Faz pouco sentido um país formado por imigrantes, das mais diferentes partes do mundo, repudiar a presença de refugiados. Mas esse é o Brasil. A crise humanitária, social, política e econômica da Venezuela não nos comove. Os venezuelanos estão sendo escorraçados de Roraima, principal porta brasileira de entrada para os que estão fugindo da fome, da sede e da falta de trabalho causadas pelo governo opressor de Nicolás Maduro.

Na cidade de Mucajaí, no sul do Estado, cerca de 300 moradores invadiram um abrigo montado numa escola para expulsar 200 imigrantes, que tiveram os poucos móveis queimados. Assustados, eles fugiram e deixaram seus pertences pessoais para trás, além da comida que estava em estoque. O estopim para a revolta foi a morte, no domingo 18, de um brasileiro, de 49 anos, a pauladas. Supostamente, o crime teria sido cometido por um estrangeiro. No mesmo dia, um venezuelano de 19 anos foi esfaqueado e também morreu. As duas mortes parecem estar correlacionadas, embora ainda não haja confirmação por parte dos investigadores.

Embora a violência não se justifique, é compreensível a preocupação dos roraimenses. O Estado tem o menor Produto Interno Bruto do País e depende do repasse de recursos do governo federal para que a situação não saia (mais) do controle. O morador local se sente afrontado, seja pela sujeira e o mau cheiro dos dejetos na sua cidade ou por ter de encarar uma espera além da normal num posto de saúde. Há, também, o medo da competição na busca por emprego. É natural que fiquem bravos, pois precisam dividir o pouco que recebem do poder público. Essa incompreensão passa pela falta de comunicação das ações que são tomadas. E pela ausência de infraestrutura, que o governo brasileiro tem de prover. Aumentar o número de médicos, por exemplo, é o mínimo em um caso como esse.

O Brasil está longe de ser o principal destino dos venezuelanos. São cerca de 40 mil imigrantes, menos de 0,1% da população brasileira. A Colômbia já recebeu mais de 600 mil pessoas, mais de 1,2% da população do país. A estimativa do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) é que 1,5 milhão de pessoas saíram da Venezuela, desde 2014. Elas estão deixando para trás seu país, que registrou 2.700% de inflação no ano passado, para tentar sobreviver. Diante de tamanha fuga, o Estado brasileiro precisa ser mais presente: abrir as portas de outras cidades e cuidar dessas pessoas em situação de total fragilidade. São Paulo, a mais rica do país, não pode se dispor a receber apenas 350 refugiados.

Em paralelo à obrigação do setor público, as empresas podem ajudar a diminuir as barreiras para esses imigrantes. Um caminho para isso é o Programa de Apoio para a Recolocação de Refugiados, um projeto criado em 2011 pelo empresário João Marques, sócio-fundador da consultoria Emdoc, para inserir essas pessoas no mercado de trabalho. Em seis anos, mais de dois mil currículos e cerca de 210 empresas foram cadastrados no sistema. Essa é uma alternativa para que essas tristes histórias possam ser reescritas. Em agosto de 2017, reportagem Portas abertas para os refugiados, de Moacir Drska, na DINHEIRO, mostrou com sensibilidade casos de estrangeiros que deixaram o caos e aumentaram a diversidade cultural das companhias que os contrataram. É um pingo de felicidade e dignidade para quem não pode voltar casa.