Maior driblador da história do futebol, Mané Garrincha tinha pernas tortas como um berimbau. Curiosamente, sua genialidade estava na capacidade de entortar os adversários com jogadas desconcertantes e, bem diferente da maioria dos grandes craques da bola, fazia sempre o mesmo drible para a direita. Era previsível. Ao mesmo tempo, quase inalcançável. Com razão, seu epitáfio diz “Aqui descansa em paz aquele que foi a alegria do povo”. A previsibilidade de Garrincha era tão óbvia quanto a certeza do que viveremos em 2022 no cenário político e econômico. Como em uma jogada manjada, o presidente Jair Bolsonaro partirá para o tudo ou nada para tentar reverter até outubro sua imensa desvantagem na disputa eleitoral. Para isso, o drible cantado é a disparada de um arsenal de medidas populistas, como a ridícula Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos combustíveis.

Sob a ótica fiscal, não faz o menor sentido. Sob o prisma político, muito menos. A iniciativa eleitoreira joga para os governadores a responsabilidade de reduzir o preço de um produto dolarizado que o presidente ajudou a encarecer. O real nunca esteve tão desvalorizado graças a Bolsonaro e seu pupilo do Chicago Boys. Para quem não se lembra, aí vão alguns exemplos: a desestruturação fiscal do governo, a demora em acordar para a gravidade da “gripezinha”, a péssima imagem transmitida mundo afora por um presidente que incentiva o desmatamento, a série de piadas preconceituosas contra os chineses, a publicação de mensagens jocosas sobre a aparência da primeira-dama da França, rompimento com os vizinhos da América Latina, entre inúmeras outras bobagens que corroeram a reputação do Brasil e o ambiente de negócios.

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Dias atrás, secretários do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz) decidiram acabar com o congelamento do ICMS sobre combustíveis. Mas quase nada mudou. O preço final dos combustíveis depende mais do dólar e da cotação do petróleo do que dos tributos estaduais. Em vez de ajudar a economia a se recuperar, a tentativa de Bolsonaro pode piorar o cenário com mais uma medida de descontrole de gastos públicos, com renúncia de receitas e embate com governadores e parlamentares, sem oferecer contrapartidas para compensar a queda de arrecadação. Além de não conseguir reverter a desvantagem na disputa pela a reeleição, o presidente replica o comportamento populista de governos petistas que ele tanto demoniza.

Num teste às cegas, forçar a queda dos combustíveis em ano de eleição transforma Bolsonaro e Lula em clones da mesma espécie. Quanto mais se aproxima a eleição, mais Bolsonaro se parece com Lula. Só que um Lula piorado, porque utiliza uma falsa fantasia de liberal. Essa mistureba populista de narrativas –
expressão que bolsonaristas gostam de usar – pode ser letal para a economia em 2022. Por isso, Jair Inácio Messias da Silva, como um perna-de-pau que só pisa na bola, preocupa tanto aqueles que entendem de economia.