Quem nunca quis dar aquela tacada certeira e mudar de vida? Com os investimentos na renda fixa em baixa, a B3 passou a significar essa possibilidade. Depois de um ano de recordes, quando a quantidade de investidores praticamente dobrou — alta de 92% entre 2019 e 2020, chegando a 3,2 milhões —, a bolsa incorporou mais 330 mil contas no primeiro trimestre de 2021, elevação de 10% na carteira total. Mais do que o número de pessoas, no entanto, foi a alta média dos papéis que chamou a atenção. O Ibovespa chegou a quebrar a barreira dos 130 mil pontos e o crescimento no primeiro semestre foi de 6,7%. Em meio a esse bom momento, um grupo de empresas performou de maneira ainda mais agressiva, com altas de até 490%. Quem investiu R$ 100 mil no começo de janeiro teria hoje R$ 590 mil.

Para qualquer novato, a reação deveria ser correr para elas. Para quem entende do mercado, no entanto, o pedido é cautela. “O investidor brasileiro está mais maduro e não cai mais na história de ação que sobe 30% ou 40% toda hora”, afirmou à DINHEIRO Flávio Conde, head de Renda Variável da Levante. Pedro Galdi, da Mirae Asset, vai na mesma linha: “Elas não têm liquidez. Qualquer um pode vender pelo preço que quiser”. Por esse motivo, buscar esses achados que mais se parecem com bilhetes premiados de loteria envolve estar muito bem assessorado.

“Investidor brasileiro está mais maduro e não cai mais na história de ação que sobe 30%, 40% toda hora” Flávo Conde Levante.

Das empresas que integram o Top 10 de altas — Inepar (valorização de 490,01%), Heringer (478,38%), JB Duarte (364,23%), Viver (359,27%), Panatlantica (285,86%), Cosern (260,14%), Atmasa (234,78%), Nordon (233,86%) e Meliuz (228,75%) e Plascar (224,87%) —, nenhuma quis se pronunciar sobre o desempenho. Não é de estranhar o silêncio. “Quase todas essas empresas estão em processo de recuperação judicial”, afirmou Conde, da Levante. Segundo Pedro Galdi, se alguém aparecer na Mirae com esse tipo de carteira, ele aconselharia a vender na hora. “Isso não é ação para um investidor com o mínimo de instrução”, disse.

De toda forma, no clube de empresas que tiveram seus papeis valorizados na casa dos 100% no semestre é possível encontrar alguns achados. Na Positivo, por exemplo, as ações subiram 149,33% nos seis primeiros meses de 2021. Caio Moraes, vice-presidente de Finanças e Relações com Investidor da empresa, diz que o grupo mudou o relacionamento com seus acionistas. “Além disso, ampliamos o portfólio”, disse. “Nossa estratégia é ter o mais completo portfólio do mercado e operar todos os canais de grande e pequeno varejo.” Galdi, da Mirae, diz que a Positivo é uma empresa que tem fundamentos. Conde concorda. “Ela foi favorecida pelo home office e é uma companhia que trabalha o marketing, consegue se posicionar muito bem no mercado, sabe usar as estratégias certas nas oportunidades que estão tendo”, afirmou.

“É preciso tomar muito cuidado com esse tipo de papel. São ações sem liquidez. Qualquer um vende pelo preço que quiser ” Pedro Galdi Mirae Asset.

Na Eternit, os papéis tiveram forte alta de 75,6% neste ano e de impressionantes 310% em 12 meses. “A empresa deixou um cenário crítico de recuperação judicial com um verdadeiro ‘cavalo de pau’ ”, afirmou Galdi. “As ações subiram porque ela saiu de uma linha de produtos que não davam resultado e eram tóxicos (amianto) e foi para algo sustentável, como as telhas fotovoltaicas.” Luis Augusto Barbosa, CEO da Eternit, afirmou à DINHEIRO que o resultado reflete também um projeto de reestruturação da companhia, que está crescendo desde 2017. “Estamos repaginando desde os portfólios de negócios até as partes administrativas, de custos. É um ciclo amplo de reestruturação que está se encerrando agora, e com sucesso”, disse. “Estamos otimistas, porque a economia já está retomando e a construção civil foi muito beneficiada com a pandemia. Isso nos ajudou.”

CARTEIRA Outra que apresentou performance agressiva e traz, também, fundamentos que justificam é a Lupatech. Os papéis saltaram 122% em um semestre. Rafael Gorenstein, seu CEO, credita o resultado à reforma e reestruturação da companhia. “Dívidas zeradas, renovação do sistema operacional e gestão de contingências estão na base desse resultado”, afirmou à DINHEIRO. “Promovemos os produtos que já tínhamos no mercado e inovamos com outros.” Para Conde, da Levante, a empresa, envolvida no escândalo da Lava Jato na Petrobras, melhorou a partir do primeiro trimestre de 2020. “A carteira de pedidos pulou de R$ 20 milhões para R$ 171 milhões em 2020 e estava em R$ 198 milhões no primeiro trimestre de 2021”, disse. “Isso indica que ela pode crescer nos próximos anos, o que animou o mercado.” Em suma, o segredo é que não há segredo. Performances agressivas precisam estar lastreadas em gestão com fundamentos sólidos.