O cientista político Alberto Carlos Almeida é conhecido por ter desenvolvido uma metodologia própria de análise de dados quantitativos e qualitativos para prever as tendências nas eleições. Seu estudo dos últimos pleitos presidenciais resultou em um mapa do Brasil dividido em duas cores: a parte superior, predominantemente vermelha, representa a preferência pelo PT, enquanto que a inferior, na cor azul, mostra o predomínio dos votos no PSDB. Apesar de as pesquisas neste ano apontarem um início diferente, Almeida acredita que, no fim, o segundo turno pode ser entre os partidos que dominam a cena eleitoral.

“O Fernando Haddad está assegurado no segundo turno, só falta o tempo passar para isso ficar claro”, diz ele, que destaca a fidelidade à sigla como fundamental para a transferência de votos de Lula. “O desafio do Geraldo Alckmin é mais difícil que o do PT, porque ele tem de pegar votos que não são dele e estão com Jair Bolsonaro.” Autor dos livros A cabeça do brasileiro (2007) e O voto do brasileiro (2018), o cientista político ainda acredita na força da TV para conquistar o eleitor e não prevê a vitória de novos políticos, pois a aprovação do fundo eleitoral e o fim do financiamento das empresas privilegiou aqueles que já fazem parte do sistema. E ele diz que a Lava Jato corre riscos, dependendo de quem assumir a Presidência.

DINHEIRO – Essa será a oitava eleição desde a redemocratização. A cabeça do eleitor brasileiro mudou?

ALBERTO CARLOS ALMEIDA – A cabeça vem mudando, sim, porque vai aumentando a escolaridade, mesmo que lentamente. Mas uma coisa é como o brasileiro pensa, que é diferente da lógica do voto. Essa segue alguns padrões. Uma das dificuldades de Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, diz respeito a algo totalmente prosaico, que é a avaliação dele ao sair do governo de São Paulo. Em todas as pesquisas, na soma de ótimo e bom, ele tem 36%. Essa não é uma avaliação ruim, mas também não é boa. Parte da dificuldade de ele crescer nas pesquisas vem disso. Se tivesse saído com 45%, 50%, ele estaria, provavelmente, em uma situação bem melhor. Soma-se a isso, indiretamente, a saída de João Doria da prefeitura de São Paulo, que foi mal avaliada pelos eleitores. Isso faz diferença para o partido.

DINHEIRO – E em relação ao voto?

ALMEIDA – Existe um mapa já configurado em vermelho e azul. Há um contraste muito forte do Nordeste com São Paulo. As pesquisas mostram que a soma de intenção de votos de todos os outros candidatos é bem maior que o Lula em São Paulo. Já no Nordeste, é o inverso. Só não sabemos se a coloração azul, neste ano, será ocupada pelo PSDB ou pelo Jair Bolsonaro (PSL). O vermelho vai ser pelo PT e será muito surpreendente se não ocorrer assim.

DINHEIRO – Se a coloração do mapa eleitoral do Brasil mostra, nas últimas eleições para presidente, o Norte e o Nordeste vermelho e de São Paulo para baixo, com uma parte do Centro-Oeste, em azul, esta eleição não seria uma disputa de Fernando Haddad (PT, candidato a vice-presidente e provável substituto de Lula, que está preso e é inelegível) e Ciro Gomes (PDT) de um lado e Bolsonaro e Alckmin de outro?

ALMEIDA – Creio que o Haddad não disputa com o Ciro, porque os votos do Haddad já estão depositados no Lula e não no Ciro. O desafio do PT é pegar os votos que já são dele, só que em um candidato que é carismático, e passar para outro candidato. O que já aconteceu com a Dilma, por exemplo. Na semana passada, uma pesquisa no Maranhão, feita por um instituto local, mostra que o Lula teria 67% dos votos e o Haddad, 47%. Em uma eleição presidencial, restrita ao Maranhão, o Haddad ganharia no primeiro turno. Mas isso tende a acontecer em todos os estados nordestinos. No País, o Datafolha colocou que 24% declaram preferência pelo PT. Então, são muitos indicadores favoráveis ao partido. Ele está assegurado no segundo turno, só falta o tempo passar para isso ficar claro.

DINHEIRO – Esta será uma eleição diferente, em comparação as outras?

