A cometido por uma infecção urinária, o presidente Michel Temer foi aconselhado pelos médicos a cancelar uma viagem ao litoral fluminense no Réveillon, a suspender uma visita a países asiáticos e a reduzir o ritmo de trabalho em Brasília. Num esforço para demonstrar uma aparência saudável, Temer passou a caminhar pelas manhãs na área aberta do Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência, onde decidiu permanecer mesmo após o impeachment. A atividade física foi registrada pelas câmeras logo no primeiro dia útil do ano, na terça-feira 2. Naquele dia, o presidente estava programado para seguir ao Palácio do Planalto, mas desistiu. Optou por despachar do próprio Jaburu. E por mais que quisesse desacelerar, não conseguiria. Seguiam em pleno vapor as negociações para a indicação de um substituto para o ministério do Trabalho. No dia seguinte, outra surpresa atrapalharia qualquer tentativa de repouso: a carta de renúncia de Marcos Pereira, titular da pasta do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, confirmaria a terceira baixa na Esplanada em menos de um mês.

No texto ao presidente, Pereira, que é presidente do PRB, atribuiu a saída a questões “pessoais e partidárias”, uma forma sutil de sinalizar a intenção de disputar as eleições neste ano. Pelo prazo original para desincompatibilização de cargos públicos por candidatos, o parlamentar poderia permanecer como ministro até março, mas a decisão foi a de adiantar o movimento. A renúncia seguiu a saída do então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB-RS), que já indicara, uma semana antes, as suas pretensões eleitorais. E não parou por aí. Ricardo Barros (PP-PR), atual ministro da Saúde, também comunicou que sairá, porém, sem especificar uma data. Embora esperado para ocorrer atee abril deste ano eleitoral, o movimento de debandada acabou sendo antecipado, forçando o presidente a articular uma reforma ministerial capaz de recompor a sua base aliada.

Não se trata de uma equação simples considerando a corrida eleitoral e os baixos níveis de popularidade do presidente. A indicação do substituto do Trabalho, por exemplo, gerou ruído na base e expôs a ingerência do ex-presidente José Sarney no governo. A filha do ex-deputado Roberto Jefferson, Cristiane Brasil (PTB-RJ), foi confirmada na pasta na quinta-feira 4. Nesse cenário, a simples manutenção da base atual de apoio do governo já é vista como uma vitória por analistas. “Embora seja cedo, os políticos estão se antecipando, porque não veem futuro ali, o governo é muito impopular”, afirma o professor do departamento de Ciência Politica da USP, Glauco Peres da Silva. “O Temer gastou muito capital político nas defesas de suas denúncias e agora está no fio da navalha, não tem muito mais a oferecer.”

A composição da base é importante porque está relacionada às negociações do governo para fazer avançar a pauta legislativa, em especial a reforma da Previdência. A janela é curta para a votação do texto. Quanto mais perto do pleito eleitoral, menor a chance de aprovação. O governo calcula que ainda faltam 50 votos dos 308 necessários para garantir a vitória do projeto na Câmara, que precisa ser apreciado em duas votações. Em reunião no Palácio do Alvorada, na quarta-feira 3, Temer pediu a aliados que “não deixem o tema morrer.” As negociações em torno da revisão das aposentadorias são observadas de perto pelos analistas. A reforma é vista como o principal antídoto contra a crise fiscal e, embora o mercado esteja cético, ainda há esperanças. “Apesar de ter passado o momento de dezembro, acabou-se tirando um pouco de pressão do governo”, afirma o economista-chefe da gestora Infinity, Jason Vieira. “Olho com um pouco mais de possibilidade de aprovação.” A coalização governamental também é importante para outras propostas, como a privatização da Eletrobras, que deve enfrentar resistências.

