Nem mesmo as empresas de tabaco, que faturaram US$ 683 bilhões em 2016, negam que fumar faz mal à saúde. No entanto, a gigante americana Philip Morris surpreendeu ao anunciar como “resolução de Ano Novo” que vai deixar de vender cigarros no Reino Unido. Faltou dizer quando. A jogada de marketing foi um passo ousado rumo à substituição dos cigarros convencionais por produtos alternativos, como os eletrônicos e os dispositivos de tabaco aquecido. Eles são vistos como o futuro do setor, e só a Philip Morris investiu US$ 3 bilhões em seu desenvolvimento nos últimos anos. Essa indústria precisa de um plano B: o faturamento global deve encolher US$ 7,7 bilhões até 2021, segundo a consultoria Euromonitor. “A iniciativa no Reino Unido reforça o compromisso global de longo prazo da Philip Morris de substituir cigarros por produtos de risco reduzido”, diz Fernando Vieira, diretor de assuntos corporativos da empresa no Brasil. Mas será que substituir o cigarro convencional pelo eletrônico muda algo? Não necessariamente.

O desafio da Philip Morris é enorme. Não será fácil convencer o consumidor de que boa saúde e fumo convivem bem. O cigarro, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a principal causa evitável de morte e doença no mundo. Vitimou 100 milhões de pessoas só no século 20. E não há consenso de que as soluções tecnológicas façam menos mal. “A postura da Philip Morris indica o caminho da indústria do tabaco nas próximas décadas, mas não representa uma guinada imediata. A mudança será gradual”, afirma Alessandro Planes, analista da indústria do tabaco. Ficar parada não é opção para a empresa. “É preciso ter um discurso transparente, assumir os erros do passado e, ao mesmo tempo, reconstruir o futuro da marca”, diz Francisco Saraiva Junior, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

No Brasil, a Philip Morris vende marcas como Marlboro e L&M e não poderá tentar substituí-las por produtos alternativos. Em 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu importar e vender cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido, por não encontrar provas científicas de que eles sejam mais seguros. A companhia agora aposta em uma consulta pública, a RDC 90, que pode fazer a Anvisa liberar alguns dispositivos. “Esperamos que a lei siga a tendência mundial de permitir o acesso a produtos de risco reduzido”, diz Vieira. Em 2014, a Philip Morris lançou o IQOS, dispositivo de tabaco aquecido, que fez mais de 3,7 milhões de consumidores abandonarem os cigarros tradicionais.

Outro desafio para a companhia é a queda no número de fumantes. Fumar é um vício que se adquire na juventude, e os jovens estão fumando menos. Segundo o Ministério da Saúde, 10% dos brasileiros fumam. É muito, mas 34% menos do que em 2006. O consumo de cigarros é de 13,2% na faixa entre 45 e 54 anos, mas cai para 7,8% entre 18 e 24 anos. “A OMS reconhece que haverá mais de um bilhão de fumantes em 2025. Essas pessoas não podem ser colocadas à margem das políticas públicas de saúde e não terem acesso a alternativas melhores do que cigarros”, defende Vieira. Segundo ele, estudos científicos indicam que a principal responsável pelas doenças relacionadas ao tabagismo é a combustão do cigarro, e não a nicotina. “Nossos estudos comprovam que a tecnologia de tabaco aquecido reduz a formação e a toxicidade de compostos tóxicos de 90% a 95%, comparadas ao cigarro tradicional”, diz Vieira.