A preocupação com aspectos de ESG (Environmental, Social and Governance) no ambiente financeiro global tem crescido substancialmente nos últimos dez anos, com forte aceleração nos últimos três, conforme podemos observar no gráfico abaixo que ilustra a procura pelo termo ESG no Google.

O crescente interesse por ESG tem rapidamente transformado a indústria de investimentos, levando a uma maciça movimentação dos investidores que se preocupam com aspectos de ESG a deslocar seus portfólios para ativos ou fundos que estejam alinhados com seus princípios.

Segundo o PRI (Principles for Responsible Investing), o total de ativos geridos por seus signatários atingiu US$ 86 trilhões em 2019, cerca do dobro do montante de cinco anos atrás e o quádruplo do valor de 2009.

Os gestores de recursos (“asset managers”) assumem um dever fiduciário com seus clientes: a obtenção da rentabilidade esperada com controle de riscos. Portanto, é bem claro, para nós, que aqueles que adotam princípios de ESG exclusivamente pelo fato de ser moralmente correto incorrem em uma quebra de dever fiduciário com seus clientes.

Desta forma, veremos mais adiante que a integração de ESG ao processo vai na direção contrária ao exposto acima: tende a incrementar retorno, reduzir incerteza de resultados e diminuir sensivelmente riscos.

Ao integrar fatores de ESG na análise, em última instância, temas importantíssimos são endereçados, tais como vantagens competitivas de longo prazo, oportunidades de criação de valor e aceleração de crescimento, mitigação de riscos de várias naturezas (reputacional, capex, multas, obsolescência, custo de capital, entre muitos outros).

Se, por um lado, o crescimento da adoção de princípios ESG pode ser um ciclo virtuoso, melhorando as práticas das empresas, fundos e investidores, resultando na melhoria do sistema como um todo, há que se observar também dois importantes riscos que não podem ser ignorados.

O primeiro risco advém de participantes do sistema não adotarem práticas de ESG por estarem alinhados aos seus princípios, mas sim para se enquadrar em uma crescente demanda do mercado, levando ao risco do “ESG de fachada”.

O segundo grande risco é a transformação da leitura de algo que deveria ser abstrato para o concreto através da simples compilação de dados quantitativos e check-lists. Este risco é extremamente grave, pois as interpretações a respeito dos bons princípios de ESG deixarão de levar em conta o que a empresa é em sua essência, mas focará no que a companhia parece ser.

Usando como exemplo o Novo Mercado, a louvável intenção do legislador de incrementar a prática da boa governança corporativa nas empresas teve um papel muito importante de colocar um holofote sobre o tema da governança, dando visibilidade ao assunto e elevando o padrão das companhias, mas, por outro lado, acabou também gerando uma consequência indesejável.

Práticas de boa governança podem ser analisadas através de atos contínuos, observando como as companhias são geridas internamente, bem como seu relacionamento com seus stakeholders (sejam eles acionistas, fornecedores, clientes, funcionários, comunidade etc.).

No entanto, a partir da adoção do Novo Mercado, a avaliação da boa governança passou a se resumir a um conjunto de itens (classe única de ações, percentual de conselheiros independentes, direito de tag along etc.) e deixou-se de observar o que realmente importa.

Consequentemente, passou a ser muito fácil parecer ter boa governança, sem de fato exercê-la. A consequência negativa mais óbvia desta conduta é o poder que as empresas de má governança passaram a ter de serem bem vistas pelos investidores.

Mas esta não é a consequência mais grave…

O pior efeito negativo foi a paralisação da evolução da boa governança. As boas companhias, ao entenderem que já cumpriam os itens requeridos, tenderam a se satisfazer com suas condições e deixaram de evoluir.

Vemos, claramente, o mesmo risco em ESG. A rápida ascensão da adoção destes princípios encontrou tanto o mercado investidor quanto as próprias companhias despreparadas para lidar com um assunto novo, fora do usual e abstrato. Proliferaram, então, uma série de métricas e ratings que, assim como o Novo Mercado, possuem bastante mérito, mas estão longe de serem suficientes.

