O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a condenação por abuso de autoridade de dois policiais civis que dispararam tiros contra a residência de uma família da Grande Florianópolis, deram chutes, socos, cotoveladas e tapas nas vítimas e ainda atiraram no pé de uma delas. Segundo os autos, as ações ocorreram após os policiais serem repreendidos pelos integrantes da família pelo fato de um dos agentes públicos ter urinado no portão da casa das vítimas.

A pena imposta aos policiais não foi alterada. Eles terão de cumprir quatro anos e 10 meses de reclusão e seis meses e 15 dias de detenção, em regime inicial semiaberto.

Todos os réus também foram condenados à perda de seus cargos públicos.

Segundo os autos, o crime ocorreu no dia 5 de novembro de 2016, às 20h42min, na marginal da BR-101, em Biguaçu, a 22 km de Florianópolis.

Os policiais teriam estacionado a viatura em frente a um estabelecimento comercial onde também fica a residência da família vítima do grupo.

Os dois agentes teriam saído do carro e depois um deles começou a urinar no portão da propriedade, na frente dos donos do local, que os repreenderam.

O fato gerou uma discussão. Depois, segundo o processo, um dos policiais atirou no portão do comércio. O dono do estabelecimento, então, correu para tentar se esconder no interior do escritório, onde estava o restante de sua família.

Em seguida, o agente que disparou contra o local pulou o portão e fez mais dois disparos em direção ao escritório.

O segundo policial também invadiu a residência, arrombou a porta e atirou.

O processo diz que eles se identificaram como policiais e agrediram a família com chutes, socos, cotoveladas, coronhadas e tapas. Uma vítima foi alvejada com um tiro no pé.

Os policiais teriam ainda afirmado às vítimas que ‘iriam matar toda a família e ligar para uma terceira pessoa para que trouxesse armas de fogo, a fim de montar uma cena de crime no local e incriminar a família’.

O que alegou a defesa

Após a condenação em primeira instância, os policiais recorreram ao Tribunal de Justiça fazendo uma série de alegações: ilegalidade da prisão, inépcia da denúncia, suspeição do promotor de Justiça do caso, nulidade de interrogatório, falsidade documental.

Trecho dos argumentos da defesa destacado no acórdão pede a nulidade de procedimentos, ‘utilizados como prova para incriminar cidadãos de bem, marginalizar pais de família, servidores exemplares’.

Decisão

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Alexandre d’Ivanenko, considerou que ‘toda ação praticada pelos acusados foi ilícita’. “Sequer poderiam os apelantes terem violado o domicílio das vítimas, muito menos terem praticado toda a barbárie já relatada e comprovada por declarações, perícias e vídeos”, escreveu o desembargador em seu voto.

O magistrado destacou decisão de primeira instância que considerou que as vítimas sofreram ‘violência covarde’ e foram constrangidas a sofrer diversas humilhações sem reagir pelo fato de os condenados se apresentarem como policiais.

Segundo o desembargador, os agentes agiram de maneira ‘deseducada e reprovável’ ao urinar bem em frente ao portão das vítimas e ‘decidiram partir para a briga, nem que para tanto tivessem que invadir a propriedade alheia’.

“A dinâmica dos fatos, tais como apurados, revela que os réus agiram de maneira deseducada e reprovável ao urinar bem em frente ao portão das vítimas, foram repreendidos, muito provavelmente com injúrias, e decidiram partir para a briga, nem que para tanto tivessem que invadir a propriedade alheia. Deixaram claro que a condição de policiais lhes conferia uma certa onipotência e, também, a certeza da impunidade, o que, diga-se, seria praticamente certa se os fatos não tivessem sido filmados é o que ensina a lida forense”, ponderou Alexandre d’Ivanenko.

Sobre o crime de abuso de autoridade o magistrado sinalizou que não seria possível aplicar ao caso as previsões da lei que entrou em vigor nesta sexta, 3.

“Considerando o aumento de pena introduzido pela novel legislação, a hipótese tratada nestes autos deve ser regida pela antiga lei vigente ao tempo dos fatos mais benéfica”, escreveu o desembargador.

Nesta parte da sentença, o magistrado avalia um dos argumentos da defesa, de que os policiais entraram na casa da família porque uma das vítimas teria feito disparos dentro do imóvel.

Alexandre d’Ivanenko registrou que as provas apontavam ‘justamente o contrário’ e que, admitindo tal hipótese, ‘não parecia crível’ que os policiais ‘resolvessem enfrentar, sem proteção alguma, possível criminoso armado’.

“E mais: pularam o portão bem no campo de visão do suposto atirador, caminharam normalmente até a porta do imóvel, sem se preocupar com possíveis disparos em suas direções, inclusive o réu Fábio caminhava e fumava um cigarro tranquilamente, mantendo a todo momento sua pistola apontada para o chão. Nem o policial mais bem treinado e corajoso agiria de tal modo, enfatize-se”, anotou o desembargador em seu voto.