Olivetti já foi sinônimo de máquina de escrever. A PanAm, de vôos em céu de brigadeiro. Xerox significa ainda cópia de documentos. Só que o mundo já aprendeu que dominar a área das marcas não é garantia de vida longa. A Olivetti teve de se adaptar à era dos computadores, a PanAm desapareceu dos ares, e a bola da vez pode ser agora a Xerox. A empresa luta para não sucumbir à economia globalizada, mas às vésperas da virada do século acumula uma dívida enorme, de US$ 17 bilhões. Seu valor de mercado despencou 89% desde o início do ano, e vale US$ 38 bilhões a menos do que em 1999. Na semana passada a crise chegou ao auge. Com as ações em queda livre, o grupo decidiu se desfazer de parte da estrutura, anunciou uma gigantesca venda de ativos no mundo e deixou no ar que pode até mudar de dono. O que teria acontecido com um dos maiores ícones empresariais deste século? Como uma marca tão consolidada e valiosa pode se desintegrar desta maneira e de forma tão rápida? A companhia que dominou, por décadas, o mundo das copiadoras, paga o preço pela lentidão na tomada de decisões, por manter uma estrutura pesada e pelo despreparo na era das pequenas máquinas de reprodução e impressão. O alto comando da empresa, na terça-feira, 24, anunciou a tentativa de salvação. ?Está claro que o simples ajuste de questões administrativas não é suficiente?, admitiu o chairman da Xerox, Paul Allaire. O esforço de sobrevivência mexe até com um dos modelos sagrados da companhia: o Centro de Pesquisa em Palo Alto, na Califórnia. Seu acesso é extremamente restrito. É de lá que saem por ano 800 invenções da companhia. Lá nasceu, por exemplo, o mouse. Agora, a Xerox busca parceiros para dividir os custos de US$ 1,1 bilhão anuais nas pesquisas. É o desespero para sair do buraco.

 

?A Xerox perdeu, nas últimas duas décadas, a velocidade de desenvolver produtos?, atesta o presidente da consultoria Arthur D. Little, Paulo Apsan. ?Além disso, buscou tarde demais a integração de suas máquinas com o computador.? O resultado imediato foi a perda de espaço no mercado de copiadoras leves para os fabricantes japoneses. Agora, o grupo resolveu cortar despesas de US$ 1 bilhão e vender ativos da ordem de US$ 4 bilhões. Na China, a fábrica da Xerox está passando para as mãos da Fuji. Nos Estados Unidos, a empresa que nasceu da parceria de Xerox com Microsoft, a Content Guard, também será vendida. Há mais: passará adiante sua participação na Inxight, indústria de softwares, e tenta empurrar seu braço financeiro para a gigante GE Capital. Todas essas medidas parecem, aos olhos dos analistas, paliativos diante dos erros da Xerox. Por mais que se tente fazer caixa, o peso da administração pouco ágil compromete a performance da companhia. Alguns detalhes chegam a surpreender, como a falta de sintonia entre os executivos e a equipe de pesquisas. O Centro de Palo Alto, por exemplo, criou vários produtos sem qualquer tipo de relação com os negócios da empresa. Outro equívoco aconteceu na área de vendas, orgulho da companhia. Historicamente dividida por regiões, passou a ser organizada por setores, em que cada representante ficou responsável por determinado ramo de clientela. Isto gerou uma enorme confusão interna, disputa entre vendedores, enfim, o caos. O resultado foi a debandada de vários representantes e a taxa de renovação da equipe chegou a 40%. Até hoje, posições chaves neste setor estão vagas.

A Xerox também desprezou durante anos mercados potenciais, como o de impressoras para pequenas e médias empresas. A companhia preocupava-se apenas com o mundo das grandes corporações. Quando enfim mudou de idéia, o terreno já havia sido ocupado por rivais como Canon, Epson e HP. Redes varejistas dos Estados Unidos, como Staples e CompUsa, já tinham contratos fechados com a concorrência. Há três semanas, o presidente mundial, Paul Allaire, e seu braço-direito, Anne Mulcahy, convocaram analistas para detalhar a situação da companhia. ?Temos um modelo de negócio insustentável?, admitiu Allaire.

