A polícia militar de Minas Gerais concluiu nesta sexta-feira (14) o despejo de parte dos moradores do acampamento Quilombo Campo Grande, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), em cumprimento à reintegração de posse determinada pelo juiz Roberto Apolinários de Castro, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG). O acampamento está localizado na cidade mineira de Campo do Meio.

O Quilombo Campo Grande fica na área da usina falida de Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou suas atividades no final da década de 90, e da chamada Fazenda Ariadnópolis, do proprietário Jovane de Souza Moreira – que também era dono da Capia. Esta última foi alvo da reintegração de posse executada nos últimos dias. Ao falir, os donos da usina deixaram dívidas trabalhistas e terras em situação de abandono. Segundo o movimento, os trabalhadores da empresa, que não receberam até hoje seus pagamentos, revitalizaram o terreno e iniciaram a ocupação.

A Defensoria Pública de Minas Gerais avalia que a execução da ordem de reintegração de posse durante a pandemia colocou em risco os moradores do acampamento. “Fizemos todos os esforços para tentar suspender essa operação. Não é possível considerar, do ponto de vista até constitucional, com o princípio da dignidade humana, que, em um tempo dessa natureza, com mais de 100 mil mortos pela covid-19, uma crise sanitária de alta gravidade, seja realmente sensato fazer uma operação policial dessa natureza”, disse a defensora pública Ana Cláudia Alexandre Storch, da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais. Segundo ela, é “inconcebível” imaginar que tenha havido urgência que justificasse a ação. 

O governo de Minas Gerais informou que a PM cumpriu uma determinação judicial e que, antes da reintegração de posse, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) enviou ao Judiciário, na terça-feira (11), manifestação coletiva junto a outros órgãos para que a reintegração de posse na gleba da Fazenda Ariadnópolis não fosse realizada durante a pandemia da covid-19. No entanto, houve resposta negativa do judiciário.

Parte de terreno

O alvo da reintegração corresponde a uma parte de todo o terreno ocupado pelo acampamento, que é a área conhecida como Fazenda Ariadnópolis, na qual, segundo os sem-terra, moravam sete famílias, havia uma escola construída pelos acampados, algumas lavouras e um galpão de armazenamento. Segundo Geanini Hackbardt, da comunicação do movimento, além das casas das famílias e de suas lavouras, as instalações da escola também foram destruídas pelos policiais.

De acordo com a Defensoria Pública de Minas Gerais, a ordem de reintegração garantia apenas a retiradas das famílias e não a destruição de bens materiais. “A ordem judicial era bem clara que não deveriam ser demolidas nenhuma benfeitoria. E pelas informações que a gente tem, também pelas mídias, é que foi destruída uma casa e um espaço que os acampados usavam como escola, em que estudavam todas as crianças da outra ocupação”, disse a defensora pública. Diante dos relatos, a defensoria pediu ao comandante da PM esclarecimentos sobre as demolições.

Houve resistência de saída por parte dos acampados e eles foram expulsos em uma ação da polícia que utilizou bombas de gás e helicópteros, segundo os sem-terra. O processo de reintegração começou na última quarta-feira (12), quando três famílias foram despejadas de um barracão coletivo onde moravam, e ontem (13), durante a ação, os policias destruíram a escola do acampamento, segundo o movimento. 

Polícia Militar

A PM de Minas Gerais informou que houve pedidos de adiamento do cumprimento da ação de reintegração, mas que não foram acatados pelo juiz, então um processo de negociação entre assentados e o oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem judicial foi iniciado na quarta-feira (12). Segundo a PM, o planejamento da operação seguiu os protocolos de segurança estipulados para o período da pandemia.

“A ordem judicial era referente a uma área de 52,5 hectares, conhecida como Quilombo Campo Grande, na qual residiam seis famílias. Três delas deixaram pacificamente a área. Integrantes de outras três famílias permaneceram no local, com apoio de manifestantes de outros assentamentos, que não integram a área referente à operação”, disse a PM, em nota. Nesta sexta-feira (14), após 50 horas de operação, a PM argumentou que foi necessária a atuação do Batalhão de Choque e o emprego da força legal e para que o processo de reintegração fosse finalizado. A corporação considera que o uso da força foi “proporcional”.

Área da usina

Em outra parte do terreno da usina, que também é alvo de disputa judicial em nome da Capia, vivem 450 famílias há 22 anos. No entanto, não há decisão por reintegração de posse dessa área. O juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, da Justiça Mineira, havia determinado a reintegração de posse dessa parte do terreno – onde moram as 450 famílias – em novembro de 2018 na primeira instância, no entanto, o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant suspendeu a decisão.

Na ocasião, Brant considerou que os acampados “ocupam a área rural por considerável período, aproximadamente 14 anos, com cultivo de lavoura de café entre outros, havendo inclusive imóveis edificados nos quais residem as respectivas famílias”.  

A defensora pública acredita que há interesses econômicos na área. “Há um interesse econômico imenso ali, porque é uma área que está ultravalorizada principalmente depois que eles começaram a produzir o café, e efetivamente é isso que está por trás de toda essa situação totalmente absurda que acontece em um momento totalmente inadequado e de uma forma na nossa opinião totalmente inadequada também”, disse. 

Em todo o quilombo, há 1.200 hectares de lavoura de milho, feijão, mandioca e abóbora, 40 hectares de horta agroecológica e 520 hectares de café, segundo levantamento do movimento, além de centenas de casas, currais e quilômetros de cerca. O terreno ocupado gera trabalho e renda para cerca de 2 mil pessoas.

“Nós construímos naquele local um projeto de vida digna, produção de alimentos saudáveis, de educação de qualidade e eles não têm o direito de tirar isso das pessoas”, disse Geanini.