saúde mental num programa governamental de assistência ao emprego em Tóquio. “E isso significa que muitos jovens consideram tentar ter uma família uma carga financeira excessiva.”

Antes mangás e animes do que gente de verdade

Paralelamente, mais japonesas optaram por se manter no mundo de trabalho em vez de deixá-lo para formar uma família – e muitas descobriram que, na verdade, gostam de ter uma carreira e querem prosseguir. Entretanto as pressões de ter um emprego dificultam ainda mais a manutenção de uma família, e cada vez mais as profissionais dessa geração tendem a permanecer solteiras.

“Também vejo que muitos jovens gostam de livros de mangás e filmes de anime. Eles preferem isso a se encontrar-se ou conversar com gente na vida real”, comenta Fujii. “As personagens dos mangás e animes não discutem nem replicam, o que simplesmente é mais fácil para muitos.”

“Acho que hoje em dia muita gente jovem não dispõe de habilidades sociais, o que ficou pior desde que muitas famílias só estão tendo um filho. Então essa criança cresce sem interagir nem desenvolver as aptidões sociais de que vai precisar mais tarde, na vida.”

A psicóloga não crê que a tendência demográfica descendente vá parar em breve: “No fim das contas, os japoneses nos 20 e 30 anos que são incapazes de se comunicar com membros do sexo oposto vão achar mais difícil encontrar um parceiro, e o padrão da nação, de uma população minguante, vai continuar.”