Mal superou aquele tradicional prazo de experiência de 90 dias dado a novos contratados, prática comum no mercado de trabalho, para que o general Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras desde abril, sentisse o tamanho da habitual interferência e dos discursos verborrágicos do presidente Jair Bolsonaro nas decisões da companhia. No último dia 6, a Petrobras anunciou reajustes nos preços de combustíveis e de gás de cozinha (GLP) nas refinarias. O valor médio de venda do litro da gasolina foi reajustado em 6,3%, ou R$ 0,16. O diesel subiu 3,7%, ou R$ 0,10 no litro. O preço médio do gás de cozinha foi impactado para cima em 5,9%, subindo para R$ 3,60 o quilo. Com o repasse, um botijão de 13 quilos, o mais usado, chega a R$ 46,68 nas revendedoras, um aumento acumulado de 38% em 2021. Para o consumidor, passa de R$ 100. Os reajustes estão atrelados, segundo a empresa, à alta do preço do barril do petróleo no mercado internacional.

No dia 8, o presidente reclamou em seu palanque mais comum, as redes sociais. “Todos me culpam, né? Tivemos agora, há dois dias, um aumento no preço dos combustíveis, e obviamente o mundo cai na minha cabeça”, disse Bolsonaro, em live feita na companhia do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.

Foi o primeiro reajuste na gestão do general, alçado ao comando da estatal justamente porque Bolsonaro vinha se irritando com a política de preços adotada pelo seu antecessor, Roberto Castello Branco, que foi demitido publicamente em fevereiro.

Divulgação REAJUSTES SEM FIM O sexto aumento do ano, no começo deste mês, irá refletir na inflação de 2021, segundo especialistas. Projeção inicial de 5,25% já atingiu 6,07%. (Crédito:Divulgação)

O aumento do início de julho foi o sexto do ano. O impacto do novo reajuste irá refletir, na avaliação de especialistas, na inflação. Boletim Focus do Banco Central do último dia 12 indicou projeção de inflação de 6,07% para 2021, acima do teto da meta, estabelecido a 5,25% (o centro da meta é de 3,75%). Há um mês, o índice era de 5,82%. Analistas de mercado apostam em número ainda maior até dezembro.

INTERFERÊNCIA Para Jorge Celestino Ramos, que foi diretor de refino e gás natural da Petrobras entre 2016 e 2018, na gestão de Pedro Parente e durante o mandato de Michel Temer, a interferência do controlador é prejudicial para a imagem da empresa. “Ainda é difícil julgar a gestão de Silva e Luna, que ainda não desenvolveu totalmente seu plano de negócios. Mas qualquer interferência é muito ruim”, disse. No entanto, ele reconhece a dificuldade de atender os interesses dos acionistas e, ao mesmo tempo, de segmentos econômicos do Brasil. “Uma coisa é o preço Petrobras e outra é o preço final do combustível. O governo tem sócios na empresa e por isso é importante olhar para a companhia e para a sociedade. O reajuste é inevitável tanto para o bem como para o mal.”

Na tentativa de suavizar o impacto da má notícia, a Petrobras diz que não repassa as possíveis volatilidades do mercado por causa de algum evento específico. A recuperação dos preços, muito ligada à necessidade de competição com os players internacionais, que praticam os valores externos, irá acontecer em um cenário mais extenso, pelo menos para essa nova direção. “O alinhamento dos preços ao mercado internacional é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras”, afirmou a companhia, em nota.

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“Fomos pegos de surpresa com esse novo aumento. Não dá para adotar política de reajuste desse jeito. O Brasil não suporta esse impacto” Plinio Nestor dias, presidente do conselho nacional do transporte rodoviário de carga.

Mas a explicação não alivia em nada. Pelo contrário. A política de alta no valor do diesel vem tirando da órbita de Bolsonaro um contingente importante que, até bem pouco tempo, ainda acreditava no discurso do presidente. Os caminhoneiros. No fim de junho, representantes da categoria se encontraram com Silva e Luna para solicitar a revisão de novos ajustes, mas não foram atendidos. A entidade divulgou uma carta ao presidente da República, cobrando uma resposta sobre caminhos para amenizar o impacto na alta do combustível.