?Criou-se uma organização que não funcionou?, ressalta o presidente da Xerox do Brasil, Guilherme Bettencourt. Ele garante, no entanto, que, apesar da crise mundial do grupo, nada mudará por aqui. ?Estamos fora da tempestade. O furacão passou ao largo.? O corte de 5 mil empregos no mundo não atingiria o Brasil, segundo o presidente. ?A companhia já adotou medidas drásticas no ano passado, quando cortamos mil dos 6 mil empregos.? Apesar de afirmar que a turbulência brasileira já foi abrandada, o executivo demonstra preocupação com a crise internacional. Para ele, o drama vivido pela Xerox tem um vilão e este chama-se Richard Thomas, apontado como presidente nos Estados Unidos para revitalizar a Xerox em 1997 e demitido dois anos depois. ?Thomas alterou a organização da empresa e criou um problema de gestão?, critica Bettencourt. ?As vendas mundiais caíram, o pessoal ficou desmotivado, o que abriu espaço para a concorrência.?

Na visão de especialistas, a situação da Xerox do Brasil não é tão confortável como descreve Bettencourt. O desempenho da companhia no País caiu, abrindo brechas para o avanço vigoroso da concorrência. Enquanto o executivo festeja um aumento de 15% nas vendas neste ano, sobre o faturamento de R$ 1,9 bilhão de 1999, concorrentes como a HP, Canon e Epson declaram que seus negócios se ampliarão de 35% a 60% em 2000. Entre as razões para as perdas da Xerox, está sua fragilidade crescente em mercados mais competitivos. ?A Xerox criou uma enorme base de clientes décadas atrás. Só que tem perdido espaço nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio, devido à falta de agilidade?, avalia um consultor que já prestou serviços à Xerox. Segundo ele, a companhia está sendo empurrada para clientelas menos lucrativas, onde a disputa pelo consumidor é menos acirrada. A folga nessas regiões não deverá durar por muito tempo. Rivais como a Epson já estão atrás desses mercados. A Epson abrirá em breve filiais no Recife, Fortaleza, Salvador, Curitiba e Porto Alegre, entre outras cidades.
A ameaça vem também da sua arqui-rival, a Canon. A companhia construirá, até o primeiro semestre de 2001, sua primeira fábrica no Brasil. Objetivo: aumentar, em cinco anos, de 7% para 33% sua participação nas vendas de copiadoras. Um novo golpe para a Xerox, que já viu sua fatia de mercado despencar de 90% para 65% em dez anos. A Xerox vem perdendo, mais drasticamente, a posição de líder absoluta de mercado desde o fim da reserva de informática. Antes, o governo exigia das empresas interessadas em desembarcar no País a produção local. A Xerox está aqui há muito tempo, o que lhe garantiu a hegemonia. Com as mudanças, a briga começou. Várias fabricantes chegaram ao País, trazendo sistemas para montagem de peças importadas com custos muito mais reduzidos do que os da Xerox. Enquanto a subsidiária brasileira da companhia americana tem hoje 5 mil funcionários nas quatro fábricas e dois centros de pesquisa, a Epson trabalha com apenas 500. ?O que importa para a gente não é o número de empregados, mas a qualidade dos produtos?, declara Wang Chi Hsin, presidente da Epson.

Enquanto as rivais traçam novos planos de expansão, como a HP, que pretende produzir PCs no Brasil já no ano que vem, a Xerox busca desesperadamente defender seu espaço. As más notícias da companhia esfriaram os ânimos da Bolsa de Nova York. Que o diga David Giroux, analista da T. Rowe Price & Associates Inc., administradora de fundos americanos com ações da Xerox. ?Se eu tenho confiança na capacidade dos executivos da empresa em economizar US$ 1 bilhão no ano que vem? Eu seria louco se dissesse que sim?.