Ferran Adrià é um chef de cozinha que trabalha intensamente, de abril a setembro. Nos outros meses, o catalão badalado costuma se exilar para inventar receitas e combinações gastronômicas inusitadas. Quando retorna à cozinha do El Bulli – restaurante localizado a 170 quilômetros de Barcelona, na Catalunha, no qual uma reserva é feita com um ano de antecedência –, ele apresenta a alquimia de espumas e fumaças, pratos de sua gastronomia molecular, para clientes refinados e curiosos de todo o mundo. 

 

Ávido por inovação, recentemente Adrià anunciou mais uma parada, dessa vez de dois anos, a partir de 2012, período em que seu estrelado estabelecimento permanecerá fechado. A ideia de se afastar da rotina do dia a dia, dar um tempo nos compromissos para estudar, criar oportunidades de autocrescimento e refletir sobre os  rumos futuros, de forma prazerosa e enriquecedora, tem nome e sobrenome: período sabático.  Válida para praticamente todos os setores de atividades, essa prática há muito se consolidou lá fora e começou a ganhar corpo, ainda que timidamente, nos últimos anos, no Brasil. 

 

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Rosana Sun, 37 anos, ex-diretora de marketing da Mantecorp

 

DINHEIRO mergulhou na história de seis profissionais brasileiros que optaram pelo sabático e descobriu suas motivações para fazer uma parada estratégica (confira os destaques). 

 

Elas ocorrem em vários níveis das empresas. No mundo corporativo, uma dessas experiências pioneiras e mais conhecidas é a do empresário Luiz Seabra, fundador e copresidente do Conselho de Administração da Natura, a maior fabricante de cosméticos nacional. 

 

Até hoje, Seabra fez três sabáticos. O primeiro aconteceu em 1994, quando completou 52 anos, e durou seis meses, em Paris. Já o segundo, em 1999, foi em Londres e estendeu-se um pouco mais, um ano e meio. 

 

Em 2005, Seabra voltaria à capital inglesa para um período mais elástico ainda, de três anos. Só retornaria ao País em 2008, segundo ele, para ficar por um bom tempo. Seabra, que aproveitou o tempo das paradas para ler, frequentar cursos, palestras e aprimorar-se culturalmente, com visitas a museus, exposições e concertos, já disse em entrevistas que pensou nos sabáticos como forma de buscar outros significados para a vida, além daqueles perceptíveis no cotidiano  de sua empresa. 

 

Originário do hebraico “shabbath”, que define o dia semanal de descanso dos judeus, o sabático tornou-se uma tendência  presente no mundo dos negócios, em especial nas economias mais desenvolvidas. 

 

No entanto, apesar dos avanços, a maior parte das empresas ainda é conservadora e utilitarista ao criar oportunidades para o desenvolvimento de seus funcionários.  “Muitas companhias só acreditam no aprendizado com diploma”, afirma Almiro dos Reis Neto, presidente da Franquality Consultores. 

 

E, mesmo assim, o patrocínio do empregador não está disponível para todos os candidatos a um sabático – ainda são poucas as empresas que, como as subsidiárias do McDonald’s e  da Nortel, bancam cursos de curta e média duração no Exterior e adotam políticas de incentivo para ajudar os executivos a se adaptar às novas realidades e até resolver questões existenciais. 

 

Na maior parte das vezes, as políticas de sabático, quando existem, são desenhadas para uma minoria de executivos graduados da empresa. “Quem não faz parte dessa fatia privilegiada tem de avaliar se vale a pena fazer o sabático por sua própria conta”, diz a professora de comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, Maria Elizabeth Fernandes. 

 

Autor de um livro sobre o tema, a partir de sua própria experiência, o consultor paulista Herbert Steinberg, presidente da Mesa Corporate Governance, se opõe à visão utilitária e ao pragmatismo quando se trata do sabático. 

 

“Fazer MBA, ou outro curso, simplesmente porque é uma exigência do mercado não é parar, e sim continuar a carreira”, diz Steinberg. Para ele, entrar num período  sabático é fazer algo enriquecedor, que agregue e permita à pessoa olhar-se de fora para dentro, livre dos filtros do cotidiano corporativo. Em outras palavras, é uma decisão do indivíduo, tomada com o apoio ou não da empresa, em favor de seu interesse, não das necessidades do trabalho.