ALMEIDA – Ela é diferente porque não tem a configuração PT x PSDB desde o seu início, como as anteriores. Ainda que, durante o processo eleitoral, tivesse aparecido uma terceira via, como o Ciro Gomes no meio da campanha, em 2002, e a Marina Silva, em 2014. Então, foram esses dois processos que, durante a campanha, deram uma sacudida naquela razoável previsibilidade na disputa PT x PSDB. Este ano não começou assim. Tem o Bolsonaro e essa história do PT, que ainda não ficou clara a candidatura. Cada um deles tem um desafio pela frente, como o PSDB, que perdeu o eleitorado tradicional dele para o Bolsonaro.

DINHEIRO – Essa diferença tende a continuar até a hora do voto?

ALMEIDA – Com relação à candidatura do PT, qualquer que seja ela, tenho poucas dúvidas de que não estará no segundo turno. Se o Lula fosse o candidato, estaria bem claro para todo mundo que ele seria o vencedor das eleições, até com certa tranquilidade. As pesquisas, e estou levando em consideração apenas Datafolha e Ibope, porque são pesquisas feitas face a face e não por telefone, dão uma larga vantagem para o Lula nas simulações de primeiro turno e de segundo turno. Isso tenderia a se manter durante o processo eleitoral. Isso indica o quê? O candidato apoiado pelo Lula subirá. Não precisa de muito tempo para isso. A votação no Nordeste será particularmente importante para colocar o Haddad no segundo turno.

“O que vai aparecer para o eleitor é que o Alckmin tem volume de campanha e o Bolsonaro, não. Isso pode justificar uma mudança de voto”Sobre os 5 minutos e 32 segundos de tempo de TV de Alckmin, enquanto Bolsonaro tem direito a oito segundos (Crédito:Marcelo Chello )

DINHEIRO – Qual é o desafio do PSDB?

ALMEIDA – O desafio do PSDB é mais difícil que o do PT, porque ele tem de pegar votos que não são dele. Esses votos estão no Bolsonaro. O Bolsonaro, pelo Datafolha e pelo Ibope, tem 18% e Alckmin, 6%. Se o tucano tirar seis pontos percentuais do Bolsonaro, ele empata. Embora os eleitores tenham simpatia pelas propostas representadas pelo PSDB, essa simpatia não foi suficiente para declarar o voto agora no Alckmin. Então, todo o esforço de comunicação da equipe do Alckmin e do partido tem de ser centrado nessa direção de avaliar quais são as ações mais efetivas para tirar essa votação do Bolsonaro. A luta dele é essa. Por isso, é mais difícil que a luta do PT, que não precisa arrancar votos de alguém.

DINHEIRO – O tempo de campanha na TV pode ser determinante para mudar a posição dos candidatos?

ALMEIDA – Isso pode acontecer. Não estou dizendo que vai acontecer, embora eu acredite mais no Alckmin do que no Bolsonaro. A TV e o rádio estão presentes em todos os cantos do País e vai depender de como o Alckmin for se comunicar. Mas o que vai aparecer para o eleitor é que o Alckmin tem volume de campanha e o Bolsonaro, não. Só isso pode ser uma justificativa para o eleitor mudar de voto. Tem um candidato que é grande, está presente, e o outro não. Serão cinco semanas de propaganda de TV. O eleitor assiste aos primeiros dez dias e os últimos dez dias, no meio tem uma barriga. Primeiro como novidade e, no fim, perto da eleição, para decidir. Vamos supor que nas três primeiras semanas o Bolsonaro caia dois pontos percentuais e o Alckmin suba dois pontos percentuais. A diferença ficaria em 16 a 8. Nas últimas duas semanas, se o Alckmin crescer quatro pontos percentuais e o Bolsonaro cair os mesmos quatro, só isso empata. Vale a pena recordar a última eleição. No dia 19 de setembro, a Marina tinha 30% e o Aécio, 17%. Na quinta-feira pré-eleição, eles empataram. No domingo, o Aécio passou com velocidade e a distância na urna ficou em 12 pontos percentuais. A TV repercute e não está isolada do mundo. Não é TV versus redes sociais.

DINHEIRO – Mas a força das redes sociais não pode anular esse histórico?

