Economista afirma que o enfrentamento da pandemia deixa a desejar e que a capacidade de retomada está em xeque diante dos atuais desafios brasileiros.

Economista, ex-ministro das Comunicações nos governos de Fernando Henrique Cardoso e ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros avalia que o pior da crise já ficou para trás, mas enxerga uma recuperação mais lenta da economia brasileira diante da demora do governo em reagir. Ele afirma que todos os líderes do mundo, independentemente das posições ideológicas, tiveram de recorrer à cartilha do britânico John Maynard Keynes, que defende quando necessário a presença do Estado como indutor do crescimento econômico, por meio, principalmente, do aumento dos gastos públicos. Confira sua entrevista à DINHEIRO:

DINHEIRO – Qual a sua análise do cenário macroeconômico durante a pandemia?
Luiz Carlos Mendonça de Barros — Estamos vivendo uma situação totalmente inesperada. Mais que isso, nunca vivida. Tenho 50 anos de vida profissional e eu nunca tinha presenciado uma crise com essas características. A pandemia gerou uma recessão por meio do afastamento de consumidores, de trabalhadores, da atividade normal. Isso provocou um vácuo de renda na economia. Falta renda ao trabalhador, falta renda para as empresas.

A situação não relembra outras crises?
Não. A crise de 2008, por exemplo, é muito diferente. Felizmente, a crise do subprime permitiu que se estabelecesse um padrão de ação em momentos críticos como os que estamos vivendo, principalmente por parte dos bancos centrais.

Os bancos centrais estão mais preparados no sentido de regulação?
Não só regulação. Digo no sentido de que os bancos centrais estão mais preparados para jogar dinheiro na economia. É um protocolo keynesiano [teoria do economista britânico John Maynard Keynes] que está sendo seguido à risca agora. Acredito que as ideias de Keynes são hoje exploradas com mais intensidade até do que ocorreu em 2008. Na crise atual, todos os bancos centrais agiram muito rápido para evitar um pânico financeiro e uma crise bancária. Comparando os dois cenários, a crise de 2008 foi de origem bancária, que detonou uma recessão. Dessa vez, não houve crise bancária em nenhum lugar do mundo. Então, isso permitiu que a primeira onda de choque fosse rapidamente acomodada. De certa forma, isso facilitou o enfrentamento da crise. O problema é que ocorreu esse vazio de renda que nunca tinha acontecido. Até mesmo a crise de 1929 e 1930 começou como crise bancária. Desta vez, algumas atividades econômicas despencaram 20%, 30%, 40%.

Há setor, como o da aviação, que caiu mais de 90%…
É um negócio muito complicado. Por isso os governos estão resgatando os protocolos keynesianos, que estavam meio esquecidos. Diante da gravidade, mesmo em países ultraconservadores, como a Inglaterra, a injeção de grandes volumes de dinheiro na economia é fundamental.

Injetar dinheiro na economia não contraria a ideologia econômica de países que se dizem de direita, como o Brasil?
Não existe outra alternativa. Todo o pensamento de Keynes vem dessa questão de um vácuo de renda na sociedade. E foi ele que ensinou que, nesse momento de vácuo de renda, o único ente que pode equilibrar a economia e evitar um colapso é o governo. Ao analisar os pacotes fiscais, inclusive o daqui, vimos que, seja governo de esquerda ou de direita, injetar dinheiro na economia é a única saída.

“A melhor parte do governo é o Banco Central. Roberto Campos Neto (foto) foi craque em tudo que fez até agora” (Crédito:Edu Andrade)

O Brasil tomou a decisão correta?
Infelizmente, por culpa da demora do governo em reagir à pandemia, o Brasil será um dos últimos do mundo a sair da crise. Países como Alemanha e Inglaterra, que têm tradição bastante ortodoxa em termos fiscais, são os que foram mais longe na definição desse protocolo. Aliás, o Financial Times trouxe uma matéria dizendo que o primeiro ministro Boris Johnson admitiu que o homem que ele segue hoje é o Franklin Roosevelt. Isso mostra que, acuados diante de uma crise, os políticos acabam sendo menos ideológicos e mais pragmáticos. Tiveram de fazer sua conversão forçada.

A dose de injeção de recursos no Brasil é adequada?
É muito difícil dizer sobre acertos e erros. Todos os países reagiram no susto. Foi uma corrida. Mas aqui tem um problema adicional. A crise escancarou a desigualdade social e de renda no Brasil. Hoje 60% das pessoas estão sem dinheiro para viver o dia a dia. Os R$ 600 do auxílio emergencial, para muitos, é o único dinheiro disponível. Certamente esse dinheiro vai ser replicado por mais alguns meses.

Esse dinheiro é suficiente para manter a economia girando?
Não. O Brasil tem um problema mais sério, que é o sistema bancário concentrado. E os bancos, em qualquer que seja a situação, não assumem riscos. Não adianta o governo colocar dinheiro nos bancos. Eles não emprestam.

Isso ruim?
É ruim, em certos momentos. Porque se o sistema bancário não reciclar o dinheiro do Banco Central, o dinheiro fica parado. Então, o problema é que, nessas horas de crise desse tipo, tem que preencher o buraco negro de renda na economia. Os governos não agiram rápido na crise de 1929. Com as economias colapsadas, surgiram o fascismo e o nazismo. Nessa hora, os governos têm que correr atrás do protocolo que já mencionei.

