Historicamente, o fim do terceiro trimestre de cada ano é o momento em que empresários de todos os tamanhos param suas atividades e, com mais ou menos formalidade no processo, começam a projetar o ano seguinte. Nesse caso, não há uniformidade. Cada cabeça uma sentença, cada empresa uma estratégia. Porém, esse é um momento crucial na formação das expectativas. Assim como uma geada em tempos de floração é mortal para a safra, uma crise nesse período tende a fazer os tomadores de decisão penderem para o lado do conservadorismo e da cautela. É o que vem acontecendo — e esse movimento já foi captado pelo mercado financeiro, interlocutor privilegiado do Brasil produtivo. No início da semana, duas respeitadas instituições financeiras e uma das consultorias com mais conhecimento do setor produtivo testaram a temperatura da economia e encontraram um paciente gelado, quase morto. Não restou saída, e Itaú, XP e MB Associados cortaram ao menos um ponto porcentual na projeção do PIB para 2022. Segundo elas, a produção de riquezas do Brasil crescerá menos de 1% no próximo ano.

E esse prognóstico negativo reflete sintomas de um paciente já debilitado. O desemprego que não foi estancado; a inflação pressionada por quase 80% dos itens que a compõem; e uma perda consistente de renda dos brasileiros — em especial os mais pobres — formam um quadro clínico de reversão imediata quase impossível. E o contorno no médio prazo fica mais difícil sem a confiança do setor produtivo.

É aí que os problemas do ministro da Economia, Paulo Guedes, começam. Ao ser avalista do governo Bolsonaro, o ex-posto Ipiranga esqueceu que o mercado seria, por tabela, o avalista do ministro. Com gestores, investidores e instituições financeiras mostrando (e recomendado) cautela, o reflexo na economia real será a temida estagflação. Ou seja: aumento dos custos de produção sem crescimento da economia. Isso gera uma distorção que, se não controlada no médio prazo, desencadeia fantasmas antigos como a indexação.

De olho nessa potencial piora do paciente Brasil, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou na terça-feira (14) que não irá hesitar em elevar a taxa Selic “até onde precisar” para que haja “uma convergência da meta no horizonte relevante.” A taxa de inflação, estimada pelo mercado para 8%, está bem distante do centro do centro da meta para 2021, de 3,75%. Apesar do aviso de que pode elevar os juros, o homem com a caneta por trás da política monetária brasileira disse que não se deixa contaminar por indicadores circunstanciais em sua decisão. “Isso não significa que o BC vai reagir, ou alterar o plano de voo, a cada dado de alta frequência que sai”, afirmou Campos Neto.

INFLAÇÃO Aumento dos custos de produção faz com que os produtos nas gôndolas fiquem mais caros para os consumidores. (Crédito:Leandro Ferreira)

Na prática, o presidente do Banco Central está dizendo que não tem medo de aplicar o que entender como melhor remédio para conter a inflação que vem crescendo mais do que o esperado, ainda que isso represente implantar sem dó uma política monetarista restritiva em uma economia debilitada.

Com todo esse cenário convergindo contra o crescimento, tirando o sono dos empresários e corroendo a renda do brasileiro, o ministro da Economia voltou ao holofote dos que buscam soluções que não envolvam o golpismo desenhado por seu chefe. Em uma live com agentes do mercado financeiro, resolveu usar um pensamento sartriano e dizer que “o inferno são os outros”. Nesse caso, o mal que justificaria o dólar não estar em R$ 4,20 (mas em R$ 5,25 na quarta-feira, 15) era o barulho político. “Os atores cometem excessos, às vezes o presidente sai do cercado, às vezes um ministro do Supremo prende pessoas, toda hora tem um que pula fora da cerca e dá um passeio no lado selvagem”, disse. Segundo o ministro, mesmo o dólar em alta não preocupa. “Não tem problema. É mais tempo para as exportações.”