 

Em princípio, não há um momento ideal para quem deseja ter uma experiência desse tipo, nem um modelo único de financiamento da “aventura”, como se pode ver nos exemplos levantados nesta reportagem. 

 

Pode se dar por uma decisão unilateral, como a da executiva Rosana Sun, que mandou para o alto o cargo de diretora de marketing da Mantecorp e ficou oito meses viajando pelo mundo, por conta própria. 

 

Ou, como consequência de uma negociação benfeita com sua empresa, como fez o hoje empresário e consultor Walter Janssen, à época em que trabalhava para a catarinense WEG. Isso depende de cada um e ocorre, geralmente, quando o profissional percebe que precisa mudar de rumo. “Ninguém, que eu conheça, se arrependeu de ter feito”, diz o consultor Reis Neto, da Franquality. 

 

 

Assumindo riscos

 

Rosana Sun, 37 anos, ex-diretora de marketing da Mantecorp

 

Cansada da rotina como diretora da área de marketing do laboratório Mantecorp, onde trabalhava havia um ano, a executiva Rosana Sun abriu o mapa-múndi sobre uma mesa e, com a ponta do lápis, traçou em sentido anti-horário o seu destino nos oito meses seguintes. 

 

Durante três, trabalhou e se planejou para a realização de um sonho antigo: viajar pelo mundo. Com a ajuda de uma agência  iniciou seu périplo às vésperas do Natal de 2009, mochila nas costas. 

 

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Aventura ao redor do mundo: entre as muitas experiências, Rosana nadou com mais de 50 tubarões no Taiti

 

Visitou Ilha de Páscoa, Taiti, Ilhas Cook, Nova Zelândia, Austrália, Cingapura, Malásia, Vietnã, Camboja, Laos, Grécia, Croácia, Hungria, Bósnia, Espanha, Portugal e por fim desembarcou em Nova York. 

 

Para Rosana, mais do que uma viagem de lazer,  foi uma jornada de autoconhecimento, bancada por um  investimento de cerca de R$ 40 mil. “O que vejo é 90% de pessoas dentro da ‘caixa’, trabalhando”, diz Rosana. 

 

“Elas sentem medo. O que fiz foi a maior prova de tomada de risco. Porque exigiu planejamento e decisão.” Rosana diz ter conhecido  gente de todos os tipos, idades, carreiras e  posições sociais em seu caminho. 

 

Viveu a experiência da solidão e do isolamento digital. E, além das paisagens clicadas, o que rendeu mais de seis mil fotografias, aprendeu a medida do conforto, dormindo em albergues.

 

“Conheci os valores da filosofia oriental e a fazer as coisas com tranquilidade”, diz.  Recém-chegada ao Brasil, Rosana analisa com parcimônia o seu próximo passo. Pensa se voltará a trabalhar na área de marketing, se fará um curso de mergulho ou fotografia ou se vai abrir um negócio. 

 

De certo, só o livro que pretende escrever, contando sua jornada pela rota do sol. “A vida é uma só e eu busco aprender o máximo, para ser uma pessoa melhor ”, afirma.

 

 

Vivência no Exterior

 

Luiz Fernando Turatti, 40 anos, consultor e professor acadêmico

 

Desenvolver competências multiculturais e adquirir uma educação diferenciada para os padrões brasileiros. Foi com esse pensamento que o executivo Luiz Fernando Turatti deixou a gerência-geral de marketing na fabricante de cadeados Papaiz, em 2006, para cursar um doutorado em administração de empresas. 

 

Começou na Università Commerciale Luigi Bocconi, na Itália, e depois se transferiu para a Universidade de Saint Gallen, na Suíça. “Eu sentia a necessidade de ter uma experiência efetiva no Exterior, viver a realidade de fora”, diz. 

 

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Luiz Fernando Turatti, 40 anos, consultor e professor acadêmico

 

Turatti começou a juntar dinheiro para sustentar o período sabático dois anos antes. O processo de preparação para o curso – ele conseguiu bolsa integral – levou cerca de um ano. Durante esse tempo, o executivo conversou com seus superiores na Papaiz, explicou suas razões e preparou uma transição tranquila, deixando o cargo sem traumas. 

 

Sua preocupação inicial era com relação ao afastamento do mundo corporativo – para minimizar o problema,  vinha ao Brasil de três a quatro vezes por ano, em estadas de 15 dias. 

