Os números do setor de fidelidade estão descolados da economia brasileira. Os principais programas do País, Multiplus, Smiles, TudoAzul, Dotz, Grupo LTM e Netpoints, registraram uma receita combinada de R$ 1,63 bilhão no primeiro trimestre, alta de 11,2%. O total de usuários chegou a 115,3 milhões de contas no mesmo período, crescimento de 18,9% em relação ao ano anterior. Uma mudança anunciada na semana passada, porém, pode atrapalhar esse bom momento. Com 20,1 milhões de participantes, a Multiplus vai deixar de existir como companhia independente.

Criada como programa de milhagens da TAM Linhas Aéreas, a empresa foi a primeira a mostrar o potencial do negócio, ao captar R$ 692 milhões em seu IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) em 2010. Na quarta-feira 5, a Latam Airlines, grupo resultante da fusão entre a TAM e a chilena LAN, anunciou que vai incorporar a Multiplus a seus outros programas. Como detém 72,7% do capital, a oferta de recompra das ações em circulação deve custar R$ 1,2 bilhão para a comanhia. “O programa será integrado aos outros da empresa, o Latam Pass e o Latam Fidelidade, para ficarem mais robustos e operarem de forma imperceptível entre todos os países”, afirmou Claudia Sender, ex-presidente da TAM e atual vice-presidente de clientes do grupo Latam Airlines, em conferência com os analistas.

O Latam Pass é totalmente controlado pelo grupo e detém 14,7 milhões de clientes. Ele é o principal programa de acúmulo de milhagem da maior parte dos países de língua hispânica em que a empresa opera. Assim como aconteceu com todos os símbolos que eram ligados à empresa brasileira, a marca Multiplus poderá ser apagada. E, apesar de ter 5,4 milhões de clientes a menos, o programa chileno deve se tornar a marca dominante no relacionamento com os passageiros. “A existência de três programas afeta a capacidade capturar margens de rentabilidade”, disse Ramiro Alfonsín vice-presidente de finanças do grupo. “Devemos eliminar no futuro a diferença de margens entre as operações.”

Claudia Sender, vice-presidente da Latam, e Roberto Medeiros, CEO da Multiplus: com a decisão, a relação de parceria mudará para uma integração completa da Multiplus (Crédito:Rafael Arbex/ESTADãO | Anna Carolina Negri/Valor/Ag. O Globo)

DINHEIRO apurou que a Multiplus foi pega de surpresa. Na terça-feira 4, a Latam notificou o conselho de administração da empresa sobre a decisão de que não renovaria o contrato de operação entre as duas empresas, que venceria em dezembro de 2024. Pessoas próximas à gestão da companhia disseram que o presidente Roberto Medeiros estava cético com a informação, mas que aguardaria a aprovação da operação pela Comissão de Valores Mobiliários e ajudaria na transição. Nos últimos meses, ele foi enfático ao afastar os rumores de que a Latam não renovaria seu contrato com a Multiplus – a troca de pontos por passagens aéreas respondiam por 90% da receita da empresa de fidelidade. A desconfiança surgiu depois que a Air Canada informou que não renovaria seu contrato com a parceira Aimia.

Em comunicado ao mercado, a Latam informou que a Multiplus não justificava a sua existência como empresa aberta por conta de seus resultados ruins. No balanço do segundo trimestre, o lucro líquido da companhia caiu 41,4% em relação ao mesmo período de 2017, para R$ 73,8 milhões, e a receita líquida baixou 37,2%, para R$ 123,3 milhões. Antes do anúncio, as ações acumulavam uma queda de 26% do ano (confira o gráfico ao lado). A Latam argumentou, também, que o aumento da competição diminuiu a participação da Multiplus, que detinha 70% do mercado em 2013 e no ano passado, para 50%.

A entrada de novos competidores, como a Livelo, do Banco do Brasil e do Bradesco, também pressionou a operação. “Não existe mercado hoje em dia que não seja competitivo, e às vezes, com a internet, é difícil até saber quem são os competidores”, diz Roberto Chade, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf) e um dos fundadores da Dotz. “Mas o mercado ainda é novo e tem uma penetração baixa. Os consumidores estão aprendendo a usar os benefícios e muitas empresas querem aproveitar essa oportunidade.” Ao fim do processo, a Latam vai se juntar às rivais Azul, dona do programa Tudo Azul, e Avianca, do Amigo, como companhia aéreas detendo o controle interno de seu programa de fidelidade. Apenas o Smiles, que foi adquirido pela Gol com a compra da Varig, permanece com uma operação independente com as ações listadas na B3.