A travessia não foi tão arriscada quanto às dos exploradores Fernão de Magalhães, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Mas, segundo o também português Miguel Setas, CEO da empresa de energia EDP no Brasil, foi possível se sentir como um deles em julho do ano passado. O executivo foi a primeira pessoa a percorrer, num carro elétrico BMW i3, o trajeto de 430 quilômetros entre Rio de Janeiro e a capital paulista. Saindo da Cidade Maravilhosa às 6h da manhã, e, depois de duas paradas para recarga no caminho, chegou a São Paulo às 14 horas. “O carro tem autonomia de 200 quilômetros e a recarga de 80% da bateria demora só 20 minutos, o tempo de comer um pão e tomar um café”, diz o executivo.

A EDP e a BMW foram as financiadoras do corredor elétrico entre as duas maiores cidades brasileiras — a maior da América Latina. Em conjunto, investiram R$ 1 milhão em seis equipamentos de recarga na Via Dutra, em parceria com os postos Ipiranga. A companhia portuguesa, que tem investido em projetos de energia renovável, também dá início a novos projetos. Em um acordo com a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), prometeu investir R$ 350 mil, para instalar sete estações gratuitas no estado do Sudeste. Outros devem se seguir.

Mas, o mais longo corredor elétrico em operação foi montado pela paranaense Copel com a Itaipu Binacional e acaba de completar um ano de existência. Ligando o Porto de Paranaguá às Cataratas do Iguaçu, possui 740 km de extensão e 12 eletropostos, dos quais oito possuem carregadores universais da ABB de recarga rápida. Dessa forma, é possível cruzar o estado do Paraná em um veículo elétrico. Em um ano de operação, a eletrovia acumula mais de 300 recargas, com potência total consumida de 2,5 MW. Isso equivale a energia suficiente para um veículo percorrer cerca de 10 mil km, deixando de emitir 1,81 tonelada de CO2 na atmosfera.

Corredor elétrico: Celso Novais, do Programa Veículo elétrico, ao abastecer na Eletrovia do Paraná: 740 Km E 12 Eletropostos (Crédito:Divulgação)

Esses projetos podem parecer precoces em relação à pequena frota de elétricos do Brasil. São menos de 10 mil carros, mas há estudos de que podem atingir entre 20% e 30% das vendas até 2030. Diversas iniciativas apontam para esta evolução. Na terça-feira 9, a agência de energia (Aneel) aprovou uma chamada de projetos para participar de um edital de pesquisa de desenvolvimento de mobilidade elétrica. O objetivo é estimular modelos de negócio que contribuam para o desenvolvimento de produtos e serviços nacionais na área, com viabilidade técnico-econômica. Pode participar qualquer empresa de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica que tenha contrato de concessão ou permissão para atuar no setor energético.

Mas nenhuma indicação é maior do que a aposta feita pelas montadoras em todo o mundo, e que já estão chegando ao Brasil. Na quinta-feira 19, a Renault anunciou o início da operação de laboratório dentro do Cubo, espaço de inovação do banco Itaú, além de um projeto de uso compartilhado do seu carro elétrico Zoe. “ Nosso negócio não se resume mais a desenvolver, fabricar e vender carros”, diz Ricardo Gondo, o novo presidente da Renault no Brasil. “ Mas precisamos também oferecer soluções e serviços de mobilidade”.

O Zoe promete ser o mais “acessível” dentre os veículos elétricos disponíveis ao consumidor brasileiro, com preço em torno de R$ 150 mil. Mas ele não será a única novidade nesse nicho. No Salão do Automóvel do ano passado, os carros elétricos foram o grande assunto. A Audi anunciou a venda, a partir deste ano, do E-tron, o seu primeiro utilitário 100% elétrico. A Toyota, que já comercializa no Brasil em torno de 250 unidades ao mês do híbrido Prius, terá motores que combinam combustão de etanol e eletricidade também para modelos da linha de Lexus, de luxo. A Nissan iniciou as pré-vendas para o Leaf, o carro elétrico mais vendido do mundo. A General Motors confirmou a chegada do Chevrolet Bolt. A Hyundai trouxe o Saga EV, um SUV compacto elétrico. E a BMW, dona do i3, prometeu lançar seis novos modelos elétricos até 2021, incluindo o seu híbrido plug-in, o i8 Roadster, uma tecnologia que com um motor a gasolina carregando outro elétrico ou apenar com a bateria carregada na tomada, mas em curtas distâncias. Também a Volkswagen, com o Golf, e a Ford, com o Fusion, terão versões com a tecnologia híbrida plug-in.

Uma das críticas ao carro elétrico, que é vendido como uma tecnologia ambientalmente responsável, é que ele dependerá de muita geração de energia. Em países em que grande da geração vem de usinas termelétricas o benefício de sustentabilidade será perdido com a necessidade de muita queima de carvão. O Brasil não sofre dessa desvantagem, devido à sua matriz limpa, baseada em fontes renováveis, como hidrelétricas, e cada vez mais eólica e solar.


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