É o que o Brasil está fazendo?
O ministro Paulo Guedes [Economia] também teve que se reinventar e cedeu. Está convencido que precisa colocar dinheiro em circulação. Mesmo assim, o Brasil vai demorar para sair da crise porque demorou a reagir quando a pandemia surgiu. Se olharmos para a China, os dados da indústria e do setor de serviço já mostram recuperação. Uma recuperação em V, com indicadores de produção até superiores aos de antes da pandemia.

O que está claro hoje é que a pandemia gerou um vácuo curto. Quando a gente olha para a velocidade do combate à crise, enxergamos por que os Estados Unidos também estão atrasados. É uma pena, porque é tempo perdido.

Se 2020 será um ano de forte queda do PIB, pode-se imaginar recuperação em 2021?
As projeções da OCDE já deram a curva de recuperação. Tanto que, pela primeira vez, eles fizeram projeções para dois anos. Há uma queda brutal, com o ano de 2020 perdido. Praticamente todo mundo vai terminar com PIB no fim de 2020 menor que no fim de 2019, com exceção da China. E mesmo a recuperação de 2021 vai fazer com que o PIB seja menor que o de 2019.

E o Brasil?
Aqui, se o governo não andar rápido com o combate à pandemia, o Bolsonaro vai para as eleições de 2022 com o PIB menor do que o de 2019. Ou seja, vai entregar o Brasil menor do que quando ele o pegou. Estamos muito atrasados com a recuperação por culpa dele também, não só por culpa da pandemia.

O papel do Banco Central, na sua avaliação, tem sido correto?
A melhor parte do governo é o Banco Central do Brasil. Até porque tem uma burocracia lá muito boa. O Roberto Campos Neto foi craque em tudo o que fez. Como a chave do sucesso está no fiscal e não no monetário, estamos aqui sofrendo muito.

Em quanto tempo, na sua avaliação, o País sairá dessa?
O PIB vai cair uns 6% neste ano e vai subir cerca de 3% no ano que vem. Só que quando cai seis e sobe três, quer dizer que o PIB anda muito para trás. Vamos ter um período muito difícil se o governo não agir mais rápido. A crise vai contaminar o mandato todo do Bolsonaro.

Quais são os setores da economia que vão sair mais rápido e quais devem demorar?
Primeiro, o setor agrícola ganhou. A desvalorização do câmbio foi de tal ordem que aumentou a rentabilidade do setor. Para se ter uma ideia, com essa taxa de câmbio, o custo de levar a soja do Mato Grosso para o Porto de Santos ficou mais baixo do que nos EUA. E o câmbio deu uma ajuda boa para o governo.

O ganho com as reservas é expressivo. O setor industrial exportador, aqueles que têm alguma inserção no mercado internacional, também ganham por causa do câmbio. Agora, a grande maioria vai perder por causa da queda da demanda, especialmente setores como o de hotel, restaurante e companhias de aviação. Haverá uma desconstrução criativa, como se fala.

“O setor exportador, os que têm alguma inserção no mercado internacional, estão ganhando por causa do câmbio agora” (Crédito:Rubens Chaves)

O que significa?
Numa crise dessa magnitude, normalmente quem sobrevive sai mais eficiente do que era antes. Isso vai acontecer. Haverá grandes transformações. E tem uma vantagem, o capital está sobrando no mundo todo. Com o juro zero, vai começar um grande volume de investimento em saneamento, fusões e aquisições, compra e venda de empresas. Mas para que isso comece, precisa voltar uma certa estabilidade. E isso só vai acontecer quando essa pandemia sumir do mapa com o surgimento da vacina. Nesse cenário é que virá a reconstrução criativa. Quem sobreviver, será mais eficiente. Com muito capital sobrando, a reconstrução criativa vai ser muito forte.

Existe, realmente, capital sobrando no mundo, mas esse dinheiro não está fechando na ponta.
Mas vai chegar. Não vai chegar via banco comercial. Vai chegar via grandes bancos de investimento. Vai ser tarde demais para alguns, mas, uma coisa que eu aprendi é que não se pode apostar contra a economia de mercado. Ela dá cada baita susto.

O americano, que nunca poupou, passou a poupar. O que era 3% do PIB, com a crise chegou a 35%. Imagine o volume de dinheiro. Essa é a grande força que eu vejo, mais para frente, em um processo de mudança na estrutura das economias de mercado e a nossa também. Agora, muita empresa vai se enfraquecer. Mas ela volta. O Brasil vai ter de se reinventar. As empresas vão ter de se reinventar. O Brasil tende a ser mais dinâmico, a indústria, mais moderna. Esse será o legado positivo dessa pandemia.

A concorrência, principalmente no setor bancário, vai aumentar?
Sem dúvida. Já está aumentando. Está muito divertida essa briga do Itaú com a XP. É uma briga de gente grande. Os grandes bancos que usaram seu poder de monopólio estão passando um calor danado. Essa briga é quase briga de marido e mulher porque os dois são sócios quase na mesma proporção. Com juro baixo e menor concentração, haverá um grande avanço da concorrência.