Israel acordou nesta quarta-feira (24) com uma grande surpresa após as eleições legislativas: a entrada no Parlamento de um pequeno partido islâmico cujo apoio pode ser crucial para formar um governo.

As pesquisas sobre a apuração das urnas não apostaram muito em Mansour Abas, mas à medida que os votos foram sendo contados, ficou claro que seu partido, Raam, entraria no Parlamento.

De acordo com a contagem de 90% dos votos, Raam obteve ao menos 155.000 votos do total de 4,42 milhões. Ou seja, pelo menos 3,5%, acima do limite de 3,25% que permite a entrada de um partido no Knesset, o Parlamento israelense.

Segundo as projeções, esse resultado concederia cinco deputados para a formação de Abas, que nos últimos meses saiu da “Lista Unida” dos partidos árabes para fazer sua própria campanha.

– A favor da normalização –

Os árabes israelenses, descendentes dos palestinos que permaneceram em suas terras após a criação do Estado de Israel em 1948, representam cerca de 20% da população.

Esta minoria enfrenta uma onda de violência intracomunitária, é frequentemente considerada vítima de discriminação em relação à maioria judaica e acusa as autoridades de não investigarem estes atos de violência.

Mansur Abas, um dentista, quebrou um tabu ao se mostrar “disposto” a trabalhar com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, para combater essa violência, o que favoreceu sua saída da lista dos partidos árabes.

Abas surgiu do Movimento Islâmico, uma organização de defesa dos interesses dos muçulmanos que se dividiu em duas partes na década de 1990: o braço norte se opôs aos acordos de paz de Oslo entre Israel e os palestinos, e o sul foi favorável aos acordos.

Abas, que mora no norte de Israel, se comprometeu a favor do braço sul do movimento, que concentra o apoio entre os beduínos no deserto do Negev.

Este lado concordou em entrar no jogo eleitoral israelense e saudou os acordos de normalização prometidos por Netanyahu nos últimos meses. Afirmou, ainda, que está disposto a servir de “ponte” entre Israel e os países árabes (Emirados, Bahrein, Sudão, Marrocos).

No dia seguinte às quartas eleições legislativas em dois anos, Abas agora é cortejado por Netanyahu e seu rival centrista, Yair Lapid.

Embora o partido Likud, de Netanyahu, esteja à frente nos resultados, não tem apoio suficiente com seus aliados (partidos ultraortodoxos e de extrema-direita) para ganhar a maioria das 61 cadeiras necessárias para formar um governo.

O primeiro-ministro em saída apela ao chefe da direita radical Naftali Bennett para se juntar à sua causa. Mas, de acordo com resultados parciais, ainda seria insuficiente para atingir o limite da maioria crucial.

– “Não há linha vermelha” –

Daí surgem as perguntas sobre se Mansour Abas poderia apoiar Netanyahu. E se a extrema-direita, hostil aos árabes, poderia aceitar aderir a esse tipo de coalizão.

“Ainda há uma chance de Netanyahu conseguir 61 assentos (…) mas isso vai depender dos elementos mais radicais da sociedade israelense”, afirmou na quarta-feira Yohanan Plesner, diretor do Instituto Democrático de Israel, um centro de pesquisas em Jerusalém.

“Não há linha vermelha para Mansour Abas na cena política israelense. Ele pode flertar com todas as partes (…) É uma questão de pragmatismo e números”, ressalta Amal Jamal, professor de ciência política da Universidade de Tel, à AFP.

Mas os partidos da direita nacionalista podem relutar em permitir que a formação de um governo dependa de alguém que consideram um “apoiador do terrorismo”.

No outro campo, Yair Lapid também pode precisar de Abas para retirar Benjamin Netanyahu do poder.

Para obter a maioria, o líder centrista agora precisa, além de seus aliados tradicionais, o apoio de dois dos seguintes três partidos: o de Naftali Bennett, o restante da “Lista Unida” de partidos árabes e a formação do Abas.

Em uma estação de rádio local, o principal interessado foi claro: “Estamos dispostos a falar com todos”.