Durante o lançamento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, no Congresso Nacional, o ministro Paulo Guedes resolveu soltar mais algumas pérolas. Aos deputados e senadores que defendem o pequeno empresário questionou qual seria o problema de ter a conta de energia mais cara por alguns meses e que não é preciso “ter medo”, se referindo ao futuro da economia brasileira. “Se ano passado foi um caos, nós nos organizamos e atravessamos, por que vamos ter medo agora? Qual é o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”

Em audiência no Senado, Paulo Guedes defende reforma tributária ‘por etapas’

Para o ministro, vou listar cinco motivos para ter medo do futuro da economia brasileira

Inflação descontrolada
Há pouco mais de três meses, quando tentei escrever uma reportagem sobre o fantasma da inflação, recebi de diversos economistas a mesma resposta: “não há descontrole e tudo será normalizado nos próximos meses”. Após 12 revisões (para cima) da inflação acumulada em 2021, o discurso geral mudou. O mercado já admite que o controle inflacionário virá, com sorte, em 2022 e neste ano a dúvida é se teremos a maior inflação desde 2015. No início do ano, o teto da alta média dos preços era 5,25%, e deverá bater 7% em dezembro. E os motivos não são bons. 1) A severa crise hídrica elevou o preço da energia elétrica de modo vertiginoso. 2) A desvalorização do real, que torna o mercado doméstico menos atraente que a exportação e eleva o preço dos alimentos no País. 3) A pressão cambial no barril de petróleo faz o preço do combustível disparar. Para se ter uma ideia, esses três fatores responderam por mais de um terço da alta dos preços nas duas primeiras semanas de agosto, segundo o IPCA-15, medido pelo IBGE. Sem a resolução desses fatores, dificilmente o controle da inflação virá no curto prazo.

Dólar alto
Em 2019, antes da pandemia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o mercado precisaria se acostumar com um dólar alto. Quando proferiu essa fala, ele pensava em algo em torno de R$ 4 e ainda completou: “Se fizermos muita besteira, o dólar chega a R$ 5”. Por livre associação, é impossível não pensar no que eles precisaram fazer para bater a cotação de R$ 5,23 verificada às 14h30 do dia 26 de agosto. Alguns dirão que o dólar alto é bom porque atrai investimento e ajuda nas exportações. Mas essa é uma meia-verdade. Quando a moeda é desvalorizada de modo premeditado, como queria Paulo Guedes no início, há uma boa possibilidade de aproveitar o bônus sem sentir os efeitos negativos. Mas não foi o que aconteceu e o motivo é o que o mercado tem chamado de “Risco Bolsonaro”. O termo já é usado em relatórios internos de agências e corretoras do mercado financeiro e explicam parte do governo perder o controle da desvalorização do real. Sem conseguir domar a língua do presidente Jair Bolsonaro, a economia fica refém da próxima fala, gesto ou caminho adotado e sua repercussão nacional, aumentando a insegurança e, consequentemente, elevando o dólar.

Falta de austeridade fiscal
Paulo Guedes pode falar o quanto quiser sobre reformas e redução de gastos, mas só cai nesse conto quem não viu a agenda do governo federal nos últimos três meses. O plano de reeleição tem dominado as decisões de toda equipe ministerial, e não seria diferente na Economia. Todos os projetos apresentados nos últimos 2 meses elevam os gastos públicos, não o enxugam. O Renda Cidadã, a retomada de obras de infraestrutura, a renúncia fiscal no Imposto de Renda, o subsídio no salário de jovens em busca do primeiro emprego. Todas essas medidas elevam o gasto da máquina pública sob a premissa no aumento da arrecadação. Essa conta, no entanto, não cola mais para o mercado. Durante boa parte das gestões do PT havia esse argumento para não mexer nas despesas, e deu no que deu. O crescimento na arrecadação tende a ser cíclico enquanto a redução de despesas é perene. É só fazer as contas.

Aumento da Selic
Com a inflação em alta, uma das medidas mais esperadas para a economia é que o Banco Central suba a taxa média de juros, ou Selic, para tentar controlar os preços. Esse mecanismo, usado sem freio durante o governo Dilma, não é uma ferramenta 100% eficiente e pode criar distorções econômicas com impacto direto no acesso ao crédito da população e das empresas, freando o avanço da economia.

Emprego não reage
“Tá faltando emprego nesse meu lugar / eu não tenho sossego eu quero é trabalhar / já pensei até em cruzar a fronteira”. Essa letra de Belchior escrita em 1982 poderia descrever o Brasil hoje (tirando o fato de que, em meio à pandemia, cruzar a fronteira se tornou mais difícil). Semelhanças à parte, o problema do emprego no Brasil não é algo novo e não vai ser superado se seguirmos fazendo as mesmas escolhas. Desonerar folha de pagamento de modo descontrolado, financiar parte dos salários de jovens ou flexibilizar a carteira de trabalho só serve para tapar buraco. Para resolver o problema estrutural do emprego é preciso pensar na base. Na capacitação, nas escolas e no desenvolvimento das próximas gerações. Pessoas mais capacitadas ganham mais, consomem mais, empregam mais e o País avança. Simples assim.

 

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