 

Marcava encontros, jantares e também se mantinha conectado por meio de sites de relacionamentos, principalmente o Linkedin. “Isso é importante para a gente não sumir do mercado”, diz Turatti. Sempre tive uma agenda cheia.”

 

O retorno definitivo ao Brasil se deu em 2009. A experiência lhe possibilitou montar uma empresa de consultoria na área de marketing estratégico, empreendimento que divide com outra atividade, a de professor num curso de pós-graduação em marketing no Insper, em São Paulo. 

 

Embora se diga satisfeito com o seu trabalho, Turatti pretende retornar ao mundo corporativo, mas sem deixar de lado o que já está fazendo. “Tenho conversado com headhunters sobre posições que estejam um ou dois degraus acima da qual eu estava quando deixei a Papaiz”, afirma.

 

 Em busca de uma recolocação

 

Marcelo Miranda, 33 anos, já foi presidente da BS Construtora

 

A vocação para a liderança se manifestou cedo na carreira do engenheiro Marcelo Miranda. Com apenas 23 anos, assumiu a diretoria financeira da MRV Construtora. Nessa época, cursava um MBA em finanças pelo antigo Ibmec, atual Insper, de São Paulo. 

 

“Ali moldei minha forma de gestão e descobri que gostava de liderar pessoas  e gerir equipes”, recorda. Anos mais tarde, Miranda mudou-se da capital paulista  para Brasília para integrar o time da construtora Caenge, como diretor financeiro. 

 

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Marcelo Miranda, 33 anos, já foi presidente da BS Construtora

 

Fez dois cursos de curta duração na Universidade Harvard (EUA), um em finanças, outro em empreendimentos imobiliários, e uma descoberta. “No Brasil enxergamos a carreira executiva de forma linear e sempre que pensamos em empreendedorismo fala-se em comércio, venda. Coisa pequena”, afirma. “Nos Estados Unidos, aprendi a pensar grande.” 

 

Miranda começou, então, uma corrida contra o tempo. Fez aulas pela internet, virou noites  e em dois meses estava pronto para enfrentar os exames  de um novo MBA, em Stanford, na Califórnia. 

 

Conseguiu um financiamento e partiu de  mala e cuia com a esposa e o filho de um ano. “ Vou pagar o curso com o que produzir daqui por diante”, diz. Berço do empreendedorismo americano, é em Stanford que empresas de referência mundial como Nike e Facebook vieram à luz e nomes como Eric Schimdt, ex-CEO do Google, ocupam o corpo docente. “O mais enriquecedor foi o networking. Confirmei a máxima de  pensar grande dos americanos”, afirma. 

 

Quando voltou do sabático, Miranda recebeu 14 propostas de emprego. Optou por um lugar onde pudesse expressar sua identidade e entrou na BS Construtora como vice-presidente, passando, em poucos meses, a ocupar a mesa de CEO. Implantou inovações, como a venda de casas pré-fabricadas, levou a ideia para o Norte e Nordeste e se desligou da companhia. Tudo em menos de um ano.

 

Desde 1º de agosto de 2010, Miranda ocupa o cargo de CEO da Precon Engenharia.

 

 

Intercâmbio em família

 

Walter Janssen, 54 anos, empresário e consultor

 

Era final de 1997 e o  Walter Janssen, diretor superintendente da divisão química da WEG, de Jaraguá do Sul (SC), discutia com a esposa os detalhes para o intercâmbio da filha, então com 15 anos, nos Estados Unidos. Foi quando Janssen teve um ideia:  “Por que não irmos todos juntos para também fazermos um intercâmbio?” 

 

A sugestão foi prontamentre aceita pela esposa e a família inteira se mudou para a Filadélfia em 1998. “Tivemos de nos adaptar a uma vida bem diferente daquela que tínhamos em Jaraguá”, diz. Foram nove meses de intercâmbio com o objetivo de aperfeiçoamento da língua inglesa. Janssen cursou o MBA da Wharton School, um dos mais conceituados dos Estados Unidos.

   

Janssen negociou com a empresa uma licença não remunerada – afinal, dinheiro não era um problema porque seu patrimônio era suficiente para a empreitada. Isso feito, os Janssen acabaram se mudando para a Filadélfia, capital do Estado da Pensilvânia, sede da Wharton e berço da independência dos Estados Unidos. “Uma ótima cidade para quem deseja entender a fundo o que é ser americano”, afirma. 

