A Petrobras, maior empresa brasileira, produziu nos últimos anos tanta notícia ruim quanto petróleo. Entre 2013 e 2018, em ranking elaborado pelo Bank of America, a estatal carregou nos ombros o vexaminoso título de companhia mais endividada do mundo, com um arriscado programa de investimentos de US$ 237 bilhões para exploração em águas profundas e em áreas do pré-sal. Se a aposta era boa com o petróleo acima de US$ 100, se tornou um fiasco aos olhos do mercado com a cotação na casa de US$ 30. A dívida chegou a custar US$ 7,5 bilhões de juros por ano aos caixas da empresa. Em 2016, a ONG alemã Transparência Internacional concedeu à petrolífera brasileira a vice-colocação da lista dos maiores escândalos de corrupção do mundo, atrás apenas do caso do ex-presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, que fugiu para a Rússia depois de saquear os cofres públicos e mergulhar a economia em uma crise sem precedentes. E não parou aí. Quando havia mensalão, petrolão e distribuição de cargos públicos a políticos, lá estava a Petrobras. Quando se divulgava a compra de refinarias mundo afora por valores suspeitos e reparte de verbas de publicidade apenas a veículos de comunicação alinhados ao governo, na tentativa de abafar denúncias que pudessem prejudicar políticos de alto escalão, seus filhos e amigos, lá estava — e ainda está — a Petrobras.

Tudo isso, no entanto, pode ter ajudado a companhia a criar maturidade. É o que a empresa sinalizou na última semana, ao revelar o novo Plano Estratégico para o período 2021-2025, aprovado pelo conselho de administração. O documento, basicamente, reforça o compromisso de se tornar mais robusta financeiramente, cautelosa em suas decisões de investimentos, transparente e sintonizada com questões ambientais. Na esfera financeira, a ordem é investir menos e melhor. “Privilegiamos valor sobre volume. Nosso objetivo não é maximizar volume, é maximizar valor”, afirmou o presidente, Roberto Castello Branco, durante conferência com analistas na segunda-feira (30), e ao defender a redução nas metas de produção nos próximos cinco anos. O executivo garantiu ainda que vai acelerar a venda de ativos. “Temos mais de 50 ativos à venda, com muitas transações chegando ao estágio final.”

“CENA ERRÁTICA” O plano, segundo Castello Branco, consiste em encolher em tamanho para crescer em rentabilidade. Os investimentos devem cair de US$ 75,7 bilhões do ciclo anterior (2020-2024), para US$ 55 bilhões no próximo, um corte de mais de 30%. Desse total, US$ 46 bilhões estão previstos para exploração e produção no pré-sal, ainda considerado valioso e com potencial de longo prazo. Em terra firme, está previsto o corte de mais de 50% em investimentos em refino, de US$ 8 bilhões para US$ 3,7 bilhões. “O plano mostra que empresa reconhece que a cena segue errática”, disse Ilan Arbertman, analista da Ativa Investimentos. “Isso está no próprio preço e na inclinação mais baixa da curva de produção.”

O processo de fechar a torneira dos gastos, selecionar melhor as prioridades e vender ativos pouco rentáveis já está em execução. A companhia anunciou na semana passada que tem como meta alcançar um volume de produção de 2,75 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/dia) em 2021, alcançando 3,3 milhões de boe/dia ao fim do período. No plano anterior, a expectativa era chegar ao volume de 3,5 milhões de barris de óleo equivalente por dia em 2024.

Neste ano, a cautela e o desapego de ativos ruins ou pouco rentáveis já têm ditado o ritmo da empresa. Entre janeiro e setembro, a companhia conseguiu levantar US$ 1 bilhão com desinvestimentos, abaixo dos US$ 16 bilhões de 2019, mas na mesma trajetória. Segundo Castello Branco, o desenvolvimento dos processos de vendas foi afetado pela pandemia da Covid-19. A nova meta da companhia é vender de US$ 25 bilhões a US$ 35 bilhões entre o ano que vem e 2025. A projeção de desinvestimentos é superior à anunciada anteriormente e que somava algo entre US$ 20 a US$ 30 bilhões.