ALMEIDA – Vale a pena notar uma coisa nesse fenômeno de redes sociais. Recentemente, a rejeição do Bolsonaro subiu muito. Foi por causa da TV? Não, foi pelas redes sociais. Da mesma forma que as redes sociais podem ajudar, elas podem ferir de morte um candidato. Pelos dados do Datafolha, o aumento da rejeição do Bolsonaro foi de sete pontos percentuais. Isso significa que oito milhões de eleitores passaram a dizer que não votariam de jeito nenhum no Bolsonaro. São pessoas não falavam isso na pesquisa anterior. Isso aumentou em todos os extratos sociais. Então, esses eleitores vão começar a falar mal do Bolsonaro. Todo mundo está lendo as redes sociais como se fossem, necessariamente, favoráveis ao Bolsonaro. Elas mostraram, agora, que foram contrárias em razão do aumento da rejeição dele.

DINHEIRO – Qual é o peso da situação da economia na decisão do eleitor?

ALMEIDA – Sim, a economia faz diferença. Vamos retomar a discussão que começou lá no impeachment de Dilma Rousseff. Se o governo Michel Temer fracassasse, seria bom para o PT. Se desse certo, seria bom para o PMDB. Em nenhum cenário seria bom para o PSDB, como todo mundo fazia questão de dizer para os dirigentes do PSDB. O governo Temer, do ponto de vista da avaliação do eleitorado, deu errado. Por isso que o PT está com a força que as pesquisas mostram hoje. E isso tem a ver com o desempenho da economia.

DINHEIRO – Isso também significa que a Operação Lava Jato não influencia o voto.

ALMEIDA – Respondo com as intenções de voto no Lula. Ele foi condenado, está preso e sofreu inúmeras denúncias, mas lidera as pesquisas. Se isso tivesse uma importância central, ele não teria o protagonismo que tem. Pode ser que a Lava Jato morra no dia 7 de outubro. Porque a vitória de candidatos do establishment para governos estaduais, Senado, a pouca renovação da Câmara dos Deputados e a ida para o segundo turno de um candidato do PT e do PSDB, ou até do Bolsonaro, é uma derrota da Operação. Ela morre na praia no dia 7 e é enterrada no dia 26.

“Todo mundo está lendo as redes sociais como necessariamente favoráveis ao Bolsonaro. Mas elas se mostraram contrárias a ele com o aumento de sua rejeição” A pesquisa Datafolha mostrou maior rejeição a Bolsonaro (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO –Neste ano, muitos empresários e executivos criaram movimentos suprapartidários. Quanto isso vai ser importante para mudar e influenciar a política?

ALMEIDA – Será preciso ver o efeito eleitoral disso. A minha visão é que não será um efeito importante. Vamos pegar somente a Câmara dos Deputados, que é um bom indicador. Nos anos anteriores, 75% dos deputados buscavam a reeleição. Neste ano, subiu para 90%. Uma loucura! Porque eles têm o recurso para a campanha, com o fundo eleitoral. Só quem tem mandato tem acesso a ele. A chance de renovação neste ano é menor. Não estou dizendo que nenhum novo vai ser eleito, mas a probabilidade é pequena. Um deputado federal que não é eleito perde a vaga para um ex-prefeito, um deputado estadual, gente que já está no sistema.

DINHEIRO – O fundo eleitoral acabou concentrando em vez de distribuir o poder?

ALMEIDA – Vamos pensar no histórico. O Supremo Tribunal Federal tornou ilegal a doação por empresa. Os políticos disseram: ‘é preciso algum dinheiro para a campanha, tenho de me comunicar atrás de voto e pagar gente para trabalhar’. Pronto, eles arrumaram uma maneira de fazer isso. O problema é que cada um defende o seu lado, há muita dificuldade de consenso, não tem uma ação coletiva.

DINHEIRO – Como historiador e estudioso, está otimista com o processo eleitoral?

ALMEIDA – Não existe mágica para quem espera que uma eleição mude o destino do Brasil. Se pensar bem, a eleição de 2014 consagrou os governos. No Rio, o Sérgio Cabral elegeu o Pezão. Isso não foi há 20 anos, foi somente há quatro. Em São Paulo, Alckmin foi reeleito. Na eleição nacional, também ganhou o governo, com Dilma reeleita presidente da República. Foi uma eleição de continuidade. Agora, estamos vendo uma eleição de mudança em alguns lugares. Caso o PT venha a ganhar a eleição presidencial, terá sido uma oposição ao atual governo. Caso o Paulo Skaf (MDB) venha a ganhar em São Paulo, terá sido um voto de oposição ao PSDB. Caso o Antonio Anastasia (PSDB) venha a ganhar em Minas Gerais, será um voto de oposição ao PT. Mas todos são do establishment, não tem uma mudança nesse sentido.