O mercado global de petróleo vive, no jargão da meteorologia, o fenômeno que costuma ser definido como ”tempestade perfeita”. Na astrologia, seria algo semelhante a um ”inferno astral”. Para o investidores, no entanto, a commodity se tornou sinônimo de puro prejuízo. Isso porque a combinação entre superprodução, consumo em queda em decorrência do arrefecimento da economia mundial e previsão de baixa demanda por muitos meses levou a uma situação inédita: os investidores estão pagando para se desfazer de contratos futuros. Em outras palavras, quem investiu em petróleo está com ganhos abaixo de zero — uma situação inédita desde que o ouro negro se tornou a matriz energética do planeta, a partir da Revolução Industrial, no século 19. No começo da semana, donos de contratos futuros para o barril tipo WTI, referência no mercado americano, ofereciam US$ 2 por barril para quem quisesse o papel. Mais tarde, a oferta chegou a US$ 40. Ou seja: o preço do WTI com entrega para maio caiu a inusitados -US$ 40.

“Se o petróleo se transforma em um ativo de rendimento negativo, significa que existe um descompasso entre oferta e demanda”, afirma Marios Hadjikyriacos, analista da XM Investimentos. “A cotação caiu tanto que os produtores estão pagando para se livrar do petróleo em seus portfólios de ativos”, diz. O problema é que, diferentemente do que ocorreu com o petróleo em outras crises globais, dessa vez a depreciação do valor do produto é algo que veio para durar. Entre os especialistas, há uma crença comum de que a retomada da atividade econômica global e o aumento da demanda por petróleo serão lentos e graduais. “O consumo de petróleo em todo o mundo desceu pelo elevador e vai subir pela escada”, comparou James Willians, presidente da consultoria WTRG. “A queda na produção anunciada na semana passada não terá efeito imediato porque ainda existe um volume recorde de reservas que será utilizado pelas maiores economias globais.”

Não só o petróleo tipo WTI derreteu em todo o mundo. No início da semana, o barril tipo Brent, o mais comercializado em todo o planeta, fechou com queda de 25,58% para os contratos com vencimento em junho, a US$ 19,02. Chegou a valer
US$ 18,10 durante a sessão da segunda-feira 20, o valor mais baixo desde dezembro de 2001. “O desafio do petróleo está no que chamamos de choque duplo, com baixa demanda e muita oferta”, explicou Bob Yawger, diretor da divisão de contratos futuros do Mizuho Bank. “Nunca na história vimos os dois lados do mercado tão alinhados até agora em favor da queda nos preços do petróleo.” Na terça-feira 21, os contratos para junho do Brent terminaram o dia negociados a US$ 19,33 o barril, um tombo de 24,40%, na ICE, em Londres.

Esse declínio histórico nas cotações ocorre mesmo depois de o cartel de grandes produtores, que inclui a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), e seus aliados, liderados pela Rússia (grupo conhecido pela sigla Opep+), terem acordado um tratado de trégua nas disputas em torno da produção diária. Ficou acertado, na semana passada, uma diminuição de cerca de 10 milhões de barris entre maio e junho. O pacto pretendia acabar com uma guerra de preços entre a Arábia Saudita, líder de fato do cartel internacional, e a Rússia, que ganhou força no momento de colapso da demanda devido à pandemia do novo coronavírus. “A mistura de dois cisnes negros, ou seja, a trágica disseminação da Covid-19 e a falta de acordo entre a Opep+ foram o gatilho dessa dramática crise”, escreveu Carlo Alberto De Casa, analista-chefe da ActivTrades, em um relatório divulgado na terça-feira 21.

Analistas estimam que o acordo da Opep+, que também incluía acertos para reduzir a produção diária de não-membros, como a Noruega e os EUA, não era suficiente para absorver o excesso de petróleo e compensar o choque à demanda exercida pelo novo coronavírus. “O acordo simplesmente não foi suficiente, com analistas estimando uma queda no lado da demanda de cerca de 30 milhões de barris por dia, três vezes o total de redução definido pela Opep+”, afirmou De Casa.

]Inegavelmente, o mercado global de petróleo vive uma situação de emergência. O desequilíbrio entre oferta e demanda está estimulando muitos países a estocar o produto, o que deve dar maior longevidade aos preços baixos e ao consumo anêmico. “O excesso de estoques vai agravar a desvalorização”, afirma, em nota, Jim Burkhard, vice-presidente e diretor de mercados de petróleo da IHS Markit. “A situação de emergência vai permanecer até que as ordens de ficar em casa sejam flexibilizadas e que os cortes de produção diminuam o severo excedente de suprimento de petróleo.” Tudo depende agora do tempo que essa tempestade perfeita, ou inferno astral, vai durar.