IBOVESPA RECORDE Se as movimentações de Brasília sugerem que o calendário eleitoral já entrou em campo, também o mercado começa a ser influenciado por fatores políticos mais cedo. Num cenário de otimismo do exterior e fundamentação macroeconômica positiva no Brasil, o Ibovespa, principal índice de ações brasileiro, embalou uma sequência de altas e vem renovando recordes. Na quinta-feira 4, fechou em alta pelo nono pregão seguido, acima dos 78 mil pontos. A onda positiva é reforçada pela expectativa em relação ao julgamento do ex-presidente Lula, marcado para o dia 24. Condenado a nove anos e meio pela Lava Jato, Lula recorreu à segunda instância da Justiça, o Tribunal Federal da Quarta Região, em Porto Alegre, que decidirá se confirma a pena ou não. “O rali de Natal na Bolsa não veio com a intensidade que se esperava”, afirma Pedro Galdi, analista da Upside Investor. “Agora, o pessoal está olhando Lula e a Previdência. Enquanto o humor estiver bom, vai ser recorde atrás de recorde.”

Na prática, significa que o ingrediente político começa desde janeiro a gerar muita volatilidade nos ativos financeiros. Lula lidera as pesquisas de intenção de voto em 2018. “O mercado vai fazer conta, se ele está forte ou fraco. Aí vai ter o sobe-e-desce do Lula, o da Previdência e o da corrida eleitoral”, afirma Galdi. Muitos empresários, investidores e analistas passaram a ter uma aversão ao pré-candidato Lula porque enxergam nele uma hipótese de rompimento com a pauta de reformas necessárias para o País, bem como a volta de políticas econômicas populistas, descoladas do compromisso fiscal. As apostas no mercado são de que a condenação poderia inviabilizá-lo. Mesmo se confirmada a sentença desfavorável ao ex-presidente, o imbróglio jurídico pode se arrastar, com recursos da defesa, por exemplo. Ainda assim, alguns investidores se lançam ao risco e tentam se antecipar a uma possível euforia diante de uma condenação. “Muita gente está apostando que Lula não poderá ser candidato”, afirma Ari Santos, gerente da corretora H.Commcor. “Isso pode fazer os mercados mais atrativos.” Santos, porém, reforça que esse ainda é apenas um fator a mais a se somar na conjuntura econômica favorável no Brasil e no mundo. A economia brasileira voltou a crescer, com altas expressivas nas exportações. Na sexta-feira 5, a Anfavea, entidade das montadoras, divulgou um crescimento de 25,2% na produção de veículos em 2017.

Nos cálculos da corretora Socopa, o Ibovespa pode alcançar 85 mil pontos neste ano. O que poderia frear já de antemão a perspectiva desse patamar são a indefinição sobre a reforma da Previdência e o julgamento de Lula. “Pela ordem de importância, a questão da Previdência e o julgamento do Lula são o que pode comprometer esses 85 mil pontos”, afirma Nikolas Takil, analista da corretora Socopa. Se o petista ganhar tempo para continuar na corrida eleitoral, o impacto nos mercados de risco será negativo. Na avaliação de Takil, a influência do julgamento poderá ser vista com mais clareza próximo do dia 24. O risco maior é que essas influências possam contagiar as expectativas e minar a perspectiva de crescimento do PIB neste ano, de 2,7%, segundo as projeções médias dos bancos.

Na outra ponta, há quem sugira a possibilidade de um viés de alta nas perspectivas de crescimento caso essas as incertezas sejam superadas. Para a Tendências Consultoria, por exemplo, o patamar poderia ser superior à previsão atual, de alta de 2,8% do PIB em 2018, que inclui a aprovação da reforma da Previdência. Não se trata, porém, de algo simples de se concretizar quando consideradas todas as variáveis. “O processo eleitoral deve ser sujeito a muito risco, mesmo num cenário de condenação do Lula”, afirma o cientista político da Tendências, Rafael Cortez. O ano será cheio de emoções e exigirá muito fôlego de todos os jogadores.