E AGORA, GUEDES? Essa resposta genérica, no entanto, não sossegou quem acompanha o desenrolar dos fatos em Brasília. Não há diálogo plausível possível com o presidente Jair Bolsonaro e o afastamento de Guedes da cúpula de decisões torna ainda menos relevantes os panos quentes que ele arrisca colocar. No evento da BTG Pactual em que falou com o mercado, Guedes tentou mostrar otimismo. Em especial com a solução para os precatórios que vencem em 2022, uma cifra de quase R$ 90 bilhões. O ministro disse que hoje, entre as possibilidades, não pode descartar nem a solução articulada entre o Supremo Tribunal Federal (STF) com o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para parcelamento da dívida, nem a Medida Provisória enviada pelo governo ao Congresso que cria um bolsão para jogar uma parte dos precatórios para o futuro. “Vamos trabalhar pela via do Judiciário, pela via do Legislativo, quem chegar primeiro ganha a taça de ‘estou ajudando o Brasil”, afirmou. Além disso, a prioridade zero de Guedes é o Auxílio Brasil. “O presidente falou em R$ 300. Dentro do teto e com responsabilidade fiscal”, disse. Faltou apenas o ministro explicar como irá conseguir um fôlego de cerca de R$ 30 bilhões no Orçamento para custear o programa enquanto as relações com o Judiciário e o Legislativo continuam abaladas.

BOLA DE NEVE E se o esfriamento das expectativas do PIB para o ano que vem preocupa o mercado, o olhar mais atento aos indicadores que compõem a atividade econômica brasileira é ainda pior. Segundo o relatório do Itaú, o ajuste para baixo (de 1,5% para 0,5%) na previsão de crescimento do PIB em 2022 se deu por um conjunto de fatores, entre eles a política fiscal mais contracionista na Selic. A inflação é outro grande ponto de atenção. Por continuar pressionada e com alta disseminada além da meta, o aumento no custo da produção se mostra um risco e seus efeitos afetam diretamente o PIB de 2022.

Por fim, o item mais controlável do governo (e talvez por isso o de maior risco) é a capacidade de Guedes manter a disciplina fiscal. “Seja pela renúncia de receitas prevista na proposta de mudança na tributação, seja pelas maiores dificuldades de conciliar o cumprimento do teto de gastos”, como detalhou o relatório do Itaú. A aceleração da inflação, o aumento inesperado do gasto com precatórios e as pressões para ampliar o Bolsa Família — ou Auxílio Brasil —, podem, segundo o banco, levar a “créditos extraordinários não sujeitos ao teto de gastos.” Com tanto em jogo, na hora de terceirizar a culpa Guedes deveria trocar a citação de Jean-Paul Sartre. Em vez de dizer que “o inferno são os outros”, afirmar que o homem deve pensar sempre “porque o dinheiro nunca tem ideias”, frase do francês citada em As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano.

UM PACOTÃO PARA LIMPAR A IMAGEM

Quem trabalha com gerenciamento de crise de imagem sabe bem. Depois que alguém errou feio, o melhor caminho é pedir desculpas, dar uma sumida e depois voltar com uma agenda positiva para reverter impressões ruins. E é esse o plano do presidente Jair Bolsonaro. Depois de um escarro golpista de 7 de setembro, e as desculpas à galope no dia 9, o presidente anda discreto (pelo menos para os padrões dele). Falas mais contidas, pedidos de calma aos apoiadores e até elogios à China foram ouvios até 14 de setembro. Um recorde. Feito isso, entra em cena a última parte do projeto “limpa imagem”, que deve começar a partir do dia 18, quando o governo irá a anunciar ao menos seis medidas econômicas para agradar a população e tentar conter a aprovação em queda livre do presidente candidato à reeleição.

O primeiro programa será o Habite Seguro, que oferece melhores condições de financiamento para policiais e bombeiros que querem comprar a casa própria. Na onda da moradia, a Caixa deverá anunciar redução no juro médio para financiamentos imobiliário e a liberação de aumento da parcela do FGTS que poderá ser direcionada na compra de um imóvel no programa habitacional Minha Casa Verde e Amarela. Aos informais e pequenos empresários, um microcrédito de R$ 3 mil deve ser anunciado por bancos públicos. Por fim, aos socialmente mais vulneráveis, será oficializado o Auxílio Brasil (em R$ 300) e um aumento de 15% no número de beneficiários do programa Tarifa Social de Energia, com descontos na conta de luz. A barba, cabelo e bigode do presidente podem até ficar limpos por um tempo, mas sabemos que o problema retorna quando ele recomeça a falar.