Para o presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Carga (CNTRC), Plinio Nestor Dias, a falta de uma explicação convincente para o último aumento foi o mais recente componente para a paralisação da categoria, a partir do próximo dia 25, por tempo indeterminado. A entidade representa cerca de 40 mil motoristas profissionais em 22 estados brasileiros. “Os aumentos constantes prejudicam demais a população brasileira, em particular os caminhoneiros. Nossos fretes não são equiparados ao dólar para facilitar o pagamento dos combustíveis”, afirmou. “As empresas não repassam esse aumento e o reflexo fica na conta do trabalhador autônomo.” Segundo ele, cerca de 70% do valor do frete recebido é absorvido para abastecimento do caminhão. “Hoje, muitos caminhoneiros pensam duas vezes antes de trocar óleo e filtro porque sobra muito pouco”, disse o presidente da entidade.

Em 2018, os caminhoneiros pararam por 10 dias, o que causou enorme impacto nas contas do País. A reclamação era semelhante: reivindicação para a redução do preço do diesel. Precisou a intervenção do Exército, em alguns locais, para garantir a liberação de vias, e assim, garantir abastecimento de diversos itens em vários estados do Brasil. Segundo Dias, o sentimento em relação a Bolsonaro é de traição com a categoria. “Durante a campanha, ele gravou vídeos dizendo que, se ganhasse a eleição, ia acabar com a patifaria desse aumento constante. E recebeu o apoio. Mas até hoje a categoria não recebeu nenhuma ajuda”, disse. “Fomos pegos de surpresa com esse novo aumento. Não dá para adotar política de reajuste desse jeito. O Brasil não suporta esse impacto”, disse.

Yasuyoshi Chiba

“É difícil julgar a gestão de Silva e Luna, que ainda não desenvolveu totalmente o seu plano de negócios. Mas qualquer interferência é muito ruim” Jorge Celestino Ramos, ex-diretor de refino e gás natural da Petrobras.

Por outro lado, a empresa trabalha com um cenário de boas notícias para acionistas, com reforço para o caixa a partir da efetivação de parte do plano de desinvestimentos adotado pela companhia. No balanço do primeiro trimestre, a Petrobras reportou receita líquida de R$ 86,1 bilhões, alta de 14,9% sobre o mesmo período do ano passado. Também conseguiu reverter prejuízo de R$ 48,5 bilhões, nos três primeiros meses de 2019, para lucro líquido de R$ 1,16 bilhão.

Entre janeiro e março deste ano, a Petrobras confirmou vendas de ativos como a participação de 50% na BSBIOS, gigante do setor de biodiesel, unidades do parque eólico Mangue Seco no Rio Grande do Norte, 10% da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), além do Campo de Frade, no parte norte da Bacia de Campos. O valor das transações nesse período alcançou US$ 2,5 bilhões. No caixa da companhia entraram US$ 472 milhões.

Em fato relevante publicado no início de julho, a Petrobras informou o encerramento da oferta pública das ações da Petrobras Distribuidora (BR), no valor de R$ 11,3 bilhões. Com a conclusão, a empresa passa a não ter mais participação societária da BR. Até então, ela ainda tinha 37,5% da empresa.

Para Walter de Vitto, da Tendências Consultoria, ainda não há um novo formato de administração na companhia, apesar das bravatas de Bolsonaro quando tirou o então presidente da Petrobras da cadeira. Na prática, o consultor entende que o momento atual, com esta gestão, não é muito diferente da diretoria anterior, de Castello Branco. “O que há é talvez um pouco mais de cintura política por parte do Silva e Luna, mas sem nenhuma mudança fundamental na política que já vinha sendo desenvolvida”, afirmou. “Não enxergo ruptura desse modelo. As privatizações continuam e a política de preço pode ficar mais estável, mas sempre com referência do mercado externo.”

ALAVANCAGEM Mauricio Salla, executivo da Indústria de Energia da Crowe Macro, oitava maior rede global nas áreas de auditoria e consultoria, entende que o plano de desinvestimento é muito mais complexo do que simplesmente vender ativos. “Tem a ver com a alavancagem da empresa. Para ela operar determinados tipos de poços, ela precisa de muitos recursos financeiros. Para isso, foca na concentração daquilo que é mais eficiente, que é a exploração do pré-sal”, disse. “Do ponto de vista corporativo, é uma decisão acertada. Deixa outras operações para empresas menores e assim fica mais enxuta.” Para Jorge Celestino, é necessário enxergar o futuro da empresa em um cenário enxuto. “A Petrobras viveu um momento difícil de caixa e foi necessário olhar para o core business da companhia. Tanto a nossa gestão quanto a do Castello Branco deixou a empresa viável financeiramente. Agora há outros desafios, como a questão energética e a descarbonização.”

Tarefa das mais difíceis para quem precisa garantir a governança da companhia, enxergar o caixa, gerar lucros e ainda aguentar os gritos vazios daquele que deveria garantir a blindagem da companhia. O desafio de Silva e Luna é árduo. E só começou.