Um eterno pedido dos empresários, uma baixa taxa de juros ainda não surtiu os efeitos esperados para o reaquecimento da economia. Os economistas esperam que o impacto dos seguidos cortes na taxa básica de juros, a Selic, possa ser percebido, de fato, apenas em 2020. Mas, enquanto o resultado de uma economia mais dinâmica ainda não vem, o Banco Central tem encontrado mais espaço para passar a faca nos juros. O bom desfecho da reforma da Previdência, a sinalização de avanço nas mudanças na estrutura tributária brasileira, o ambiente de menor inadimplência e a inflação comportada formaram o ambiente perfeito para o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizar a intenção de fazer, ainda este ano, mais um corte.

A indicação apareceu em relatório do órgão, divulgado na quarta-feira 30, após o anúncio da redução de 5,5% para 5%. Com esse horizonte, a taxa encerraria o ano em 4,5%. Para especialistas ouvidos pela reportagem, o resultado não surpreende, já que as instituições financeiras privadas também têm aceitado bem o corte gradual. Desde outubro de 2016, quando estava em 14,25%, a taxa vem caindo. Foram 12 cortes consecutivos, seguidos por 10 reuniões sem alterações, até o Copom decidir retomar a tendência de baixa, a partir de julho deste ano. Para o Copom, a decisão tomada na quarta-feira é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante para a condução da política monetária, que inclui o ano-calendário de 2020 e, em grau menor, o de 2021.

Em seu relatório, o BC também atualizou suas projeções para a inflação. No cenário de mercado o Banco alterou a projeção para o IPCA em 2019 de 3,3% para 3,4%. No caso de 2020, a expectativa permaneceu em 3,6%. Também entrou no relatório a projeção para a inflação de 2021 no cenário de marcado, estimada em 3,5%, ante 3,7% no último Relatório Trimestral de Inflação (RTI). O centro da meta de inflação perseguida pelo BC este ano é de 4,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Para 2020, 4% e, em 2021, 3,75%. Para a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a decisão foi acertada. “A taxa de inflação segue bem abaixo da meta e o ritmo de crescimento da atividade econômica ainda está fraco, de maneira que se justifica plenamente a decisão anunciada”, afirma Marcel Solimeo, economista da ACSP.

ALÍVIO PARA OS JUROS Além da possibilidade de estimular a economia, os juros mais baixos ajudam o governo em sua luta para controlar o aumento da dívida pública. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, no ano passado, os juros e amortizações somaram 40,66% do orçamento, contra 24,58% da Previdência, o segundo maior custo. A aprovação da reforma da Previdência e o respeito ao teto de gastos são vistos como os principais pontos para estancar o aumento do déficit, mas, segundo o governo, ainda será preciso esperar por 2023 para ver a dívida parando de crescer.

Na terça-feira 29, o Tesouro anunciou que a dívida pública federal atingiu, em setembro, R$ 4,156 trilhões, com um déficit primário acumulado no ano de R$ 72,47 bilhões, o menor desde 2015. Segundo Márcio Salvato, o coordenador do curso de economia do Ibmec de Belo Horizonte, cada meio ponto percentual de corte da Selic reduz R$ 20 bilhões em juros a serem pagos pelo governo. Com a taxa a 4,5%, os juros anuais representariam R$ 187 bilhões. “Isso suaviza a trajetória da dívida”, diz. “É um volume considerável, mas é preciso lembrar que esses R$ 20 bilhões não estão sobrando. O governo só deixaria de ir a mercado para captar essa quantidade a mais de dinheiro, para rolar a dívida.” Se fosse considerada a Selic de 14,25%, de outubro de 2016, a conta com juros seria de R$ 592 bilhões.

Apesar de históricos para o Brasil, tanto os juros quanto a inflação, no entanto, permanecem altos para os padrões dos países desenvolvidos, diz Fabio Gallo Garcia, professor da FGV-Eaesp. Por exemplo, a taxa baixa dos juros dos EUA caiu na última semana para a faixa entre 1,5% e 1,75%. “O custo do endividamento no Brasil ainda é muito alto”, afirma. “É preciso atacar o desequilíbrio fiscal.”

Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, mesmo com o juro menor, a entrada de recursos do pré-sal teria um efeito sanfona e quando eles cedessem a pressão por gerar receita poderia fazer a alta da dívida atingir o pico em 2024, com relação de 82,3% frente ao PIB. Para fazer a conta, as premissas eram conservadoras, com juros reais de 3,5% ao ano (descontando a inflação) e avanço econômico de 2,2%. Em agosto, a dívida pública representava 79,6% do PIB. A equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia, quer evitar romper a barreira dos 80%. “Se chega nessa relação, acende a luz vermelha. O BC começa a ficar com dificuldades de fazer a rolagem da dívida”, diz Salvato. “O mercado passa a pedir títulos com prazos inferiores.” Por outro lado, Mas, a partir de 2022, a inflação medida pelo IPCA pode subir para 3,5%, por conta do reaquecimento da economia. Ou seja, os recordes históricos de taxas de juros baixas podem estar chegando ao fim.