Há dez anos, logo que começou a cursar biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o estudante Rômulo Neris deixou de lado a paixão de infância por dinossauros e passou a pesquisar algo muito menor, mas potencialmente mais danoso para sua terra natal, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense: o vírus da dengue.

O trabalho minucioso nos laboratórios na universidade foi despertando a curiosidade de cientista e as pesquisas sobre dengue evoluíram para as de outros vírus transmitidos por mosquitos ou moscas. Uma década depois, já com o título de mestre e prestes a se tornar doutor, Neris agora está unindo sua expertise no estudo de viroses ao esforço mundial para encontrar um tratamento e uma vacina comprovadamente eficazes para combater o novo coronavírus.

Aos 27 anos, o pesquisador que nasceu, cresceu e ainda mora na cidade da Baixada Fluminense ganhou uma bolsa da Dimensios Sciences, uma organização fundada por uma brasileira e sediada nos Estados Unidos, para estudar o vírus causador da covid-19. A missão de Neris é ajudar a entender como efetivamente o novo coronavírus age no corpo humano.

“Não existe um tratamento totalmente eficiente ou vacina, porque ainda não entendemos os mecanismos da doença, como o vírus age, o que ele faz. Para a gente combater uma doença é preciso primeiro entendê-la, identificar seus diferentes aspectos e o que acontece nas células durante a infecção”, explica. “A gente não consegue pular essa etapa e já partir para um tratamento.”

Para estudar o coronavírus, Neris vai deixar momentaneamente de lado suas pesquisas sobre o chikungunya, tema central de sua tese e que o levou a ficar nove meses fazendo parte de seu doutorado na Universidade da Califórnia em Davis. A bolsa para estudar o coronavírus é de três meses, prorrogáveis por igual período.

‘Lockdown’

Rômulo Neris foi para a Califórnia em agosto do ano passado graças a uma bolsa da Fulbright, um programa que oferece ajuda para a realização de doutorado sanduíche nos Estados Unidos. Ele ficou por lá até maio, período em que os EUA enfrentaram uma fase crítica da pandemia com relativo sucesso. A vivência em território fez o brasileiro se assustar com a forma como Brasil está encarando a doença.

“Nos Estados Unidos, no início da pandemia houve certa apreensão. Os primeiros casos na Califórnia foram em março, e logo no início daquele mês os prefeitos sinalizaram que poderiam adotar o ‘lockdown’. A resposta da população foi muito rápida. Apenas farmácias, hospitais e supermercados puderam ficar abertos, e a população respeitava, não saía de casa. Isso foi uma das coisas que fez com que a quantidade de casos estabilizasse, diferente do que aconteceu em Nova York”, conta.

O doutorando admite ter ficado “estarrecido” ao voltar ao Brasil. “As pessoas não adotaram o isolamento, a prefeitura de Duque de Caxias não sinalizou nada nesse sentido. A gente está indo na contramão do mundo, o Brasil nem sequer se fechou de fato. E as consequências são claras”, diz, fazendo referência ao alto índice de infectados e mortes no País.

A experiência do pesquisador nos Estados Unidos também demonstrou outro aspecto que o Brasil precisa muito correr atrás: a valorização e o acesso à pesquisa.

“Uma coisa que vejo de diferente é que o fomento à pesquisa lá é muito maior, e tem muita facilidade de acesso a insumo. Por exemplo, quando a gente compra um reagente no Brasil, mesmo que você tenha toda a documentação e justificativa, é muito caro e leva pelo menos um mês para chegar, às vezes dois ou três. Lá, a gente conseguia em 24 horas.”

Oriundo de uma família de classe média-baixa, filho de um ferroviário e de uma auxiliar administrativa – hoje formada em pedagogia -, Rômulo também aponta para outra dificuldade em se fazer pesquisa no Brasil: a falta de incentivo ao próprio pesquisador.

“Tenho muitos amigos tão bons ou até melhores do que eu que estão deixando de lado por causa das dificuldades. A bolsa muitas vezes acaba sendo usada pra poder pagar alimentação e transporte, e há cada vez mais cortes. Se você for olhar os países que atravessaram a fase mais aguda da doença, como Alemanha ou mesmo os Estados Unidos, verá que são países que investem em pesquisa.”

E há ainda a questão cultural. “Há muita descrença por parte da população sobre a importância da pesquisa. A gente pode pegar o exemplo da cloroquina. Ensaios pré-clínicos não demonstraram evidências de que ela poderia ser eficaz no combate ao coronavírus em humanos, mas esse debate saiu do âmbito acadêmico para virar uma discussão política”, lamenta.