As cartas estão na mesa. Uma política econômica de curto prazo apoiada no populismo eleitoreiro, uma gastança enorme prevista para os próximos meses e um selo de calamidade pública para que não haja crime eleitoral. Este é o Brasil de hoje. Diante desse cenário, é natural se perguntar o motivo do liberal Paulo Guedes, que outrora era tido como superministro da Economia, ainda fazer morada no atual governo. E a resposta é simples. Ele sabe que essa festa terá um preço alto, e ele é, até esse momento, o único nome com condições de contornar a situação fiscal em eventual segundo governo Bolsonaro. Não à toa mudou drasticamente o tom acerca da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16, aquela dos auxílios turbinados e do teto rachado. De “Kamikaze”, como chamava em abril deste ano, ela se tornou a “PEC virtuosa das bondades”, como proferiu na última terça-feira (12), em uma audiência pública no Senado.

No argumento oficial, a explicação de Guedes é que agora o texto mensura exatamente o impacto fiscal dos gastos, tornando possível contornar a situação no médio e longo prazo com a previsibilidade das despesas. Mas fora dos holofotes ele sabe que a PEC se tornou menos perigosa a partir do momento que abriu uma brecha legal para que a ele não seja imputado qualquer crime fiscal e porque ela cria um problema tão grande que talvez só ele (em meio à multidão de bolsonaristas fisiológicos) seja capaz de equacionar em um segundo governo. E assim o texto já aprovado no Congresso se tornou a melhor chance de permanência de Guedes, além de ser carta branca para arrochar a economia em 2023, sob a justificativa de que é preciso pagar as contas feitas no período eleitoral.

E para sobreviver até lá, o plano é manter o ritmo. A economia não está em seu pior momento. O comércio e os serviços apresentaram leve melhora em maio (segundo o IBGE) o que deve ajudar na alta de 0,6% prevista para o PIB do segundo trimestre. Há também sinais de aquecimento na geração de empregos, e a entrada dos recursos do Auxilio Brasil tende a manter o consumo das famílias minimamente funcional. A queda no preço dos combustíveis após o teto para o ICMS nas bombas também alivia a inflação. Não é um cenário ruim, mesmo não sendo promissor ou duradouro.

O problema será o dia depois da eleição. Mesmo Guedes não sendo grande fã do economista John Maynard Keynes (ele chegou a dizer que o keynesianismo dele era melhor que o original), vai precisar da retórica do pensador britânico para evitar uma tragédia maior adiante. “A longo prazo, todos estaremos mortos”, essa sentença, retirada do livro Tratado Sobre a Reforma Monetária, de 1923, talvez seja a mais conhecida frase do pensador, e resumia bem a situação que a Europa enfrentava na segunda década do século 20. Uma economia muito dependente do ouro e suas volatilidades, e que precisava adotar medidas mais complexas, com ajuda do governo, para evitar um colapso de suas riquezas no futuro.

Mas talvez Guedes tenha perdido outra dica de Keynes, uma escrita na obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicado originalmente em 1936 e que contém, no capitulo intitulado O Estado da Expectativa a Longo Prazo, um alerta. Segundo o britânico, qualquer processo de retomada econômica parte das expectativas convencionais — sejam indicadores macroeconômicos ou políticos — que sustentem o otimismo do empresariado e da população, criando o que ele define como Estado de Confiança. Todos os sinais positivos da economia têm efeito mínimo se não houver um conjunto da obra que inspire confiança. “Se esperarmos grandes mudanças, mas não tivermos certeza quanto à forma precisa com que tais mudanças possam ocorrer, nosso grau de confiança será, então, fraco”, escreveu Keynes.

O PETROPROBLEMA Aliado de Guedes na busca pelo liberalismo perdido, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, tem encontrado no alívio do preço da gasolina e do diesel na bomba o combustível para sua manutenção no cargo. Também o ajudam as medidas envolvendo energia elétrica. Segundo a estimativa do ministério, o preço da conta de luz deve cair 19,49% em média, após as mais recentes mudanças na legislação tributária do setor, o aporte da Eletrobrás na Conta de Desenvolvimento Energético, e a redução do ICMS.

Com isso resolvido, ele também quer olhar para o futuro. Ao lado de Guedes no Senado ele defendeu a continuidade do processo de privatização da Petrobras. O ministro da Economia, inclusive, chegou a dizer que se sente “incomodado com a União tendo 50% das ações” da petroleira. Segundo ele as decisões governamentais acabam por colocar a estatal em riscos de quebrar. “Abrasileirar os preços pode quebrar a empresa e corrigir preço todo dia é uma alucinação também. Eu prefiro solução da privatização e distribuição dos recursos aos mais frágeis brasileiros, com um fundo de erradicação da pobreza.” Mas para ver isso precisamos estar vivos no longo prazo.