Janeiro de 2022 repetiu uma escrita frequente que vem ocorrendo no primeiro mês do ano. Independentemente do que ocorreu nos meses anteriores, o Ibovespa apresenta um bom desempenho. No mês passado, o principal indicador do mercado acionário brasileiro avançou quase 7%. Para comparar, o índice S&P 500, o mais representativo dos humores de Wall Street, caiu 5,3%. E o índice da Bolsa de Xangai teve um desempenho ainda pior, recuando 7,6%.

As notícias mostram poucos motivos para o otimismo do Ibovespa. Logo no início do ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que a inflação de 2021 foi de 10,06%. Foi a primeira variação de preços acima de dois dígitos desde 2015. O único ponto positivo foi uma leva queda no índice de desemprego, que encolheu para 11,6% no trimestre encerrado em novembro, redução de 1,6 ponto porcentual frente ao dado dos três meses findos em outubro. Mesmo assim, segundo o IBGE, essa melhora é sazonal, pelas contratações temporárias do fim do ano.

Para complicar ainda mais o cenário, logo no início de fevereiro, na primeira reunião do ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) confirmou as expectativas do mercado e elevou a taxa referencial Selic em 1,5 ponto porcentual para 10,75% ao ano. No Comunicado que divulgou na noite da quarta-feira (2), o Comitê presidido por Roberto Campos Neto traçou um cenário sombrio. O Comunicado foi claro ao afirmar que a inflação ao consumidor “seguiu surpreendendo negativamente”.

ENDURECENDO O JOGO Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, afirmou em janeiro que será preciso desacelerar a economia americana (Crédito:Kevin Dietsch)

Como não poderia deixar de ser, a indisciplina financeira do Executivo e do Legislativo também foi lembrada. “Políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do País, mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação”, afirmou o Comunicado.

Para o Comitê, isso justifica uma alta dos juros para até 12% ao ano no primeiro semestre. “Essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”, informou o Comunicado. “É apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista.” Traduzindo para o português, isso significa economia mais fria. Responsável pela Renda Variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno afirmou que a inflação está elevada e os juros deverão permanecer ao redor de 11% ao ano, “o que vai afetar os resultados das empresas, especialmente nos setores onde há mais correlação com o desempenho da economia brasileira.”

O mesmo raciocínio vale para os Estados Unidos. O Federal Open Market Committee (Fomc), versão americana do Copom, reuniu-se na última semana de janeiro. Ao comentar os resultados, o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, disse claramente que a política monetária ianque iria mudar. Após quase dois anos sendo leniente com a inflação, o BC dos EUA mudou de lado. Até agora, ele vinha mantendo os juros perto de zero e injetando recursos diretamente na economia para contrabalançar os efeitos negativos das medidas de restrição provocadas pela pandemia.

Porém, as declarações de Powell deixaram clara a convicção do Fed de que a inflação americana está elevada demais. “A situação não melhorou desde a última reunião de dezembro, de fato ela piorou um pouco”, disse Powell ao comentar os resultados. Em 2021 o Consumer Price Index (CPI) registrou inflação de 7%, muito acima da meta de 2% ao ano que está na lista de tarefas do Fed. Mais do que isso, a economia está aquecida. O desemprego está em 3,9%, perto das mínimas históricas e em linha com o que o banco central considera, na prática, pleno emprego. A ordem agora é reduzir essa temperatura, o que provocou o efeito devastador sobre as bolsas. Porém, algumas gotas do oceano de liquidez que se movimentou com as declarações de Powell fluíram para o mercado brasileiro. Isso explicou a valorização de janeiro, e também a queda de quase 5% nas cotações do dólar.

INDISCIPLINA FISCAL O Copom, liderado por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, indica que o excesso de gastos públicos dificulta a queda dos juros (Crédito:Sergio Lima)

PREÇO BAIXO Esse movimento continua? Para os especialistas, o desempenho de janeiro foi um ponto fora da curva, e o Ibovespa vai precisar de mais justificativas para seguir subindo. “A valorização do mês passado foi causada por um movimento breve de alocação de recursos no início do ano, mas não notamos um aumento relevante da exposição dos investidores internacionais aos ativos brasileiros”, disse o analista da empresa independente Levante Corp, Bruno Benassi. Segundo ele, a ideia de que a economia brasileira se descolou dos demais países emergentes e tem espaço para subir não se justifica. Benassi afirmou que o que poderá tornar esse movimento mais relevante é um bom desempeno da economia chinesa. Há tempos que o desempenho das ações no Brasil está mais parecido com o da bolsa de Xangai do que com os vaivéns de Wall Street (observe o gráfico).

O responsável por renda variável da gestora Valor Investimentos, Romero de Oliveira, tem um raciocínio semelhante. Para ele, a parte boa é que as empresas brasileiras fizeram sua lição de casa durante a pandemia, cortando custos e reduzindo o endividamento. “E os papéis mais relevantes na Bolsa são de companhias exportadoras de commodities, cujos preços não dão sinais de arrefecimento no mercado internacional”, afirmou. Assim, o comportamento futuro do mercado acionário brasileiro só será promissor considerando-se um cenário positivo para minério de ferro, petróleo e alimentos, pois as notícias locais não são promissoras. “Este é um ano eleitoral”, disse Oliveira. “E anos eleitorais sempre são voláteis.”