“A ganância é boa.” Com essa afirmação, Gordon Gekko  tornou-se a maior estrela do mercado americano de ações. Para quem não se lembra, Gekko foi criado pelo diretor Oliver Stone para um de seus sucessos no cinema, Wall Street — Poder e Cobiça, de 1987 (rendeu, nos EUA, mais de US$ 43 milhões, quase três vezes mais do que custou). Vivido por Michael Douglas (que ganhou seu único Oscar de melhor ator pelo papel), Gekko personificava a ganância do mercado que especula, corrompe, constrói e corrói impérios de dinheiro. Após mais de 20 anos recluso, desde a sexta-feira 24, a famosa raposa está de volta aos cinemas em Wall Street – o dinheiro nunca dorme.

 

Para analisar se ele ainda continua em forma, DINHEIRO convidou Antonio Milano, diretor-geral da Fator Corretora (SP), para assistir ao filme e analisar as semelhanças e discrepâncias da ficção de Stone com o mundo real. No novo longa, Gekko, após oito anos na cadeia – ele é julgado e preso por fraude financeira, lavagem de dinheiro e extorsão, no primeiro filme –, retorna ao mundo dos vivos e espertos mais ferino e com um plano bem arquitetado para retomar sua fortuna de US$ 100 milhões e voltar a ser o velho lobo do mercado. 

 

Nesse caminho cheio de pedras e sacos de dinheiro, o boato é um recorrente coadjuvante, levando bancos e investidores a acumularem prejuízos de milhões de dólares. Esse tipo de recurso, segundo Milano, raramente acontece no mundo de hoje. “O avanço tecnológico possibilitou maior acesso às informações específicas e é difícil um rumor pegar totalmente de surpresa o mercado. 

 

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Ficção x realidade: Antonio Milano, diretor da Fator Corretora, viu mais 
semelhanças do que discrepâncias entre o filme Wall Stret e a vida real do mercado

 

Antes isso acontecia com mais frequê-ncia porque a informação ficava concentrada na mão de poucos. Tínhamos até a famosa ‘quinta do boato’ (em referência ao dia da semana que esses rumores apareciam e causavam rebuliço no mercado). Mas, agora, quando um rumor aparece, ele logo é investigado e se chega às suas reais intenções”, garante Milano. 

 

Wall Street – o dinheiro nunca dorme é um decalque quase fiel da derrocada dos bancos, no início da crise econômica em 2008. E Stone usa esse cenário perfeito para dar estocadas no mercado financeiro. A que chama mais atenção é a atuação do investidor Bretton James, personagem do ator Josh Brolin. 

 

Ele personifica a prática do mercado de elevar, aos grandes escalões, raposas que continuam agindo e mantendo o terreno fértil para os escândalos financeiros. “Não se pode achar que o mundo financeiro é um convento. Mas, assim como acontece no filme, quando se praticam atos ilícitos, eles são logo descobertos e as pessoas que os cometeram são realmente punidas. O mercado atualmente convive com medidas de regulação muito mais rígidas”, enfatiza o diretor da Fator.

 

Outra situação fiel ao que acontece nos pregões e salas de reuniões das corretoras é o namoro do mercado com as empresas que produzem energia limpa – motivo de um dos grandes embates do longa. “Isso é real, ainda que timidamente, e vai se tornar uma das vedetes do mercado.”  

 

A especulação, essa grande cúmplice do mundo financeiro, também não poderia estar fora de Wall Street e ganha destaque numa frase que Gekko solta seu novo pupilo: “Ela é o maior câncer das economias.”  Mas será que, aos olhos de investidores e bancos, realmente é um mal a ser extirpado? “A especulação faz parte do negócio e não é, necessariamente, uma coisa ruim. O especulador estreita o preço entre o comprador e o vendedor. Um quer comprar por dez e o outro quer vender por 11, quem vai fazer o preço chegar em dez ou em 11 é o especulador”, justifica Milano. 

 

Para o diretor da Fator Corretora,  uma das passagens mais interessantes do filme é quando Gekko faz um alerta a estudantes e pessoas do mercado financeiro em uma palestra. Ele profetiza que os futuros profissionais americanos formarão a futura geração dos SEM: sem-casa própria, sem-posses, sem-dinheiro, sem-emprego. “Os Estados Unidos estão deixando de ser a grande economia mundial. O dólar não é mais a moeda forte do mundo”, analisa. E qual moeda poderia substituir o dólar? O real?” 

 

Sim. Se o Brasil fizer a coisa certa e aproveitar o momento. O País tem potencial para ser o grande fornecedor de matéria-prima dos maiores mercados manufatureiros”, acredita Milano, que vê mais semelhanças do que discrepâncias entre o filme e a realidade do mercado. 

 

“A maioria dos acontecimentos do filme realmente esta presente no mundo real. Como, por exemplo, a reação típica dos investidores experientes, que saem comprando tudo diante de uma grande queda no valor das ações. É isso que ocorre, uma vez que o princípio do negócio é comprar barato e vender caro”, comenta. 

 

Para ele, de muito ficcional existe somente uma passagem: “Diferentemente do filme, não se perde tempo com vinganças pessoais. Gasta-se tempo ganhando mais e mais dinheiro para os clientes e as instituições. Se a vingança vier embutida, tanto melhor”, diz o executivo, que gostou e indica o filme de Stone como uma boa opção de entretenimento. 

