O juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 29.ª Vara Criminal de São Paulo, anotou que “ao réu sorriu a sorte ou quiçá a verdadeira Justiça” para absolver por falta de provas Wanderson Gomes Brandão, preso por 89 dias ao ser acusado de ter roubado um carro e tentado roubar outro a mão armada na zona Sul de São Paulo.

Patiño Zorz ressaltou que “as provas” apresentadas consistiam no relato das vítimas e dos policiais. Contudo, em juízo, “repetida e questionada a prova incriminatória, esta não se mostrou convincente como outrora”.

“Não se olvida que em crimes cometidos na clandestinidade como o roubo, a palavra da vítima deve ser prestigiada, mas não se pode perder de vista que esta prova, assim como qualquer outra, não é absoluta, devendo, pois, sempre ser cotejada com outros elementos de prova.”

O magistrado destacou incoerências entre os depoimentos dos policiais. Por exemplo, um deles informou que teria perdido os suspeitos de vista “por apenas cinco segundos”, ao passo que seu colega falou que o intervalo de tempo teria sido de cinco ou seis minutos.

Em segundo lugar, Patiño Zorz destacou o depoimento das testemunhas de defesa, que “relataram pontos comuns que retiram o réu da cena do crime”.

À hora do crime, Wanderson estava na loja de rações do tio onde trabalhava diariamente. Ele foi detido pelos policiais quando saiu para comprar um chip de celular em uma banca de jornal com um amigo.

“Como se vê, as testemunhas foram consonantes, assertivas e veementes em afirmar que o réu trabalhava na hora da abordagem, bem como onde ele se encontrava minutos antes da prisão. Além disso, uma delas Naihandra ainda aduziu ter visto os quatro roubadores correndo na posse da res, tomando rumo diverso daquele que o réu tomou junto com seu amigo Reginaldo.”

Por fim, a defesa apresentou a localização de GPS do celular de Wanderson para comprovar que ele não estava no local do crime no momento em que ele ocorreu. “De mais a mais, as imagens trazidas pela defesa não foram objeto de contestação pela acusação, de forma que tampouco se pode admitir que o réu tenha o dom da ubiquidade.”

Entenda o caso

O roubo e a tentativa de assalto ocorreram em 21 de novembro de 2019.

As duas vítimas dos crimes acionaram a Polícia Militar, que já estava na região para atender à primeira ocorrência.

Os PMs avistaram o veículo GM/Classic passando por alta velocidade em uma via. Eles perseguiram o carro, até que os ocupantes saltaram e entraram em uma favela.

Quinze minutos depois, os policiais encontraram um grupo de quatro pessoas que ‘agia de forma suspeita na via’. Wanderson estava entre elas.

Os quatro foram conduzidos até a Delegacia de Polícia, onde as vítimas reconheceram Wanderson como um dos assaltantes. Elas não reconheceram os outros detidos.

Ele foi preso em flagrante e teve a prisão convertida em preventiva durante a audiência de custódia.

Vizinhos de Wanderson, pelo contrário, testemunharam que ele estava trabalhando na hora do crime.

“A testemunha Cleides de Paula, vizinha do acusado, declarou que não viu os assaltos. Aduziu que o réu trabalhava com ela num bar e que ele estava trabalhando no dia e na hora dos fatos, pois era uma quinta, dia de feira. Relatou que o réu também ajudava na loja de ração do tio dele. Acrescentou que no dia dos fatos saiu do trabalho por volta das 16h45 e o réu saiu em seguida. Um amigo dele chegou e o chamou para comprar um chip de telefone celular. Em seguida, ela parou para conversar com uma vizinha e viu uns ‘moleques’ (sic) correndo, a polícia atrás e viu o acusado sendo abordado. A depoente declarou que entre a saída do trabalho e a abordagem do réu passou mais ou menos cinco minutos.”

Já a testemunha Simone, conhecida de Wanderson, relatou. “Viu a prisão do acusado da sacada de sua casa. Aduziu que no dia dos fatos chegou em casa, estacionou o carro e o réu estava parado onde ele trabalhava, na rua Guian, um bar e uma casa de ração. Era por volta de 16:30hs. Relatou que cumprimentou o réu, como de costume, e foi para uma vendinha comprar refrigerante, pois era aniversário da sua neta e voltou para casa. Quando chegou em sua residência escutou um barulho – polícia – e indagou para a sua inquilina o que estava acontecendo, sendo informada que tinha 04 meninos que tinham roubado um carro. Passados mais uns dois minutos, informaram à depoente que tinham abordado o Wanderson (réu), o qual estava com mais um moço, que a depoente conhece de vista. Acrescentou que ouviu que os roubadores (meninos) entraram em um quintal que fica entre o bar onde o Wanderson trabalha e a casa de ração. O local tinha abertura, não havia portão e tinha saída para um córrego, sendo que os roubadores foram vistos correndo por sua inquilina.”

“A testemunha Naihandra, inquilina de Simone declarou ser conhecida do réu. Relatou que no dia dos fatos estava sentada no portão de sua casa esperando a sobrinha, ocasião em que viu 04 meninos correndo com uma mochila na mão. Passaram à sua frente, e um deles perguntou para o outro se estava baleado, ao que este respondeu que não, e então seguiram em frente. Logo depois, o réu e um amigo dele seguiram para o lado oposto da rua. Passado um tempo, a depoente ficou sabendo da abordagem do acusado. Declarou que o réu trabalha em uma lanchonete e em uma casa de ração. Aduziu que conhece dois dos quatro indivíduos que estavam correndo. Mostradas fotos reconheceu um rapaz de tatuagem como sendo um dos quatro indivíduos que corriam. Por fim, relatou que eram quase 17 horas quando viu os indivíduos correndo e que viu o réu no bar trabalhando por volta das 16h45.”