A decisão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, de enviar ao Congresso uma proposta para inserir na legislação criminal mecanismo semelhante ao americano “plea bargain” (acordo penal) repercutiu intensamente entre advogados. O dispositivo jurídico permite à pessoa investigada por crime firmar acordo com a Promotoria antes da abertura da ação penal.

Moro considera que o “plea bargain” se aplicaria a qualquer crime de furto, assalto, homicídio ou corrupção cometido por uma única pessoa sem o envolvimento de organizações criminosas. Atualmente esse tipo de acordo só se aplica no Brasil a crimes de menor potencial ofensivo como, por exemplo, lesão corporal leve.

De acordo com o advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, a proposta de Moro para desafogar o Poder Judiciário “mostra-se incompatível com o nosso sistema jurídico processual penal, haja vista que um dos pilares da Constituição Federal está fincado exatamente na inafastabilidade da jurisdição, prevista no seu artigo 5.º., inciso XXXV, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’.

Abdouni sustenta que não existe a possibilidade de se delegar ao órgão acusador, ou seja, ao Ministério Público, a competência exclusiva do juiz de julgar, absolver ou apenar o infrator.

Ele destaca que o emprego desse instrumento nos EUA, “que não se confunde com a colaboração premiada”, se justifica pelas peculiaridades legais americanas.

Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público pela FGV, avalia que a medida anunciada por Moro é uma versão “simplificada” do atual “acordo de colaboração premiada”, previsto na lei que disciplina as organizações criminosas.

“Penso que seja um modelo viável para a maior celeridade da Justiça, no que diz respeito à solução de determinados crimes cometidos por uma só pessoa. Não precisará de homologação do magistrado e dará obviamente maior poder e autonomia ao MP, além de ser um método similar ao que é praticado nos Estados Unidos”, diz.

Na avaliação de Vera Chemim, caso fosse realmente implantado no País, o “plea bargain” pouparia tempo e dinheiro público. “Se o Ministério Público tivesse maior autonomia para resolver determinados tipos de crimes, sem ter a obrigação de denunciar à Justiça, além de poupar tempo e dinheiro público, ele teria realmente maiores condições de focar seus recursos humanos e tecnológicos na solução de crimes mais graves.”

O criminalista e professor de Direito Penal e Processual Penal, Daniel Gerber, acredita que “não há necessidade de se revogar ou se alterar as leis já existentes, mas sim, a criação de uma nova legislação que estabeleça o caminho certo a ser seguido nos casos de acordo”.

“Tanto é possível, permitido e condicional que o próprio Conselho Nacional do Ministério Público já baixou uma normativa no começo de 2018, requerendo que para crimes cuja pena não ultrapasse os quatro anos, o Ministério Público evite o oferecimento de acusações processuais e tente justamente uma possibilidade de acordo”, diz.

“O Juizado Especial Criminal também prevê possibilidades de acordo, e a colaboração premiada nada mais é do que mais uma tentativa de acordo”, segue Daniel Gerber. “O que precisamos cada vez mais é torná-lo uma regra para toda e qualquer espécie de delito ou pelo menos para a maior parte dos delitos.”

Para ele, “as leis que existem, tanto a Constituição quanto a legislação ordinária, em hipótese alguma proíbem, vedam ou inviabilizam as propostas de ‘plea bargain’.”

O promotor de Justiça em São Paulo e doutor em Direito Penal pela USP, Roberto Livianu, discorda: “Com todo respeito ao nobre advogado Abdouni, discordo diametralmente de seu ponto de vista, na condição de Promotor de Justiça em São Paulo e Doutor em Direito Penal pela USP. As conciliações, arbitragens, mediações, acordos de colaboração premiada e de leniência são formas alternativas de resolução de conflitos existentes no Brasil há mais de três décadas e representam tendência mundial”.

“No campo do Direito Penal, acordos criminais (transações) são feitos desde 1995 quando da edição da Lei 9099/95, com excelentes resultados. A proposta do Ministro Sérgio Moro, no sentido de ampliar legalmente o campo de possibilidades para acordos penais é excelente, oportuna, avançada e absolutamente condizente com a tendência mundial”.

“Nos Estados Unidos, 90% dos casos criminais são resolvidos em acordos. A tese do ilustre advogado fere o bom senso elementar porque as vias clássicas de justiça estão sobrecarregadas e buscar meios alternativos para resolver conflitos significa buscar paz e eficiência do sistema de justiça, e jamais violar o princípio da inafastabilidade da apreciação judicial de lesões a direitos. O que sugere Moro é a alteração da lei para permitir mais hipóteses de acordos, além dos pequenos crimes”.