 

Mostrar que a ganância é a grande vilã da humanidade não é o único objetivo do filme de Stone. Uma história de amor e um drama familiar também alinhavam a história. Depois de sair da cadeia, Gekko ganha a vida dando palestras sobre seu livro, A ganância é boa? .  É num desses eventos que ele conhece Jacob Moore (Shia LaBeouf), noivo de sua filha, Winnie (Carrey Mulligan), e jovem corretor e pupilo de Louis Zabel (Frank Langella), dono de um banco de investimentos. Os dois começam uma relação de cumplicidade e troca.

 

Moore tenta extrair do experiente especulador informações preciosas sobre as novas raposas do mercado, que estão prestes a destruir seu mentor. Já Gekko enreda o jovem corretor num plano que vai além da reconquista do amor da filha. O curioso é que Stone, que andou flertando com o pretenso socialismo latino-americano em seu documentário Ao sul da fronteira (2009), poderia imprimir uma leitura moralista de todo esse universo. Mas não o faz. Ao contrário. Autoriza Gekko a usar o tal subterfúgio para concretizar seu plano e voltar a Wall Street. 

 

Assim, corrobora com uma afirmação e um clichê do mundo financeiro (e que, convenientemente, caiu no pejorativo): dinheiro leva à felicidade. Quem não gosta dele? A quem é permitido obtê-lo é que são os 500.  Mas, afinal, a ganância é boa ou ruim? “Até salada em excesso faz mal à saúde. A ganância desmedida é ruim. Porém, bem administrada é bem-vinda. Os gananciosos têm mais aspirações e isso é produtivo”, conclui Milano.

 

 

Wall Street – o dinheiro nunca dorme (2010)

 

Elenco: Michael Douglas (Gordon Gekko), Shia LaBeouf (Jacob Moore), Carrey Mulligan (Winnie Gekko) e Josh Brolin (Bretton James)

 

Temática: após sair da cadeia, onde cumpriu oito anos por fraudes no sistema financeiro, Gordon Gekko contará com a ajuda de um jovem corretor, noivo de sua filha, para voltar a agir em Wall Street

 

O que acontece nos EUA e no mundo: o mundo é chacoalhado pela crise econômica de 2008, que quebrou bancos e exigiu dos governos o socorro financeiro a instituições para a economia mundial não entrar em colapso. Na origem das turbulências está a bolha do mercado imobiliário. Os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) viram vedete nesse cenário de caos econômico. Barack Obama é eleito o primeiro presidente negro dos EUA

 

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Wall Street – poder e cobiça (1987)

 

Elenco: Michael Douglas (Gordon Gekko), Charlie Sheen (Bud Fox), Darryl Hannah (Darien Taylor) e Martin Sheen (Carl Fox)

 

Temática: em Wall Street, um ambicioso e jovem corretor, Fox, deseja se unir à grande estrela do mercado, Gordon Gekko, para ascender mais rapidamente no competitivo mercado financeiro. Para atingir seu objetivo, fará tudo, inclusive negociar a partir de informações privilegiadas

 

O que acontecia nos EUA e no  mundo: Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Thatcher, no Reino Unido, eram os mais influentes governantes do mundo. Os yuppies – “young urban professional”, jovens profissionais, geralmente do mercado financeiro, que perseguem a ascensão social e econômica –, fenômeno produzido por Wall Street, davam as caras no mundo. Era o início da bolha do mercado financeiro, a das ações 

 

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Como Hollywood vê o mercado

 

Além de Wall Street – poder e cobiça e Wall Street – o dinheiro nunca morre, o cinema americano levou o mundo dos corretores, das bolsas de valores e dos grandes investidores às telonas em várias oportunidades. Confira abaixo outros títulos significativos sobre o assunto

 

À procura da felicidade (2007)

 

Com Will Smith, Jaden Smith e Tandie Newton. A história real de Chris Gardner, um homeless que se tornou um dos maiores investidores dos EUA e construiu uma fortuna de cerca de US$ 600 milhões no mercado de ações

 

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O primeiro milhão (2000)

 

Com Ben Affleck, Giovanni Ribisi, Vin Diesel. Jovem quer provar ao pai, um juiz, que é capaz de fazer seu primeiro milhão de dólares. Para isso, se emprega em uma corretora de valores, que acaba sofrendo uma investigação federal

 

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Rogue Trader (1999)

 

Com Ewan McGregor e Anna Friel. A ascensão e queda de um ambicioso caixa de banco, que se transforma num agressivo corretor e faz fortuna no mercado asiático de ações, através de operações ilegais

 

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O sócio (1996)

 

Com Whoppie Goldberg, Dianne Wiest, Donald Trump. Uma mulher, especialista no mercado de ações, precisa se esconder atrás de um falso sócio para conquistar a credibilidade dos gigantes de Wall Street 

 

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A felicidade não se compra (1946)

 

Com James Stewart, Donna Reed, Henry Travers. Homem altruísta, forçado a assumir o banco da família contra sua vontade, tenta o suicídio após negócio fracassado

 

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