A conta parece simples. Planta-se dinheiro público nas mãos das pessoas economicamente menos favorecidas e colhe-se alto índice de popularidade. Foi esse um dos mais significantes traços do primeiro mandato de Lula, que lhe rendeu elevados níveis de popularidade e culminou na reeleição no segundo turno com 61% dos votos. Em 2003, quando lançado o Bolsa Família, a taxa básica de juros estava em 16,5%, uma crise cambial estava em curso e a inflação acima dos 9,3%. Tudo muito parecido com a economia atual.

Com cenários tão similares, por que o presidente Jair Bolsonaro não obteve os mesmos resultados que seu nêmesis petista? E a resposta é o conjunto da obra. Sozinha, a transferência de renda alivia, mas não reativa uma economia desacelerada como a brasileira. Prova disso é que mesmo o programa social respondendo por até 1,04% do PIB de 2022 e injetando mais de R$80 bilhões na economia real, por meio dos beneficiários do programa, a renda per capita do brasileiro ainda está nos menores patamares deste século.

E o peso do auxílio fica ainda mais evidente quando olhamos para o Brasil profundo. São 648 cidades que têm hoje ao menos 10% do seu PIB atrelado ao Auxílio Brasil, com algumas delas, como Serrano, no Maranhão, com 34% de sua geração de riquezas dependentes do programa. Isso foi o que revelou um estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A lupa acerca do benefício foi colocada por Ecio Costa, professor de economia da universidade, e revela que a maior dependência é no Nordeste, em especial no Maranhão, estado que tem 4,69% de seu PIB atrelado ao programa social. Mesmo com mais recurso direto no bolso do cidadão, o estado tem a menor renda per capita do Brasil (R$ 635), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

NA PISTA Apesar doa programas sociais, a maior aceitação de Bolsonaro é naqueles estados que menos dependem de benefícios, como Santa Catarina. (Crédito:Clauber Cleber Caetano)

Na outra ponta, a grande maioria das cidades com baixíssimo impacto (entre 0,01% e 0,1%) se encontram nas regiões Sul e Sudeste. Para chegar a essa conta, o economista usou dados do PIB de 2019 dos municípios (último levantamento do IBGE) e depois inflacionou para 2020 e 2021. Sobre Auxílio Brasil, ele captou informações do Ministério da Cidadania de janeiro a maio e projetou o valor para os meses de junho a dezembro. Por isso não incluem possível elevação do valor do Auxílio Brasil para R$ 600. “O efeito dessa elevação potencializaria o impacto sobre o PIB de todos os municípios, com alta aproximada de 25%”, disse Costa.

PROJETO PETISTA Mesmo tentando a mesma estratégia de Lula, de apoiar o crescimento do País no consumo, a forma como Bolsonaro fez parece não refletir nem no avanço do PIB, nem de sua popularidade. Juliano Mercedes de Sá, professor de macroeconomia e doutor em história econômica do Brasil, afirma que o cerne dessa questão está numa política econômica apoiada em um tripé: transferência de renda, reajuste do salário mínimo acima da inflação e expansão do crédito. E mesmo com essa tríade, os resultados de Lula só foram colhidos em 2004, já que em 2003 o PIB patinou. “No caso de Bolsonaro, só houve a transferência de renda. E ela veio no final do mandato, ao contrário de Lula, que teve tempo para colher frutos.”

Assim como acontece em 2022, em 2003 o Brasil tinha inflação alta e pressionada pelo câmbio, com o Banco Central subindo a Selic. “A diferença é que houve clareza no projeto macroeconômico”, afirmou Sá. Umas das primeiras medidas de Lula foi reforçar o interesse do Brasil em explorar novos mercados mundiais e para isso liberou crédito para o produtor rural aproveitar a alta dos preços das commodities, ao passo que também capitalizou a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para garantir que houvesse oferta de grãos dentro do País, evitando pressão inflacionária no preço dos alimentos.

Com mais crédito na praça, o plano de estimular a economia por meio do consumo deu certo, e em 2004 o PIB per capita do Brasil apresentou um salto de 4,6%, e o consumo das famílias teve alta de 3,9%. “Com as pessoas comprando mais, as empresas contrataram mais, e com mais crédito também ampliaram seus negócios”, afirmou Sá. E aí o motor econômico pegou no tranco. Com esse cartão de visitas, Lula foi fazer amigos no exterior. O resultado foi queda de 17 pontos percentuais no risco Brasil em 2003, e aumento de 89% na balança comercial do mesmo ano. E isso tudo foi acontecendo enquanto o Lula tentava desviar de escândalos como a CPI e dos Bingos e o inicio do mensalão. Uma aula sobre o que fazer em crises de imagem a que Bolsonaro não assistiu.