Quando fez sua apresentação ao conselho de administração da startup de transporte Uber, o executivo iraniano Dara Khosrowshahi, que comandava o site de viagens online Expedia, mostrou aos que lhe entrevistavam para a vaga de CEO sua visão sobre o futuro da companhia. No final, um de seus slides deixava uma mensagem enigmática: “Não me liguem. Eu ligo para vocês”. Depois de nove semanas de busca, os conselheiros indicaram, no domingo 27 de agosto, Khosrowshahi para ser o novo motorista da companhia, substituindo o fundador Travis Kalanick. Só dois dias depois, Khosrowshahi, de 48 anos, ligou e confirmou que aceitava a missão de consertar a Uber, mergulhada em uma grave crise desde que ficou claro que jogava para debaixo do tapete denúncias de assédio sexual e moral.

Há várias interpretações para o enigmático slide de Khosrowshahi, que venceu a concorrência de Jeff Immelt, ex-CEO da GE, e de Meg Whitman, presidente da HPE. A mais comum diz que sua mensagem foi de que era a hora de os conselheiros deixarem de microgerenciar à Uber e passar o trabalho para executivos experientes como ele. Agora, ungido ao cargo, ele terá a missão de recolocar a startup mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 68 bilhões, de volta aos trilhos. Ou melhor: às ruas, onde estão os motoristas que usam o aplicativo. Não são poucos os seus desafios. O mais urgente é desenvolver novos valores à Uber. “Essa companhia tem de mudar”, disse Khosrowshahi, vestido com um blazer escuro sobre uma camisa preta com o logo do aplicativo, em seu primeiro encontro informal com os funcionários, em sua sede em São Francisco, na Califórnia, na quarta-feira 30. “O que nos trouxe até aqui não vai nos levar para o próximo nível.”

Khosrowshahi terá de pedalar bastante para levar a Uber para o próximo nível. “Em vez de fazer o tradicional tour de ouvir os funcionários, ele terá de ouvir e falar simultaneamente”, diz Micah Alpern, analista da consultoria americana de gestão A.T. Kearney. “Khosrowshahi terá redefinir a cultura da Uber e ser a face visível para os empregados, os investidores, o conselho e a mídia.” Em seu primeiro contato com os funcionários, ele estava ao lado de Arianna Huffington e Kalanick, membros do conselho de administração. “Um de seus grandes desafios é ficar longe de Kalanick”, afirma Vivek Wadhwa, membro eminente da Singularity University e da Stanford University. “Ele é tóxico.”

Selfie: Kalanick, Khosrowshahi (centro) e Arianna em foto com os funcionários da Uber, em São Francisco (Crédito:Divulgação)

 

Kalanick, que renunciou ao cargo de CEO em junho, está no centro da crise da Uber. Ele é considerado um empreendedor visionário, mas que não soube criar uma cultura corporativa. Neste ano, denúncias de assédio sexual e moral explodiram.. Isso levou a queda do fundador da startup e a um clima de guerra entre os investidores. A Benchmark Capital, uma das maiores acionistas da empresa com 13% do capital, por exemplo, está processando Kalanick.

Khosrowshahi terá de lidar com essa herança maldita da gestão de Kalanick. A mais recente delas estourou na semana passada. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está investigando a companhia, acusada pagar propina fora dos Estados Unidos. Khosrowshahi terá de estabilizar a companhia e colocar em campo um plano para recuperar a imagem da Uber”, diz Rob Enderle, analista da Enderle Group.

É cedo para saber como Khosrowshahi agirá, mas ele já deu pelo menos um indício. Na conversa com funcionários afirmou que pretende abrir o capital da empresa. Não se comprometeu com prazos, apenas estabelecendo que isso pode acontecer entre 18 meses e 36 meses. É um sinal claro que, ao ir ao mercado, a Uber terá de ter regras de governança mais transparente, o que exigirá apoio do conselho de administração. “Ele precisará desenvolver uma forte relação com os conselheiros, apesar das brigas que estão em curso”, afirma Alpern, da A.T. Kearney. “Só assim conseguirá fazer as mudanças que quer.”

Experiência não deve faltar a Khosrowshahi, um iraniano que imigrou para os Estados Unidos em 1978, quando tinha nove anos de idade. Seus pais estavam fugindo de um Irã convulsionado por uma revolução. Foi morar no Estado de Nova York, onde passou toda a sua adolescência. Formou-se em engenharia na Brown University, em Rhode Island. Sua carreira executiva começou a decolar quando foi trabalhar com Barry Diller, magnata americano dono do conglomerado de internet IAC, que comprou o site de turismo online Expedia, em 2001, da Microsoft. Quatro anos depois, tornou-se CEO da Expedia, onde ficou por 12 anos. Em sua gestão, a receita saltou de US$ 2,1 bilhões, em 2005, para US$ 8,7 bilhões, em 2016, transformando-se na maior agência de turismo online dos Estados Unidos. Agora, sua missão é, literalmente, dirigir a Uber. A corrida do novo motorista do aplicativo de transporte já está em curso.