É muito mais importante, por exemplo, uma companhia acreditar realmente e estar aberta à diversidade, do que simplesmente preencher requisitos formais de perfil de gênero para composição de seu Conselho de Administração.

Adotar princípios ESG na análise das empresas é trazer questões cotidianas à mesa de discussão que afetam diretamente as projeções de resultado (desde crescimento, margem, capex, até custo de capital e taxa de desconto).

Integração ESG (“ESG Integration”) significa enxergar a empresa de forma holística, analisando tanto seus aspectos econômicos e financeiros, como também sociais, éticos e de sustentabilidade de forma unificada.

Desta forma, ao integrar ESG no processo, estaremos, em última instância, focando na procura de melhores opções de investimento, já que gestores de companhias preocupados com a sustentabilidade de longo prazo tendem a reduzir riscos, reduzir volatilidade de cash flows futuros e incrementar o retorno de suas companhias.

Assim, a integração do ESG, ao contrário da hipótese proposta no início deste artigo, não configura um conflito do dever fiduciário do gestor com seu cliente; pelo contrário, agrega na correta tomada de decisão.

É natural que adotar um filtro de companhias investíveis, retirando do universo aquelas que ferem os princípios ESG, seja um primeiro passo daqueles que querem incorporar ESG em seus processos.

Contudo, esta é apenas uma pequena parte da história. Ao apenas excluir as empresas consideradas desalinhadas, incorre-se em dois problemas: (i) automaticamente acredita-se que as empresas não eliminadas são iguais nestes aspectos e, principalmente, (ii) desconsideram-se os riscos e oportunidades advindos de temas ESG por ter sido abordado apenas no filtro inicial.

Incorporamos um primeiro filtro de exclusão de setores formalmente desde o início das operações da FAMA Investimentos em 1993. Poucos anos depois, tal filtro deixou de ser restrito a setores e passou a incorporar questões de governança e ética. Companhias que não estivessem alinhadas ou que tivessem um histórico hostil junto aos seus acionistas minoritários estariam excluídas do universo. Todos os aspectos éticos também são considerados no filtro e transcendem o setor de atuação ou seus resultados financeiros e perspectivas.

O primeiro passo em uma tradicional avaliação de uma empresa é a análise SWOT (“strengths, weaknesses, opportunities and threats”). Não é mais possível realizar uma análise SWOT sem integrar aspectos ESG, pois, ao ignorá-los, não se estaria avaliando corretamente as fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças de uma companhia.

Consideremos, hipoteticamente, uma fabricante de refrigerantes de marca forte e tradicional que venda seus produtos substancialmente em embalagens PET e venha obtendo um crescimento histórico positivo, com margens consistentes e capex controlado.

Ao incorporar as questões ESG na matriz SWOT e, por exemplo, endereçar o tema “plástico” nas análises, uma série de novos fatores podem ser considerados, tais como (i) o risco de governos adotarem alíquotas de imposto maiores para produtos poluentes como o plástico; (ii) uma menor demanda futura por conta da preferência do consumidor por marcas associadas a embalagens mais ecológicas; (iii) um aumento substancial no capex para desenvolvimento de novas embalagens ou (iv) a incorporação de maiores despesas para gestão de lixo e resíduos.

Analogamente, outras companhias podem ser impactadas na matriz SWOT no que tange a oportunidades, especialmente aquelas que estejam trazendo inovações de produto ou embalagens, aparecimento de novas marcas que cresçam à esteira do desgaste da atual líder ou eventualmente oportunidade de crescimento para produtos substitutos.

Desta forma, ao incorporar questões de ESG no entendimento das companhias, automaticamente trataremos de projeções financeiras no que tange a crescimento de receita, custos, margens, capex, alíquota de imposto, entre outros. Da mesma maneira, as eventuais oportunidades relativas a aspectos e ESG de uma companhia podem se refletir como riscos ou ameaças para outras companhias.

É nítido que, se estamos nos engajando com o desenvolvimento de temas ESG dentre as companhias investidas, significa que, em certa medida, elas são falhas em alguns pontos e ferem os bons princípios. Caso contrário, a agenda de engajamento seria vazia.

