É um paradoxo que depois do boom nas vendas online causado pela pandemia a partir de 2020, as empresas de e-commerce estejam perdendo valor de mercado de forma assombrosa. Em alguns casos, a queda das ações chega a 90%. Isso, mesmo com as vendas ainda aquecidas. Como explicar essa discrepância?

Segundo a Neotrust, que acompanha 85% do comércio digital brasileiro, foram R$ 161 bilhões movimentados em vendas pela internet em 2021, alta de 27% em relação a 2020. Um recorde. Mais recentemente, a Magis5, startup que desenvolve soluções para integração com os principais marketplaces e plataformas de e-commerce, realizou estudo que aponta crescimento do e-commerce, mesmo com crise mundial e alta da inflação. O desempenho dos marketplaces deve ajudar a melhorar a rentabilidade das companhias no médio prazo, segundo analistas. Mas, no momento, isso não se reflete no valor de mercado dos grandes players do setor.

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No primeiro trimestre deste ano, o Magazine Luiza teve aumento de 13% no GMV (volume bruto de mercadorias, utilizado como métrica no varejo on-line), segundo a Magis5. O aumento teve intensa participação do e-commerce, que representou 72% de todas as vendas da empresa. Até 2020, as vendas on-line representavam apenas 53%. A rede varejista, porém, registrou queda de cerca de 90% no preço de suas ações negociadas na B3. Em novembro de 2020, os papeis era negociados a R$ 27,42. No fechamento da bolsa na segunda-feira (11), custavam R$ 2,93.

Já a Americanas SA registrou alta no seu GMV de quase 22% e uma receita líquida de R$ 6,8 bilhões nos três primeiros meses de 2022. A principal mudança estratégica da empresa foi o seu fortalecimento logístico, acelerando o tempo de entrega de produtos e permitindo também a compra e retirada nas lojas físicas de maneira mais eficiente, o que levou a um crescimento de 8% na base de clientes ativos. Porém, as ações da empresa caíram 85,7%, de R$ 118,60 em agosto de 2020, para R$ 16,90 na segunda-feira (11).

O Mercado Livre, maior plataforma de e-commerce da América Latina, apresentou crescimento de GMV de 32% no primeiro trimestre. Com a ampliação da malha logística e a estratégia de ampliar o portfólio de produtos, a empresa também investiu no fortalecimento da vertente de coleta e entregas Mercado Envios, segundo levantamento da Magis5. Por outro lado, a companhia viu o valor de suas ações desabarem 66,8%, de R$ 89,90 em janeiro de 2021 a R$ 29,80 na segunda-feira.

Segundo especialistas, a razão dessas quedas dos papéis das três empresas que atuam no varejo eletrônico não se deve ao desempenho em vendas até aqui e sim à soma de três fatores externos. O primeiro é que suas ações subiram rapidamente puxadas pelo encantamento dos novos investidores da B3. No caso do Magalu, a forte valorização até meados de 2021 fez da empresa um chamariz para entrantes na Bolsa. Analistas de investimento passaram a usar o caso de sucesso para convencer mais gente a comprar papeis do setor. Os preços subiram artificialmente para depois recuar, em um movimento de acomodação e de realização de lucro por parte de quem havia comprado ações anos antes. Mas esse fator, apenas, não justifica a queda.

O segundo motivo é a redução das perspectivas de vendas futuras. Primeiro, pelo fim das restrições causadas pela pandemia. Se antes o e-commerce era a única possibilidade de comprar e receber mercadorias, agora ele compete com o varejo físico, o que tira o protagonismo dos marketplaces digitais. Há maior concorrência e as margens precisam ser reduzidas para fechar a venda, impactando os lucros.

Por fim, há o alto endividamento das famílias brasileiras, o que compromete novas despesas. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC), sete em cada dez famílias brasileiras estão endividadas. O índice aumentou quase dez pontos percentuais em um ano e, para piorar, 30% disseram estar com parcelas em atraso. Ou seja, muita gente que saiu comprando com cartão de crédito durante a pandemia não tem como pagar. É isso que explica o aparente paradoxo das empresas de e-commerce.