No bairro do Jardim Paulistano, um dos mais caros de São Paulo, um grupo de executivos de grandes empresas se reúne para prestigiar a fala do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, em evento da Câmara de Comércio França-Brasil. Antes da palestra, na Maison Saint-Gobain, eles se servem de champanhe e foie gras, realizam networking, reencontram quem não viam há tempos e discutem diversos assuntos, do andamento de seus negócios até a situação da economia brasileira. No caso deste último, mais especificamente, quando ela voltará a crescer.

“A economia estava melhorando até maio, mas veio a bomba da JBS e jogou a confiança para baixo”, diz Thierry Fournier, presidente da Saint-Gobain para o Brasil e anfitrião do evento. Bola de cristal, ninguém tem, mas alguns dados mais recentes indicam que a situação começa a melhorar após quase três anos seguidos de recessão. Ainda não é o patamar ideal nem a velocidade esperada por todos, mas a sensação é de que o pior já passou. O Brasil começou o ano com a expectativa de virar a página da pior recessão de sua história.

Dinheiro na praça: Para impulsionar a retomada, o presidente Temer assinou na quarta-feira 23 uma medida provisória que libera o saque do PIS/PASEP para idosos (Crédito:Marcos Corrêa/PR)

Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, o humor do mercado melhorou com a entrada em cena de uma equipe econômica bem quista por economistas e empresários e com uma agenda de controle fiscal e privatizações. Os analistas indicavam que, depois de recuar 3,6% em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) poderia crescer até 2% em 2017. Os primeiros dados eram animadores. A atividade no primeiro trimestre avançou 1%, puxada, em sua maior parte, pelo desempenho extraordinário da agropecuária, que registrou safra recorde de grãos.

Tudo corria bem até 17 de maio, quando vieram à tona as explosivas gravações de Joesley Batista, ex-presidente JBS, com o presidente Michel Temer, que teria supostamente concordado com a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. O que se viu a partir daí foi um baque nas expectativas, com economistas tendo de rever seus cenários, admitindo, inclusive, a possibilidade de a crise política jogar o País novamente numa recessão.

Desde então, Temer sobreviveu à hecatombe provocada pela revelação dos áudios, com acordos políticos que incluem distribuição de cargos e verbas, e a economia começou a mostrar que está se descolando da política. O resultado é o retorno dos bons sinais, indicando uma retomada no restante do ano, ainda que num ritmo fraco. “A expectativa é de números melhores agora do que os do primeiro semestre”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Devemos ver uma retomada mais concreta, com a crise de maio não tendo os efeitos esperados.”

Alguns indicadores mostram que a economia evoluiu no segundo trimestre, apesar das delações da JBS. Um deles é o IBC-Br, produzido pelo Banco Central (BC), que incorpora variáveis consideradas como proxies (medidas aproximadas de outras) para o desempenho das três principais áreas da economia – agropecuária, indústria e serviços. Em julho, último resultado divulgado, o IBC-Br cresceu 0,5% em relação ao mês anterior. No primeiro semestre, ele recuou 0,1% na série sem ajuste sazonal. Apesar da queda, foi o melhor resultado para o período desde a primeira metade de 2014.

A principal surpresa veio da indústria, uma das mais afetadas pela crise econômica. O setor registrou crescimento de 0,5% nos primeiros seis meses do ano, algo inédito desde 2013, segundo dados oficiais (ver quadro ao final da reportagem). “No primeiro trimestre, o agronegócio ajudou a puxar algumas indústrias, como de transporte e insumos”, afirma André Rebelo, assessor para assuntos estratégicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou ainda melhoras no setor de serviços, que teve um avanço de 1,3% em junho frente a maio, o maior aumento para o mês de junho desde 2012, quando foi iniciada a série histórica da pesquisa, e o terceiro resultado positivo seguido do setor neste ano. As vendas no varejo cresceram em junho, na comparação mensal, levando o setor a acumular três meses seguidos de alta, interrompendo nove meses consecutivos de queda. Trata-se do avanço mais consistente desde o final de 2014.

Surpresa positiva: Umas das mais afetadas pela crise, a indústria mostra sinais de melhora, principalmente o setor automotivo (Crédito:Malagrine)

As notícias têm sido celebradas pelo governo, que vê a recuperação como seu fiador diante da grave crise fiscal e da baixa popularidade. “Estamos saindo da recessão mais longa que o País já enfrentou”, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na quarta-feira 23. “Com as reformas econômicas e estruturais, a diminuição do tamanho do Governo, podemos criar condições fiscais de um ciclo de crescimento sustentável nos próximos anos.” A conjunção positiva destes fatores levou muitos economistas a melhorarem suas expectativas para o PIB do segundo trimestre, a ser divulgado oficialmente, pelo IBGE, no dia 1º de setembro. O cenário favorável fez o Itaú Unibanco rever suas projeções, de contração de 0,2% para estabilidade.

