Os políticos costumam dizer que a versão é mais importante do que os fatos. Na tentativa de mudar a narrativa sobre os combustíveis, pauta economicamente sensível e eleitoralmente explosiva, Jair Bolsonaro vestiu um hipotético uniforme de frentista. Para agradar motoristas e caminhoneiros – um dos pilares de sua base eleitoral – ele trocou o comando da Petrobras. Após algumas semanas de fritura relativamente discreta (para os padrões presidenciais), saiu o general da reserva Joaquim Silva e Luna, que será substituído pelo economista Adriano Pires, decisão anunciada na segunda-feira (28).

Até aqui, apenas fatos. Porém, a partir da posse de Pires, agendada para o dia 13 de abril, o conflito de narrativas vai ganhar intensidade. O presidente indicado é um conhecedor profundo do setor de energia. Fundou a consultoria Centro Brasileiro de InfraEstrutura (CBIE), coordenando projetos e estudos para a indústria de gás natural, a política nacional de combustíveis, o mercado de derivados de petróleo e gás natural. E tem criticado o controle de preços.

Todas as semanas, a CBIE publica sua estimativa de defasagem dos preços do petróleo. E na noite da segunda-feira (28), ele publicou em suas redes sociais considerar “baixo” o risco de intervenção nos preços da Petrobras antes das eleições. Citva duas razões. Considerava que o compliance da estatal melhorara após a Lava Jato. E avaliou que se Bolsonaro interviesse nos preços, seria acusado de repetir da estratégia de Lula e Dilma Rousseff.

Alaor Filho

“A Petrobras tem responsabilidade social? Tem. Pode ser usada como política pública? Não. Como política partidária? Jamais!” General Silva e Luna atual presidente da Petrobras.

Tudo parece certo. Porém, na quarta-feira (30) a Petrobras seguiu um protocolo obrigatório que coloca em xeque as expectativas de continuidade da política atual. Com ações em Wall Street, a estatal presta contas à Securities and Exchange Commission (SEC), equivalente americana da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em um formulário do tipo 20-F, enviado à SEC, a estatal informa que o governo pode alterar a política de preços da companhia por decisão de “uma nova diretoria ou um novo Conselho de Administração”. No mesmo dia a CVM abriu um processo administrativo para apurar o porquê de as notícias da substituição terem sido divulgadas pelo Ministério das Minas e Energia sem a obrigatória manifestação da estatal.

É fato que uma declaração semelhante foi entregue à SEC no ano passado, quando Roberto Castello Branco deu lugar a Silva e Luna. E a CVM também abriu um inquérito semelhante. E, assim como há um ano, o comportamento do novo comandante da estatal segue uma incógnita. No discurso, Pires é crítico de interferência nos preços e até defende a privatização da Petrobras. Assim, ao mesmo tempo em que sinaliza a manutenção da política de preços para agradar o mercado, a troca indica – pelo menos na narrativa – que Bolsonaro não deixará a classe média motorizada e os caminhoneiros desassistidos.

PRESSÃO O presidente vinha sendo pressionado havia semanas pelo Centrão para encontrar uma solução para a alta dos combustíveis, eleitoralmente tóxica. No entanto, os parlamentares encontraram em Silva e Luna um executivo para eles irritantemente comprometido com a governança da estatal. E o general contrariou o capitão, que havia pedido mais prazo antes do reajuste dos combustíveis, anunciado em 10 de março. Foi quando a base bolsonarista na Câmara se mexeu. Um dos deputados, que conversou com a reportagem, afirmou que Pires foi ideia dos articuladores do PL e que o presidente “pensou muito, conversou bastante e tomou a melhor decisão para o Brasil”. Falando na condição de anonimato, ele disse que a decisão “desagradou a ala militar, mas será muito bem recebida pelo povo”.

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“Os riscos de intervenção nos preços da Petrobras, neste período que antecede as eleições, são baixos ” Adriano Pires futuro Presidente da Petrobras.

Silva e Luna decidiu sair atirando. “A Petrobras tem responsabilidade social? Tem. Pode fazer política pública? Não. Pode fazer política partidária? Menos ainda”, afirmou ele durante palestra no Superior Tribunal Militar (STM). Em um giro pela Europa para conversar com investidores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o problema era de outrem. “Eu penso que a gente deveria privatizar a Petrobras, mas eu não tenho votos, sou só um ministro da Economia”, disse ele. Guedes deve ter se esquecido que Pires defende criar um fundo de amortecimento para a oscilação do preço do petróleo. Em momentos de preço baixo, parte do ganho da estatal fica reservado para subsidiar os consumidores nos momentos de alta. Pires não consegue implementar algo assim sem a participação de Guedes. Caberá à equipe econômica desenhar como se dará esta transferência de dividendos. Se feito pelo Tesouro Nacional, será mais uma rachadura no trincado Teto de Gastos. Se for uma despesa fora do Teto, ela exigirá uma solução que não desrespeite a Lei de Responsabilidade Fiscal. Além do Ministério da Economia, a discussão vai envolver o Congresso Nacional.

Se o mercado parece receber bem a mudança, é a falta dela que tem frustrado os caminhoneiros. Wallace Landim, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava) não se diz otimista com a troca, e teme que a estratégia seja apenas um balão de ensaio. “O que Bolsonaro está fazendo é ganhar tempo.” Segundo o caminhoneiro, a categoria está sem forças, e o governo não cumpriu com as promessas de amparo ao motorista. No frigir dos ovos (ou de ministros-generais), mais importante do que a versão escolhida da história, é perceber se quem vai ouvir a mensagem ainda acredita em você.