Na noite de terça-feira 12, o telefone tocou no gabinete do empresário Benjamin Steinbruch, dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Do outro lado da linha, acomodado em seu escritório na City londrina, estava Sir Brian Moffat, principal executivo do grupo anglo-holandês Corus. Moffat ligou para avisar que sua empresa estava desistindo de seguir com o processo de fusão das duas siderúrgicas. O rápido telefonema pôs uma ?pá de cal? em um negócio que, em julho, havia sido anunciado com estardalhaço. Isso porque, Steinbruch passaria a deter uma fatia de 17,5% do quinto maior conglomerado siderúrgico do planeta, com capacidade para produzir 22 milhões de toneladas de aço e gerar receitas de US$ 12,4 bilhões. Forte o suficiente para se impor em um segmento onde tamanho, sem dúvida, é documento.

A direção da Corus alegou uma série de motivos para abortar a transação. ?As incertezas que afetam as economias da Europa e dos Estados Unidos, combinadas com a grande volatilidade da moeda brasileira e a aversão dos investidores ao risco, nos levaram a essa decisão?, disse à DINHEIRO David Jackson, diretor de relações corporativas da Corus. A CSN, que começou o dia garantindo que fora dela a decisão de romper o acordo, acabou mudando o discurso mais tarde. ?Ficou claro para as duas companhias que a situação não evoluiu conforme o que havia sido imaginado em julho?, argumentou Antonio Vieira, diretor executivo de Operações da siderúrgica brasileira. Os resultados da CSN nos últimos meses deram musculatura à companhia e aumentaram seu valor. Os indicadores da Corus, por sua vez, caminharam no sentido oposto. Dessa forma, as participações acionárias negociadas originalmente teriam de ser revistas, a favor dos brasileiros.

O anúncio do aborto da fusão veio no mesmo dia em que a CSN divulgou os resultados do trimestre julho-setembro. Os números, pelo visto, agradaram aos analistas, principalmente no que se refere à redução na dívida que desabou de US$ 2,1 bilhões em janeiro de 2002 para US$ 1,4 bilhão em setembro. ?Foi um ganho importante que mostra que o endividamento, apesar de grande, é gerenciável?, avalia Luiz Otavio Laydner, analista do Banco Pactual. A mesma linha de argumentação foi usada pela direção da siderúrgica instalada em Volta Redonda (RJ). Apesar de ter registrado prejuízo de R$ 577 milhões no acumulado janeiro-setembro (em igual período de 2001 obteve lucro de R$ 425 milhões), a direção da CSN fez questão de ressaltar as conquistas obtidas no ano. ?Nossas vendas cresceram 44% e a geração de caixa, ou Ebitda, subiu 54%, para R$ 1,37 bilhão?, festejou Antonio Ulrich, diretor de relações com o mercado da CSN. ?É uma das melhores margens do setor em todo o mundo?, ressaltou Vieira.

Uma situação muito diferente da vivida pelo grupo Corus. Seu Ebitda é igual a zero e, nos últimos dois anos, o prejuízo acumulado é de US$ 2 bilhões. Além disso, seus custos de produção são 63% acima dos contabilizados pela CSN. ?O negócio permitiria à Corus ganhar uma competitividade que hoje ela não possui?, opina Luciana Machado, analista da Corretora Fator Doria Atherino.

A reação do mercado revela a distância entre o desempenho de
uma e de outra. No pregão da quarta-feira 13 da Bolsa de Valores de São Paulo ? quando a decisão foi oficialmente comunicada ? os papéis da CSN atingiram o pico de R$ 41,25, fechando o dia cotados em R$ 40,75, ganho de 5,02%. Trajetória inversa teve a Corus na Bolsa de Londres. Na metade do pregão as ações da companhia chegaram a desabar 27,27%.

O cancelamento do negócio não interromperá os planos de expansão internacional da CSN. Atualmente, a empresa mantém uma pequena operação nos Estados Unidos, a CSN LLC, e continua tentando associar-se à Bethlehem Steel. As negociações foram interrompidas em maio deste ano por conta de pressões do poderosíssimo sindicato dos trabalhadores de lá. Os executivos da siderúrgica brasileira entendem que a empresa não perdeu sua ?atratividade?. Afinal, dizem eles, as vantagens comparativas permanecem: acesso à matéria-prima da Mina da Casa de Pedra, um eficiente sistema logístico e a capacidade de gerar boa parte da energia que precisa para operar. Por conta disto, não faltam analistas que apostem em uma futuro ?doméstico? para a CSN. Os palpites incluem desde uma megafusão com o sistema Usiminas (que inclui a Cosipa) e até mesmo a entrada em cena dos gaúchos do clã Gerdau. O tempo dirá quem tem razão.

“A CORUS NÃO QUIS”
Joaquim Castanheira

Steinbruch:
?Eu não esperava?
Horas depois do anúncio do cancelamento da fusão da CSN-Corus, Benjamim Steinbruch deu a seguinte entrevista exclusiva para DINHEIRO:
Qual sua reação ao cancelamento?
Eu não esperava. A Corus é que não
quis, mas compreendi perfeitamente. Os bancos que a assessoravam acharam que não valia a pena estender o memorando de intenções firmado em julho e o board da Corus acatou.

Quais as razões para isso?
Os resultados da Corus não foram tão positivos quanto os da CSN. Estes foram brilhantes. Eles, ao contrário, tiveram resultados piores do que o esperado. Então, o valor da CSN cresceu, o deles diminuiu. Seria necessário rever a participação acionária de cada parte, e a CSN ficaria com uma parcela ainda maior do capital. Eles acharam que o negócio não seria interessante.

A CSN sai enfraquecida desse episódio?
Ao contrário. Estabelecemos um business plan para cada
uma das empresas quando assinamos o memorando de intenções. A CSN fez a lição de casa e saiu desse processo mais enxuta, mais competitiva, menos endividada. Neste ano, conseguimos reduzir o endividamento em US$ 700 milhões. Nós nos aproveitamos dessa situação.

Quais os próximos passos para a CSN?
A lógica empresarial que nos levou à negociação com
a Corus continua válida. O caminho é a internacionalização,
o acesso a recursos mais baratos. Os resultados do quarto trimestre serão ainda melhores do que os do terceiro. Terminaremos o ano com uma dívida menor e dinheiro no caixa. Então decidiremos se vamos expandir Volta Redonda ou adquirir ou nos associar a outras empresas.

Já há candidatos em vista?
Por que não a própria Corus? É uma empresa de primeira. E eu gostei de trabalhar com eles. Na próxima semana, sir Brian Moffat, o chairman, virá ao Brasil e conversaremos. A fusão não saiu agora por uma questão pontual.

Houve quem falasse que a fusão entregaria a CSN aos estrangeiros…
Não íamos ser absorvidos. Seríamos o maior acionista individual. Tanto que eles não aceitaram a fusão porque nossa participação seria maior do que o previsto.

O novo governo tem um caráter nacionalista. Isso pode atrapalhar uma eventual associação com uma empresa estrangeira?
O que é ser nacionalista? Investir não é? Gerar empregos não é? Pode haver alguém que goste tanto quanto eu do Brasil, mas não há quem goste mais do que eu. O governo apoiará essas movimentações porque elas geram receita e empregos.

O que o sr. espera do futuro governo?
Estou otimista. Lula foi eleito com uma maioria esmagadora e pode fazer um excelente governo. Os olhos dele brilham quando fala do futuro do País. Ele contagia as pessoas com isso. Quem pode deixar de ajudar?