Perdão tributário, crédito subsidiado pelo governo em abundância (e barato) e abertura comercial com proteção da indústria nacional. Pode parecer o trecho da campanha eleitoral de um partido de esquerda, mas são os elementos que formam o novo discurso do Chicago Boy Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro. Em evento com empresários, em especial os representantes da indústria, o liberal reformado diz querer “ajudar quem caiu”. “O pequeno restaurante quebrou, fechou, está devendo R$ 50 mil. Quero que ele reabra, crie emprego. Não adianta ficar esperando que ele pague”, disse. Bonito na teoria, o discurso tem problemas profundos na prática. Ao abdicar a entrada de receitas, o governo pisa em uma seara perigosa e de difícil revisão posterior. E quem garantia isso é o mesmo Paulo Guedes – mas na posição do economista que, em 2016, deu uma entrevista à DINHEIRO. À época, o então sócio da Bozano Investimentos afirmou ter se encontrado com a presidente Dilma Rousseff em 2015 e dado conselhos econômicos. “Eu disse a ela: ‘Subsídios e desoneração fiscal elevaram os gastos em todos os governos, mas agora tomaram proporções absurdas. Foi um caminho perigoso’ ”.

35% das micro, pequenas e médias empresas estão com dívidas tributárias, segundo estimativado governo

Em uma experiência digna de um filme de viagem no tempo, o confronto entre o Guedes de 2016 e o Guedes de 2021 se faz necessário. Quando se está fora do poder e livre de pressões políticas, é mais fácil racionalizar que ao oferecer benefícios ficais o governo cria uma arapuca que, invariavelmente, sucumbirá. Um exemplo disso foi a recente elevação dos impostos estaduais em São Paulo. Em março o governador João Doria anunciou que alguns setores teriam impostos revistos. “Na prática o Executivo estava retirando uma isenção aplicada há 12 anos, mas o ato foi tratado como aumento de impostos”, afirmou o economista Ermínio Soares Falco, que foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo entre 2007 e 2010. O problema do Guedes de 2021 é que, na prática, a teoria é outra. Quando se está no governo, o racional não é tão simples e os deslizes populistas são atraentes, principalmente quando o seu chefe é na essência um deles. Em estimativas superficiais, segundo dados do governo federal, o Brasil tinha em 2020 cerca de 11,2 milhões de empresas de micro, pequeno e médio porte. Em 2019 (antes da pandemia) 35% tinham dívidas tributárias, o que representa 3,9 milhões de empresários. Se o perdão médio for de R$ 50 mil, o governo renunciaria receitas de R$ 195 bilhões. Guedes, em evento com empresários, diz que o plano é incluir parte deste perdão fiscal dentro da reforma tributária, que será enviado ao Congresso (e pode sair mais caro para o governo).

“As empresas que tiveram queda acima de 20% do faturamento têm desconto na dívida. Se caiu 40%, tem um maior ainda. Se caiu 80%, é quase um perdão.” E se para o empresário essa promessa é música para os ouvidos, para o economistas é um caso clássico de emenda saindo pior que o soneto. Flávio Serrano, economista-chefe da Greenbay Investimentos, explica. “Não há espaço para qualquer concessão. Precisamos pensar em proteção social, mas com cautela.” Em Brasília, assessores de Guedes dizem que o ministro estuda formas de compensar a medida com outros impostos federais.

6% de toda arrecadação do governo central em abril foi com o ipi, imposto que guedes disse não fazer mais sentido

PROTEGIDOS Aos industriais, Guedes reproduziu discurso que já foi ouvido centenas de vezes em fábricas espalhadas pelo ABC paulista. “Não somos trouxas. Não vamos abrir o mercado internacional sem garantir a competitividade das nossas indústrias.” Segundo ele o plano é, sim, abrir a economia, mas sem acabar com os parques fabris que aqui estão. Para isso, uma opção seria extinguir Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que, segundo ele, diminui a competitividade do setor. “Nós tínhamos que acabar com o IPI. Mas não podemos fazer isso por uma série de razões.” Em abril, 6,17% de toda arrecadação brasileira veio do IPI. Na avaliação de Guedes, um dos pontos que faz o agronegócio brilhar é, justamente, o fato de não pagar um imposto equivalente ao IPI. “Não podemos tributar um imposto apenas por ser industrial”, disse. A frase arrancou sorrisos e palmas. Um discurso populista na essência, com seu resultado já escrito na história. O Guedes de 2016 disse à DINHEIRO, que Dilma era teimosa e em 2015 não havia ouvido seus conselhos, e isso teria resultado em sua saída abrupta do poder. Espero que ele mesmo escute sua versão passada.