Quem acha que roubalheira em banco estatal é coisa de terceiro mundo não conhece a França. Lá o Crédit Lyonnais, uma instituição centenária, foi privatizado no ano passado, mas os escândalos administrativos ? que deram origem a mais de 100 processos ? seguem assombrando o país. A última novidade foi o diretor do banco central francês, Jean Claude Trichet, admitir que estava sendo investigado num processo de corrupção, que corre em sigilo, por conta de seus despachos com o Crédit quando ocupava o cargo de secretário do Tesouro. No processo, estaria em companhia do ex-ministro das Finanças, Pierre Beregovoy, se este não houvesse escolhido uma maneira drástica de livrar-se das suspeitas, em 1997 ? dando um tiro na cabeça.

O principal acusado no escândalo é Jean-Yves Haberer, presidente do banco de 1988 a 1993, homem de confiança de François Mitterrand. Em sua gestão, Haberer, apelidado de ?le mégalo? (?o megalomaníaco?), resolveu que o estatal francês se tornaria o maior banco do mundo, ultrapassando seu rival histórico, o Deutsche Bank. Conseguiu apenas afundar como o Titanic, vazando dinheiro por todos os lados. O Crédit tem hoje a metade de seu patrimônio nos tempos áureos e perdeu mais de US$ 20 bilhões entre maus investimentos e corrupção pura e simples. A parte ?limpa? do banco foi privatizada no ano passado, e apresentou lucro recorde no primeiro trimestre. Mas seus fantasmas permanecem.

Numa prova de poder da máfia bancária, o prédio central do Crédit, em Paris, pegou fogo misteriosamente no início das investigações, num incêndio criminoso. O edifício histórico, projetado por Gustave Eiffel, virou cinza junto com milhões de documentos. Isso não impediu, no entanto, a descoberta de vários escândalos. Um deles envolveu a compra da seguradora californiana Executive Life. Nos Estados Unidos era proibido por lei que um banco comprasse uma companhia de seguros. Mas o Crédit fez a operação, usando uma empresa francesa como laranja e falsificando documentos. Sete subsidiárias do Crédit são investigadas por bandalheiras diversas e, no mês passado, os diretores de uma delas, a Saga, foram condenados a quatro anos de prisão. Eles faziam o velho jogo de comprar ações micadas e revendê-las a um preço muito maior do que valiam para o próprio banco estatal. Pelo menos um escândalo virou folclore ? o empréstimo concedido aos italianos Giancarlo Parretti e Florio Fiorini, que tomaram US$ 2 bilhões para comprar nada menos que os estúdios da Metro-Goldwyn Mayer. A justiça americana diz que, com a fama de picaretas que eles tinham no mercado, só conseguiram o dinheiro porque falsificaram vários documentos e repartiram parte do butim com executivos do próprio banco. O processo já rendeu uma multa de US$ 4 milhões, mas pode engordar em US$ 14 milhões até o final do processo.