Castello Branco garante que a empresa vai cumprir a meta de fechar 2021 com oito das suas 13 refinarias vendidas, como determinou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Das refinarias colocadas à venda, seis estão com processo adiantado. No início de 2021, será a vez de receber propostas vinculantes para as duas unidades com processo mais atrasado, Renest (PE) e Regap (MG). “Vamos receber as ofertas vinculantes da Repar (PR) e da Refap (RS) no dia 10 de dezembro, seis refinarias estão com a venda avançada e duas vão ter ofertas vinculantes no início do ano que vem”, disse Castello Branco, confirmando que as oito unidades serão vendidas até o final de 2021, como acordado com o Cade.

Bruno Santos

“Privilegiamos valor sobre volume. Temos mais de 50 ativos à venda, com muitas transaçõesem estágio final” Castello Branco, presidente da Petrobras.

Nesse tema, tudo indica que novidades serão divulgadas em breve. Segundo a diretora de Refino e Gás Natural, Anelise Lara, nas próximas semanas será assinado o contrato de venda da Rlam (BA), e em nove meses o ativo será entregue. A Petrobras vai criar uma estatal para cada refinaria para facilitar a venda. De acordo com o diretor de Comercialização e Logística, André Chiarini, após a venda das refinarias a Petrobras poderá aumentar as exportações de petróleo bruto. Mas a tendência é de que os novos donos das unidades adquiram a commodity no mercado interno, seja da Petrobras ou dos outras empresas do setor. “Não faz sentido econômico importar petróleo, mas podemos também aumentar a exportação”, disse Chiarini.

Enquanto vende ativos e reduz investimentos, a Petrobras também pretende diminuir o peso das dívidas. A companhia realizou em novembro um pré-pagamento de US$ 2 bilhões em títulos. Em seu plano estratégico para até 2025, a companhia manteve a meta de reduzir a dívida bruta para US$ 60 bilhões em 2022. Ao fim de setembro, a dívida bruta da companhia estava em US$ 79,6 bilhões, uma redução de US$ 31 bilhões desde o começo de 2019, quando Castello Branco assumiu a presidência.

Segundo análise da XP, os objetivos estabelecidos pelas Petrobras para o quinquênio endossam que a companhia está determinada a diminuir o endividamento e priorizar ativos de melhor retorno. Para o BTG Pactual, o plano, mais conservador do que o esperado, indica que “a Petrobras está adotando uma abordagem mais prudente para o crescimento e a criação de valor, ao mesmo tempo em que reconhece que a desalavancagem e a discplina de alocação de capital permanecem os principais fundamentos da trajetória da ação”, disse, em relatório. A Mirae Asset também acredita que a notícia é positiva para a Petrobras, “que deverá continuar focando em ativos estratégicos, retorno e desalavancagem”.

PRIORIDADE NO PRÉ-SAL Os investimentos da companhia serão direcionados à exploração de petróleo em águas profundas, consideradas as de maior potencial de retorno nos próximos anos. (Crédito:Steferson Faria)

SUSTENTABILIDADE Nos quesitos meio ambiente, responsabilidade social e governança (ESG), a Petrobras reforçou seu compromisso com a descarbonização de seus produtos e processos. Incluiu metas de redução de emissões das operações em 25% até 2030 e da produção em 32% até 2025. “A companhia está se mostrando aberta a dialogar em prol de avanços na pauta verde”, disse Arbertman. “Sabemos que há muita coisa a ser feita. Um dos setores mais problemáticos dessa pauta é o de óleo, então o movimento é positivo.”

Se o plano da Petrobras sair do papel, a companhia brasileira tem tudo para resgatar o orgulho e reputação que já teve no passado. Para chegar lá, a Petrobras terá de ser menos Brasília e mais Brasil.