Daí decorre a pergunta: até que ponto seríamos tolerantes com companhias que não estejam alinhadas com tais princípios?

Embora tal questão seja bastante subjetiva e, por isso, não possa ser respondida de maneira fácil e direta, há casos bastante claros em que a resposta é objetiva. Por exemplo, não toleramos desvios éticos de nenhuma natureza e em nenhuma magnitude.

Entendemos que existam questões evolutivas em companhias em vários aspectos (governança, cultura, transparência, social, etc.), porém ética é, em nossa avaliação, um conceito binário: há ou não há; sem meio termo. Gestores ou controladores com padrão ético incongruente com o nosso não podem ser considerados no nosso universo, ainda que todas as medidas cabíveis tenham sido tomadas para cessar a conduta.

Mas se não toleramos empresas antiéticas podemos tolerar companhias negligentes com o meio ambiente? Ou com relação predatória com a comunidade ou seus colaboradores?

Nestes casos, é necessário entender a extensão do problema e, principalmente, se há conivência ou negligência dos administradores da companhia ou eventualmente ações em curso para a mudança da realidade. Não obstante, é evidente que dependendo do espectro e magnitude do caso que não esteja em conformidade com os princípios de ESG, o investimento também seria impraticável.

Já vimos anteriormente que E, S e G são elementos de sustentabilidade da companhia no longo prazo. Contudo, nenhuma empresa consegue caminhar para uma determinada direção se os valores da mesma não estão incorporados à sua cultura.

No mercado financeiro há diversas expressões que refletem alguma característica de sua cultura: “empresa de dono”; “skin in the game” ou “ambiente meritocrático”. Todas estas expressões são facilmente compreensíveis, embora nenhuma delas possa ser medida ou quantificada através de indicadores; mas sim percebidas através de atitudes.

Entender a cultura de uma companhia é tão importante quanto entender o produto que ela vende ou seu ambiente concorrencial. Não faltam exemplos de retumbantes fracassos empresariais em companhias que possuíam produtos excelentes, mentes brilhantes, mas uma cultura nociva.

Se definirmos cultura como um conjunto de valores e crenças compactuados pelos colaboradores de uma empresa, que norteiam suas tomadas de decisão, fica evidente que se os conceitos de sustentabilidade de longo prazo não estiverem presentes na cultura, não há como imaginar aquela companhia sendo aderente a ESG.

Segundo o banco Morgan Stanley, uma regressão realizada a partir de 2.645 fatores de ESG identificou os três fatores mais críticos de cada setor: metade deles estava relacionado à governança (G), 25% a aspectos ambientais (E) e 25% a aspectos sociais (S).

A tendência de muitos investidores é, portanto, focar nos aspectos de governança e relevar os demais aspectos. Contudo, ao ignorá-los, fica prejudicada a compreensão exata do setor no qual a companhia se insere bem como a sua posição competitiva.

Deste modo, uma abordagem mais ampla de ESG é fundamental para entender e analisar o contexto no qual uma determinada companhia se insere, seus potenciais, oportunidades e ameaças ou riscos – fatores estes fundamentais para uma análise efetiva SWOT da companhia investida.

Fatores sociais (S), por exemplo, contribuem para a satisfação dos colaboradores, o que reduz o turnover e, consequentemente, aumenta a produtividade e reduz a incidência de fraudes. Além disso, ter um bom relacionamento com toda a cadeia (fornecedores, clientes, prestadores de serviço etc.) ajuda na melhor percepção da companhia como um todo, podendo se refletir na preferência e fidelidade de seus clientes e, consequentemente, melhores resultados financeiros.

Companhias que preservam os valores socioambientais tendem a ter uma reputação mais positiva, melhor percepção de marca e maior lealdade de consumidores, o que pode resultar em um desempenho financeiro mais sólido e estável.

Entendeu agora por que é importante seguir estes princípios? É isso ou ficar de fora do portfolio dos investidores, que, cada vez mais, levam em conta a conduta das empresas e dos líderes dos negócios nos quais estão depositando confiança e capital. E você não vai querer sair do radar deles, vai?

(*) Co-Fundador e Portfolio Manager da gestora FAMA Investimentos