O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a decisão do ministro Kassio Nunes Marques que suspendeu trecho da Lei da Ficha Limpa e livrou o caminho de políticos que concorreram nas eleições municipais de 2020, mas tiveram o registro barrado pela Justiça Eleitoral devido à legislação.

O recurso foi encaminhado para análise do presidente do STF, Luiz Fux, que pode derrubar a decisão de Nunes Marques durante o recesso do Judiciário, iniciado no último domingo, 20. O tribunal só retoma regularmente as atividades em fevereiro.

A decisão de Nunes Marques foi duramente criticada por integrantes do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministros ouvidos pelo Estadão avaliam que a determinação do magistrado é um “absurdo” e “relativiza regras já confirmadas pelo próprio STF”.

Jacques aponta uma série de obstáculos jurídicos que justificam a derrubada da liminar de Nunes Marques, entre eles a regra constitucional da anualidade eleitoral”, prevista na Constituição, que prevê que a “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

“O segundo obstáculo jurídico à decisão monocrática ora questionada consiste na clara redação do enunciado no 61 da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral: “[o] prazo concernente à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da LC no 64/90 projeta-se por oito anos após o cumprimento da pena , seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa”, apontou Jacques.

Para Jacques, a decisão do ministro também levou à quebra da isonomia no mesmo processo eleitoral, já que o afastamento da Lei da Ficha Limpa vale apenas para os candidatos com registro ainda pendentes de análise no TSE e no STF.

“Consequentemente, a decisão criou, no último dia do calendário forense, dois regimes jurídicos distintos numa mesma eleição, mantendo a aplicação do enunciado no 61 da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral aos candidatos cujos processos de registros de candidatura já se encerraram. Cria-se, com isso, um indesejado e injustificado discrímen, em prejuízo ao livre exercício do voto popular”, criticou o número 2 da PGR.

A decisão de Nunes Marques foi proferida no sábado, 19, às vésperas do recesso, e considerou inconstitucional um trecho da legislação que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas.

A ação foi proposta pelo PDT há apenas cinco dias, contra um trecho da Lei da Ficha Limpa, que antecipou o momento em que políticos devem ficar inelegíveis. Antes da lei, essa punição só começava a valer após o esgotamento de todos os recursos contra a sentença por certos crimes (contra a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente ou a saúde pública, bem como pelos crimes de lavagem de dinheiro e aqueles praticados por organização criminosa).

Com a lei, a punição começou imediatamente após a condenação em segunda instância e atravessa todo o período que vai da condenação até oito anos depois do cumprimento.

A decisão de Nunes Marques valerá especificamente para os políticos que ainda estão com o processo de registro de candidatura de 2020 pendentes de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo. É o caso, por exemplo, do prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), que teve o registro barrado pelo TSE. Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância em setembro de 2009, ele teve o registro eleitoral para 2020 autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas, no TSE, perdeu.

De acordo com o voto do ministro Edson Fachin, o prazo de oito anos de inelegibilidade deve ser contado a partir de 6 de maio de 2015, data em que foi finalizado o cumprimento da pena aplicada a Adair. O fundamento da decisão é exatamente o trecho da Lei da Ficha Limpa que, agora, o ministro Kassio Nunes Marques declarou inconstitucional.

A principal crítica, no meio jurídico eleitoral, é que a decisão modifica as regras da eleição de 2020 após a realização. A situação é incomum. Normalmente, as regras eleitorais só podem ser alteradas faltando um ano para a população ir às urnas. Leis aprovadas pelo Congresso em um prazo de menos de um ano para uma eleição, por exemplo, só valerão para a seguinte.