A Polícia Civil de Santa Catarina indiciou 14 pessoas por homicídio culposo pela morte de uma criança de 1 ano que, em junho, teve o atendimento médico negado por falta de combustível na ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

Heloísa Lisboa esperou mais de 15 horas para ser transferida de Mafra, onde deu entrada no pronto atendimento com pneumonia, para a UTI de Joinville, a 135 quilômetros de distância.

O inquérito corre em segredo de Justiça e, por isso, os nomes dos indiciados não foram revelados. Fontes ligadas à polícia afirmam que a grande maioria seria da área da saúde. O caso seguirá agora para o Ministério Público, que decidirá se oferece ou não de denúncia à Justiça.

No inquérito conduzido pelo delegado Nelson Vidal foram ouvidas pelo menos 40 pessoas, entre médicos, enfermeiros, técnicos e familiares da menina. Também estão anexados ao documento de 1.500 páginas transcrições telefônicas da central de atendimento e laudos periciais.

O relatório assinado pela Secretaria Municipal de Mafra e por médicos e enfermeiros do Hospital São Vicente de Paulo confirmam o relato dos pais, que chegaram a oferecer dinheiro para colocar combustível no veículo, mas a oferta foi negada diante da informação de que os veículos deveriam ser abastecidos por cartão corporativo.

As suspeitas são de que a negativa tenha ocorrido como forma de pressionar a liberação de recursos por parte do Estado.

Para o Ministério Público, as informações iniciais dão conta de supostos atos de improbidade administrativa decorrentes, ao que tudo indica, de má administração e de falhas de planejamento e de execução do Samu.

O caso

Heloísa foi internada no Hospital São Vicente de Paulo, de Mafra, no dia 7 de junho. Seu quadro clínico se agravou no dia seguinte, quando o médico pediu a transferência para o Hospital Infantil de Joinville, onde ela deveria ser internada na UTI.

Na hora de fazer o transporte, no entanto, a ambulância do Samu do município estava sem combustível. Familiares tentaram acionar uma ambulância da cidade vizinha, Rio Negrinho mas, por falta de médico no plantão, o transporte não pôde ser feito. Também tentaram um helicóptero da PM, que não podia voar devido ao mau tempo.

Depois de 15 horas de espera, uma ambulância de Canoinhas, outra cidade da região, acabou levando Heloísa para Joinville. Na UTI, com o quadro ainda mais grave, a menina sobreviveu por mais 12 horas e morreu.

Terceirização

A gestão do Samu foi terceirizada pelo Governo do Estado de Sanata Catarina em 2012, com a gestão repassada à Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Na ocasião, o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) ingressou com ação civil pública, alegando, entre outras irregularidades, a incapacidade técnica e financeira da gestora. A ação, no entanto, foi julgada improcedente e atualmente está em grau de recurso.

Em nota, a SPDM afirma que não foi notificada sobre a conclusão do inquérito. Sobre a morte da criança, a entidade diz que “não há relação com a questão do combustível, mas sim sobre a evolução do seu quadro clínico”. O texto afirma que Heloísa “se encontrava devidamente assistida em uma unidade hospitalar – referência em pediatria.”

Já na época o Ministério Público sustentava que o Samu deve ser capaz de atender, dentro da região de abrangência, todo o enfermo, ferido ou parturiente em situação de urgência ou emergência, e transportá-los com segurança e acompanhamento de profissionais de saúde até o nível hospitalar adequado do sistema.