A frase a seguir não tem nenhuma ironia: a confirmação, ou não, dos nomes dos engenheiros José Mauro Ferreira Coelho e Márcio Weber para a presidência e a chefia do Conselho de Administração da Petrobras é o aspecto menos relevante do tumultuado processo de sucessão na estatal iniciado na segunda-feira, 28 de março. O que interessa mesmo é a capacidade (ou não) de Coelho e Weber manterem uma gestão baseada em critérios técnicos, e não políticos. Ou seja, definirem os preços dos combustíveis de olho nas oscilações da cotação internacional do petróleo, e não nas mudanças nas preferências do eleitorado.

Rememorando. Em 28 de março, o presidente Jair Bolsonaro anunciou sua decisão de destituir o general Joaquim Silva e Luna do comando da estatal. No dia seguinte, o consultor Adriano Pires e o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, foram indicados. E em seguida surgiram impedimentos devido a potenciais conflitos de interesse. A saber, a proximidade de ambos com empresas do setor.

A consultoria de Pires, a Companhia Brasileira de Infraestrutura (CBIE), é contratada da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) e tem como clientes a Comgás e a Cosan, as petrolíferas americanas Chevron e Exxon Mobil, anglo-holandesa Shell e até mesmo a Dommo Energia, nova denominação da OGX, de Eike Batista. Também presta serviços para Odebrecht e Braskem. Confrontado, Pires tentou sugerir uma transferência do comando da consultoria para seu filho, mas a proposta não prosperou.

Já Landim entrou na Petrobras por concurso em 1980 e permaneceu na estatal até 2006. Nesses 26 anos ele teve uma carreira brilhante. Foi superintendente de produção no Nordeste, superintendente-geral na região Norte e presidiu a BR Distribuidora entre 2003 e 2006. Naquele ano, se associou a Eike Batista e foi presidente da petroleira OGX e da OSX, além de comandar a mineradora MMX. Apesar de isso ser história relativamente antiga e de Landim ter processado Batista, a diretoria de conformidade da Petrobras achou mais seguro levantar restrições ao nome do executivo.

Durante o fim de semana, Landim mandou avisar que não iria aceitar o cargo. O mesmo se deu com Pires na segunda-feira (4). E, finalmente, na noite da quarta-feira (6) foram indicados os nomes de Coelho e Weber, escolhidos pelo almirante Bento Albuquerque, titular da pasta das Minas e Energia. Correndo por fora estava o secretário de Desburocratização, Caio Paes de Andrade, assessor e homem de confiança de Paulo Guedes. No entanto, Albuquerque bateu o martelo a favor de executivos mais próximos a seu próprio ministério.

Em termos técnicos, os indicados são profissionais capacitados para o cargo. Coelho preside o Conselho de Administração da Pré-Sal Petróleo (PPSA), que cuida das jazidas do pré-sal, e já foi secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Weber, que foi sondado até para a presidência da Petrobras, já é membro do Conselho e tem uma longa trajetória na empresa. Foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da Bacia de Campos e foi executivo no Brasil e no exterior.

Além de suas trajetórias, Coelho e Albuquerque possuem um trunfo indisponível a Pires e a Landim: seus nomes já passaram pelo escrutínio dos departamentos de governança da estatal. Mais especificamente, um órgão pouco conhecido até agora: o Comitê de Elegibilidade. Criado com base na Lei das Estatais, aprovada em 2016, esse Comitê destina-se a tentar debelar uma praga que chegou ao Brasil no porão das caravelas de Pedro Álvares Cabral: as nomeações políticas. Pouco conhecidos fora do serviço público, os comitês de elegibilidade ganharam relevância e a capacidade insuspeita de, até certo ponto, barrar as indicações (leia o quadro).

TÉCNICA E POLÍTICA O uso político das estatais é coisa antiga, mas a Petrobras sempre foi o caso mais evidente, por vários motivos. Um deles é o tamanho do negócio. É a maior empresa brasileira, com uma receita de R$ 452 bilhões em 2021. Outro é a importância estratégia e a sensibilidade política dos preços dos combustíveis em um país onde 70% das cargas dependem de caminhões movidos a óleo diesel. E, finalmente, a opacidade estrutural da atividade. Extrair petróleo de uma jazida localizada a milhares de quilômetros abaixo do nível do mar é trabalho de especialistas. Sem controles rígidos e governança adequada, é fácil alterar números. Assim, desde sua criação em 1953, a Petrobras esteve envolvida em um conflito: de um lado, seu corpo técnico, formado em sua grande maioria por engenheiros e funcionários de carreira. De outro, as indicações políticas para cargos de comando, cujos interesses não estiveram sempre alinhados com as melhores práticas republicanas.

Os problemas atingiram o auge na década passada, quando os escândalos do Petrolão e da Lava Jato motivaram mudanças drásticas. Em 2015, a petroleira teve de fazer um ajuste contábil — denominado impairment — que provocou prejuízo de R$ 21,6 bilhões em 2014. O enrosco transcendeu as fronteiras. Por ter ações negociadas no mercado americano, a Petrobras foi objeto da maior “class action”, ou processo conjunto, dos Estados Unidos. Todos os gringos que compraram ações entre 2010 e 2016 sentiram-se lesados pelos balanços manipulados da estatal. O processo foi amplo, demorado, e obrigou a Petrobras a pagar quase US$ 1 bilhão de indenização.

Tudo isso levou à aprovação da Lei 13.303 em 2016. Apelidada de “lei das estatais”, a nova norma visa dificultar indicações políticas. Pelas novas regras, todos os administradores e conselheiros indicados para as estatais têm de cumprir requisitos claramente definidos nos estatutos da companhia. Podem ser exigências como formação acadêmica, conhecimento técnico ou a ausência de conflitos de interesse — caso de Pires e sua lista de clientes, por exemplo.

INFLUÊNCIA DO GOVERNO Mesmo com as regras mais rígidas, o temor é se Bolsonaro vai aproveitar a troca de comando para passar a interferir nos preços dos combustíveis. Os investidores lá fora esão preocupados. “Bolsonaro não tem demonstrado nenhuma timidez em se envolver com assuntos corporativos das estatais. A Petrobras é uma boa pagadora de dividendos, mas a imagem do presidente é ruim para a companhia”, disse o especialista em petróleo de Nova York, Michael Wiggins, que acompanha as ações da Petrobras.

Nesses momentos, renasce a discussão de qual a função da Petrobras: remunerar seus acionistas ou garantir combustível abundante e barato para os brasileiros? O lucro recorde de R$ 106,7 bilhões em 2021 faz com que essa pergunta seja cada vez mais formulada. Para o pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), Eduardo Costa Pinto, a política de preços precisa ser revista. “Os lucros são fruto do aumento dos preços dos derivados do petróleo e tudo isso afeta toda a população, principalmente os mais pobres. ” Em tempos de eleição, é tentador para os governos usarem a Petrobras como cabo eleitoral, em detrimento dos acionistas — a saber, toda a sociedade brasileira. E esse é o dilema que se apresenta para o novo comando e para o futuro da Petrobras.