A PEC Kamikaze, aprovada há pouco mais de duas semanas no Congresso, dará passe livre para o governo Jair Bolsonaro driblar todas as travas fiscais e eleitorais que historicamente impedem a concessão de benefícios em ano de eleições. Serão R$ 41 bilhões livres para turbinar programas sociais como o Auxílio Brasil e o Vale-gás, e acariciar grupos de pressão que compunham a base governista, caso de taxistas e caminhoneiros, mas se afastaram conforme a crise econômica tirou a renda da população.

A grande pergunta que fica agora é a seguinte: o que será da economia brasileira até o fim do ano com esses gastos extraordinários? O peso da reeleição de Bolsonaro custará caro não somente em 2022, como deixará uma bomba fiscal para o governo que assumir o Brasil. Especialistas avaliam que o dinheiro injetado pelo Palácio do Planalto já no mês que vem dará um suspiro financeiro no primeiro momento, controlando quedas esperadas para o PIB no decorrer do segundo semestre, porém seus efeitos negativos surgirão já na virada de 2023, quando os auxílios deixarem de figurar na dinâmica econômica.

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“Em nossas simulações iniciais, projetamos que o pacote deve gerar um impulso em torno de 0,2% até 0,4% no PIB e acreditamos que o efeito deve ser rápido, tanto pela rapidez do pagamento, como pelos beneficiários, que são, na maioria, famílias de baixa renda ou que estão com orçamento comprometido devido às fortes altas nos combustíveis”, disse Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos.

A bomba fiscal já estourou

Esses aumentos nos benefícios são políticas que vão na contramão de todos os atos do Banco Central para controlar o descompasso inflacionário, com as sucessivas subidas nos juros básicos, atualmente em 13,25%. Se de um lado o manual econômico indica que o controle da inflação é feito com represamento de dinheiro circulando na praça, do outro o governo pisa no acelerador, promovendo um pacote de bondades para subir nas pesquisas eleitorais e chegar ao pleito de outubro em pé de igualdade com o ex-presidente Lula, atual líder das pesquisas de intenção de votos.

Um pouco adiante, Ricardo Balistiero, doutor em economia e coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), observa que a “bomba fiscal” já estourou e está em curso na economia doméstica. E como podemos identificar isso?

“É só olhar para a bolsa e para o dólar. Quando nós estávamos com o dólar R$ 4,80 ou R$ 4,90, nós tínhamos uma perspectiva de talvez, no segundo semestre, seguir uma trilha de controle fiscal que estabilizaria o dólar em um patamar baixo e sinalizaria para os próximos quatro anos alguma possibilidade de equilíbrio fiscal. A partir do momento que o Congresso Nacional toma uma decisão de colocar na Constituição o desrespeito ao teto de gastos, nós implodimos toda e qualquer possibilidade de controle fiscal. Como o investidor internacional e até o investidor doméstico não é bobo eles percebem isso muito antes”, explicou Balistiero.

Problemas para 2023

Há um consenso de que a crise nos preços receberá uma cortina de fumaça com data de validade para cair. O Auxílio Brasil de R$ 600, o Vale-gás com preço cheio, além dos auxílios para Caminhoneiros e Taxistas terminarão com os últimos depósitos de dezembro.

Para janeiro, quando a realidade da descompensação fiscal sem contrapartidas e sem o realojamento de gastos orçamentários, o governo sentirá os efeitos da política de aumentos. Se a futura gestão – seja a reeleição de Bolsonaro ou um terceiro governo Lula – não avançar com reformas estruturantes, os problemas tendem a se aprofundar.

“Outro ponto importante, será a discussão sobre as reformas estruturantes (administrativa, tributária, desvinculação constitucional das do orçamento). Não houve grandes avanços no governo Bolsonaro I e o mercado precifica que boa parte da solvência fiscal dos próximos anos depende do avanço dessas reformas. Portanto, as expectativas sobre essas reformas devem balizar as taxas de juros do próximo governo”, observou Borsoi.

O papel do Centrão na gestão do Orçamento

Apesar dos inúmeros pedidos de impeachment que foram protocolados contra Bolsonaro no decorrer de seu turbulento mandato, o Centrão e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), foram os fiadores do governo. O professor do IMT acredita que o protagonismo dado ao Congresso na gestão do orçamento, principalmente com o Orçamento Secreto, será mais um componente de dificuldade para quem conduzir o Executivo ano que vem.

“O orçamento público é formado pelos gastos obrigatórios e pelos gastos discricionários. Os gastos obrigatórios representam aproximadamente 94% de todo o orçamento. Sobra 6% do orçamento, que são os gastos discricionários. Uma boa parte desses gastos discricionários hoje está na mão do Centrão. É a fatura que o centrão mandou para o governo Bolsonaro para evitar que o Bolsonaro sofresse um processo de impeachment”, argumentou Ricardo Balistiero.

Borsoi lembra que os gastos discricionários já estão comprimidos e com pouca margem de manobra pra o governo controlar as despesas.