A ação da BRF, a maior empresa de alimentos processados do Brasil, está entre os destaques da bolsa de valores em maio. No mês, o papel acumula mais de 30% de valorização, enquanto o Ibovespa, o principal indicador da B3, subiu quase 9%, até a terça-feira 24. O desempenho é o oposto do que vinha acontecendo até aqui. Mesmo com essa recuperação, a ação ainda acumula perda de mais de 35% no ano. O que explica essa virada repentina é o início do trabalho de Pedro Parente como principal executivo da companhia. Desde que assumiu o cargo, em 14 de junho, uma série de decisões foram tomadas e apresentadas aos investidores. O que mais tem agradado é a mudança na gestão. Conselho e executivos estão mais coesos, o que faz a equipe trabalhar pela reestruturação do processo operacional. Parece óbvio, mas não era isso que vinha acontecendo nos últimos três anos. A recuperação da companhia foi colocada em xeque com as disputas envolvendo Abilio Diniz, Tarpon e os fundos de pensão Petros e Previ, os principais acionistas da companhia.

Senhor vendas: Sidney Manzaro, que havia deixado a BRF por divergências com a antiga gestão, volta para comandar a área comercial e para recuperar a participação de mercado (Crédito:Divulgação)

Desde o início, ficou claro que o desafio de Parente à frente da BRF seria tão grande como foi na Petrobras, onde ele permaneceu de junho de 2016 até junho deste ano. Na sua chegada à empresa de alimentos, os problemas eram semelhantes àqueles encontrados por ele na Petrobras. No lado financeiro, o endividamento em alta e a alavancagem acima da média de mercado, o que provoca uma enorme desconfiança no mercado financeiro. Para quebrar a suspeita de uma necessidade de capitalização na BRF, Parente foi enfático ao dizer que não será necessária a emissão de novas ações. Isso será possível pela negociação das dívidas com os bancos.

Novo trajeto: o executivo Vinícius Barbosa, que estava na AB-InBev, é considerado um especialista em logística e distribuição e chegou à BRF para chacoalhar essa área (Crédito:Marco Ankosqui / Ag. Istoe)

Metade dos R$ 20 bilhões tem de ser pagos até o fim do ano que vem. O presidente está tentando alongar o vencimento do endividamento, algo que ainda não aconteceu. Para reforçar seu argumento pela mudança, estabeleceu o prazo de seis meses para conseguir um reforço de caixa de R$ 5 bilhões com a venda de unidades operacionais na Europa, na Tailândia e na Argentina. A direção da BRF acredita que o cumprimento dessas medidas vai tornar a empresa mais saudável e a alavancagem cairá de quase cinco vezes a geração de caixa para três vezes, em 2019. “Com o plano de reestruturação, a BRF não está mais às cegas como estava anteriormente”, diz Betina Roxo, analista da XP Investimentos. “A empresa mudou completamente, mas ainda é preciso ver a concretização do plano para a ação deslanchar. É um ambiente difícil e o mercado ainda está reticente com essa concretização.”

A parte operacional exigirá uma atenção tão grande quanto a financeira. A BRF sofre com a falta de credibilidade com fornecedores e compradores. A maior crítica é pela política de atuação no campo, que foi estabelecida desde o início de 2015, quando Pedro Faria assumiu a presidência executiva e Abilio Diniz comandava o conselho. A companhia mudou a relação com produtores de frango e suíno. De parte importante de uma cadeia integrada, eles passaram a ser tratados apenas como fornecedores. Isso provocou uma ruptura nas relações. Um dos pontos mais críticos foi a mudança na gestão de estoque de milho e soja. A BRF decidiu que o período máximo dos grãos seria de 45 dias, a metade do tempo praticado pela indústria. Dessa maneira, a gestão da empresa pretendia trabalhar o fluxo de caixa e negociar preço constantemente. “A turma antiga era arrogante a afastou muita gente boa com os erros que cometeram”, diz um ex-secretário do Ministério da Agricultura. “Eles não compreendiam o ciclo agrícola. Para vender um suíno ou um frango, era preciso plantar milho meses antes. Mas eles preferiam a especulação de curto prazo.”

O que fica e o que sai: a unidade da BRF na Tailândia (à esq.) é um dos ativos que está à venda, assim como todas as fábricas na Europa e na Argentina. No entanto, a marca Banvit (à dir.) continuará sob o controle da empresa em razão da importância no Oriente Médio (Crédito:Divulgação)

Parente, que traz a experiência de quatro anos no comando da gigante global do agronegócio Bunge, sabe que essa mudança operacional só acontece com a troca de equipe. Entre 2008 e 2009, quando Claudio Galeazzi estava no comando da BRF, nove vice-presidentes foram substituídos, 42 diretores mandados embora e quase 100 gerentes dispensados. A maior parte deles foi aterrissar na JBS, que havia acabado de adquirir a marca Seara da Marfrig, por R$ 5,8 bilhões. A BRF entregava de bandeja para a concorrente profissionais com conhecimento de compra junto aos produtores, das principais rotas para a distribuição, o contato com os clientes e a melhor maneira de lançar um produto. Para consertar uma parte desse erro, Parente resgatou dois profissionais para a área comercial.

Manoel Martins Jr., que era diretor executivo da Massa Leve, empresa que faz parte da Seara, marca adquiria pela JBS em 2013, vai se reportar a Sidney Manzaro, que assumiu a vice-presidência de Mercado Brasil. O executivo foi um dos mais importantes nomes do departamento comercial da BRF, entre 2005 e 2015, mas deixou a companhia por divergências com Flávia Faugéres, que foi a general manager da BRF no País até 2016. Manzaro era contra a estratégia de concentrar as vendas em poucos e grandes clientes e preferiu deixar a companhia. “O Manzaro é um excelente operador e executor dos planos”, diz um profissional que trabalhou com ele. “Ele é um profissional que conhece muito da operação comercial. É extremamente estratégico e pouco marqueteiro.” Outra mudança promovida por Parente foi a contratação de Vinícius Barbosa, como vice-presidente de operações. O profissional que estava na AB-InBev é considerado um especialista em logística e distribuição de varejo, algo que deve ajudar a BRF.

Na semana passada, cerca de 50 profissionais da empresa de alimentos estiveram reunidos em Atibaia, no interior de São Paulo, para um treinamento. Uma empresa especializada em educação corporativa montou um projeto de engajamento. A tentativa é mexer com o time comercial e fazer com que a líder do mercado de alimentos processados reconquiste as fatias que perdeu nos últimos anos. Novos ciclos desse trabalho devem acontecer nas próximas semanas. Parente entrou em cena e não quer demorar a ver resultados.