“A recuperação será gradual e fraca, mas está cada vez mais disseminada ao longo da economia”, diz Artur Passos, economista do banco. Os economistas aguardam os dados oficiais para alterarem seus cenários, mas a tendência é positiva. Até o momento, a perspectiva do mercado é de que a economia brasileira cresça 0,3% em 2017, segundo as projeções coletadas pelo BC através do Boletim Focus. Os bons números do setor produtivo estão movimentando também o mercado de trabalho. Na primeira metade do ano, foram criadas 103,2 mil vagas formais, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.

MOTORES DO PIB A explicação para a retomada está em fatores que os economistas apostavam antes mesmo da delação da JBS, como a queda dos juros e a desaceleração da inflação. Diante da baixa demanda interna, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu patamares historicamente baixos neste ano. Em julho, a taxa acumulada em 12 meses recuou ao menor nível desde 1999, para 2,7%, abaixo do piso da meta estipulada para este ano, de 3%. A forte desaceleração da inflação está permitindo ao BC cortar a taxa básica de juros, a Selic.

Grande impulso: setor agropecuário foi o principal responsável pelo crescimento no primeiro trimestre (Crédito:Divulgação)

Em sua última reunião, em 26 de julho, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu os juros em um ponto percentual, para 9,25%, a sétima queda seguida do índice e o menor patamar desde outubro de 2013. O mercado aguarda que a Selic chegue ao final do ano em 7,5%. Há um mês, a previsão era de 8,0%. A combinação de juros e inflação baixa está aumentando a renda do consumidor, visto que os salários foram reajustados com base no IPCA do ano passado, que fechou em 6,3%. Junto com os primeiros sinais de melhora dos empregos e a liberação do FGTS, que injetou R$ 44 bilhões na economia, as pessoas estão mais dispostas a assumirem novas dívidas.

“O crédito, assim como o consumo, tem começado a se recuperar, principalmente para a pessoa física”, diz Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC. É o que se vê no setor automotivo, cujas vendas cresceram 4,4% até julho, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). “Vemos uma retomada no consumo de bens duráveis, porque as expectativas estão melhores”, afirma Altamiro Carvalho, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Outro ponto que auxilia a retomada é o comércio exterior.

Com o câmbio estabilizado e a situação positiva nos principais países, a balança comercial vem acumulando recordes neste ano, com superávit de US$ 42,5 bilhões no período de janeiro a julho. O valor é o melhor da série histórica, iniciada em 1989, com alta de 50,6% em relação aos setes primeiros meses de ano passado. As exportações tiveram um crescimento médio diário de 19%, puxado pelos três grupos de produtos: básicos, semimanufaturados e manufaturados. Diante deste quadro, os empresários demonstram otimismo, mesmo que ainda de forma cautelosa. Na indústria, os sinais de confiança começam a se consolidar.

De volta às compras: inflação baixa e juros em queda começam a estimulam o consumo (Crédito:Adriano Machado)

Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Industria (CNI), a disposição dos empresários para investir aumentou em agosto, com o indicador que mede este item avançando 1,3 ponto, para 47,9 pontos, superando a média histórica da pesquisa (47,4 pontos). No varejo, os empresários da região metropolitana de São Paulo elevaram ligeiramente seus estoques, de acordo com a FecomercioSP, indicando otimismo em relação aos próximos meses. As vendas podem ganhar mais um impulso com a decisão do governo de autorizar o saque das contas do PIS/Pasep para idosos, anunciada na quarta-feira 23. Ao todo, R$ 16 bilhões devem ser liberados para 8 milhões de pessoas.

A melhora das perspectivas está levando algumas empresas a anteciparem as contratações. É o caso da Bureau Veritas, uma das principais empresas do mundo em certificação. Vendo as oportunidades que surgem no setor agrícola e de petróleo e gás, ela voltou a contratar neste ano, após dois anos seguidos de redução de seu quadro, adicionando 800 novos funcionários aos 4,7 mil já existentes. “A nossa perspectiva para o segundo semestre é positiva”, diz Eduardo Camargo, vice-presidente-executivo para a América Latina. Ainda que os dados apontem melhora da situação no final do ano, os analistas são claros em dizer que a recuperação dependerá da política não atrapalhar.

Além disso, há o risco-eleitoral no horizonte. “Sem uma definição sobre como o País será a partir de 2019, é difícil imaginar maiores investimentos”, diz Bruno Lavieri, sócio-diretor da 4E Consultoria. Para que o Brasil se recupere de fato, o mundo empresarial cobra estabilidade de Brasília. “O único pedido que faço é melhorar a previsibilidade”, diz Fournier, presidente da Saint-Gobain. “É isto que mata a vontade de investir.” Para fazer o PIB acelerar de forma consistente, falta aprovar algumas reformas, como a tributária e da Previdência Social. Mais do que a equipe econômica, é o Congresso Nacional que assumirá o comando dessa locomotiva a partir de agora.