O movimento é intenso no galpão de 23 mil m2 da fábrica de computadores instalada em Indaiatuba, interior de São Paulo. Em um vaivém sincronizado, veículos autoguiados transportam componentes e abastecem as linhas de montagem em momentos precisos. Em cada baia, robôs e trabalhadores dividem espaço e funções. Toda a operação é monitorada, em tempo real, por painéis, sistemas e recursos que digitalizam qualquer passo no processo de produção. À primeira vista, o local pode lembrar o set de um filme futurista. Mas para a chinesa Lenovo, é o cenário vivo da transformação em andamento de sua subsidiária local. Sob a bandeira da manufatura 4.0, o roteiro passa pelo investimento em automação, combinado à aplicação de conceitos como inteligência artificial, machine learning e internet das coisas.

A queda substancial nas vendas de computadores no mercado brasileiro é o pano de fundo para essa guinada. O segmento recuou de um volume de 15,5 milhões de unidades, em 2012, para 4,5 milhões em 2016, segundo a consultoria IDC. A retração forçou as fabricantes a reajustarem suas operações no Brasil. A Lenovo iniciou essa jornada há pouco mais de três anos. Uma das medidas foi justamente a transferência da fábrica de Itu para Indaiatuba. Na unidade, que ocupa menos da metade do espaço disponível na antiga instalação, o foco passou a ser eliminar todo e qualquer gargalo em busca de mais eficiência. A redução do portfólio em mais de 50% e a renovação de 80% nos cargos de alto escalão complementaram esses esforços. “Agora, nós chegamos à terceira fase desse projeto, que batizamos de transformação inteligente”, diz Ricardo Bloj, CEO da Lenovo no Brasil. Com mais de 30 anos de carreira e passagens por empresas como IBM e Itautec, ele assumiu a posição em março de 2017. “Estamos coletando dados no chão de fábrica para fazer ajustes na própria produção, simular cenários e antecipar tendências.”

A flexibilidade na adaptação das linhas de montagem para atender pedidos de máquinas com diferentes configurações é um dos frutos dessa abordagem. O equilíbrio entre a produção e a demanda é mais um elemento. A companhia fechou uma parceria com a DataRobot para desenvolver um algoritmo capaz de monitorar e prever o volume das vendas e a efetividade de campanhas no varejo, entre outras questões. O recurso permite antecipar e ajustar o ritmo de fabricação, bem como o estoque de componentes. Além dos dados do inventário nas lojas parceiras, o recurso compila e cruza dados como projeções do PIB, impacto das estratégias de rivais e os efeitos da oscilação do dólar. Esse último fator é essencial, já que boa parte dos custos de produção da categoria é atrelada à moeda americana. “Hoje, a ferramenta já chega a 90% de acuracidade e está em constante evolução”, diz Bloj. “Isso nos dá mais eficiência para gerenciar o caixa e responder rapidamente a qualquer variação no mercado.”

RESULTADOS As iniciativas ultrapassaram os limites da fábrica. A Lenovo implantou mais de 18 projetos envolvendo diversos departamentos. “Nosso maior foco é melhorar a experiência do cliente, desde o momento em que ele faz o pedido até quando ele recebe a máquina ou precisa fazer algum reparo”, afirma Bloj. A estratégia passou por equipes responsáveis por frentes como aprovação de crédito e cadastro de produtos. A empresa começa a colher os resultados dessas ações. No mercado corporativo, por exemplo, o prazo médio de entrega que era de 20 dias, há alguns anos, hoje é de até 11 dias em 70% dos casos. Já o NetPromoter Score, índice de mercado que mede a satisfação e lealdade dos clientes, saiu de 20 pontos negativos para um patamar próximo de 70. “A maior prova que estamos no caminho certo é o fato de que estamos crescendo acima do mercado”, diz o CEO. Em 2018, enquanto o setor recuou 5% no primeiro trimestre, na comparação com igual período, um ano antes, a companhia registrou um salto de 14,1%.

Apesar das poucas perspectivas de o mercado recuperar os volumes registrados em seus melhores dias, há indicadores animadores para os fabricantes. Analista da IDC, Wellington La Falce ressalta que as vendas estão menores, mas o mercado está mais maduro. “O consumidor está indo para a sua segunda ou terceira compra e exige máquinas mais robustas”, diz La Falce. “Isso impacta diretamente no tíquete médio que, nos últimos cinco anos, cresceu cerca de 40%”. Essa demanda por computadores também está sendo alimentada por nichos como gamers e o aumento do consumo de conteúdos em vídeo.

De olho nesse contexto, a Lenovo está adicionando recursos como inteligência artificial, maior autonomia de bateria e rapidez nas cargas às máquinas do seu portfólio. “Precisamos aproximar a experiência dos PCs ao que é oferecido pelos smartphones”. No mercado corporativo, o maior foco está nas pequenas e médias empresas, com computadores e configurações específicas para setores como educação e saúde. Já entre os consumidores, uma das estratégias é ampliar a presença nos marketplaces de parceiros. Ao mesmo tempo, a empresa decidiu sair da disputa no segmento de computadores de entrada. Hoje, sua oferta está concentrada na faixa de R$ 1,1 mil a R$ 7 mil, com um tíquete médio de R$ 2 mil. “Conseguimos ganhar mercado nos últimos anos e sem perder dinheiro”, afirma Bloj. “Nossa operação é positiva há oito trimestres consecutivos. Não queremos a liderança a qualquer preço.”