 

O sabático só lhe proporcionou alegria, diz Janssen. A experiência lhe garantiu uma promoção na WEG para o cargo de diretor corporativo de marketing. Em 2001 ascendeu à presidência da filial americana da WEG, maior operação do grupo fora do Brasil. Em 2005, desligou-se da empresa e se especializou em governança corporativa. 

 

Hoje reside nos Estados Unidos, mas uma vez por mês vem ao Brasil para prestar consultoria a empresas e conferir de perto o andamento de seu jornal diário, O Correio do Povo, de  Jaraguá do Sul.

 

Conhecimento multiplicado

 

Mauro Shira, 32 anos, consultor

 

Seguidas promoções garantem satisfação total a um profissional? Nem sempre. O executivo Mauro Shira é um exemplo disso. Hoje ele trabalha como consultor nas áreas de liderança sustentável e de coaching. 

 

No entanto, em 2003, quando tinha 32 anos, Shira atuava como gerente de recursos humanos no QG global da Unilever, em Londres. Formado em engenharia de produção, foi gerente de RH na unidade brasileira antes de ser transferido para a Inglaterra.

 

Estava feliz porque sempre quis ser especialista na área de desenvolvimento e achava que poderia fazer uma boa carreira na Unilever. “Mas eu sentia falta de fazer algo com maior impacto na sociedade”, diz Shira.  

 

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Mauro Shira, 32 anos, consultor

 

Para desamarrar esse nó que o atrapalhava, resolveu se inscrever num curso de pós-graduação na Universidade de Surrey, também na Inglaterra. Foi aprovado, mas as aulas só começariam em 15 meses. 

 

Mesmo assim, Shira pediu demissão e com o dinheiro que tinha economizado, mais o que recebera ao deixar a  empresa, antecipou o sabático e foi estudar idiomas, investindo ainda em alguns hobbies como fotografia, arte e desenho. “Aprendi francês, alemão e italiano”, diz.

 

A decisão de estudar línguas, por exemplo,  foi mais do que acertada. Pouco antes de começar as aulas em Surrey ele foi convidado para trabalhar no Greenpeace. “Construí toda a estratégia de treinamento global da organização”, afirma. 

 

Dividiu o trabalho com os estudos durante dois anos, ao mesmo tempo que  procurava manter sua rede de relacionamentos em dia. Hoje atua como consultor da Franquality, em São Paulo, da área de recursos humanos, e é responsável por um programa chamado Liderança Sustentável e Coaching, desenvolvido por ele próprio.

 

Senso de oportunidade

 

Denis Ferreira, 38 anos, diretor comercial da Tim SP

 

Uma das lições que o paulistano Denis Ferreira nunca esquece é como tirar proveito das oportunidades. Em 2003, resolveu fazer uma pausa nas suas atividades de desenvolvimento de negócios na Tim. 

 

O então gerente nacional de grandes redes da operadora achava que era hora de apostar no sonho, e cruzou o Atlântico para estudar na Università Commerciale Luigi Bocconi, em Milão. 

 

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Denis Ferreira, 38 anos, diretor comercial da Tim SP

 

A decisão de dedicar-se ao período sabático  contava com duas grandes vantagens: as políticas de incentivo da Tim e a cidadania italiana da esposa e dos filhos, o que lhe permitiu viver a experiência em família. 

 

Com a certeza de que teria sua permanência – não remunerada – garantida dentro do grupo, e com 80% do curso quitado pela Tim, Ferreira passou cerca de 18 meses em Milão. 

 

Com a palavra, Ferreira: “Foi um período de enriquecimento pessoal e profissional. A vivência com pessoas de diversas partes do mundo, a rede de contatos e o aprendizado de um novo idioma me renderam ótimos resultados. 

 

Até meu filho de 7 anos voltou falando italiano.” Ele e a família conheceram, ainda, a Suíça, Inglaterra e França, e trouxeram na lembrança um pouco da história e da cultura de cada país. 

 

Quando voltou ao Brasil, Ferreira recebeu uma  excelente proposta de recolocação na Tim. Assumiu o desafio de fazer acontecer a gerência nacional de um canal de recarga, que estava sendo criada. Mais tarde, passou a assessorar o vice-presidente da operadora, até ser indicado para a diretoria de  business da regional São Paulo, em 2009. 

 

Prepare-se para o sabático

 

Em 1999, o consultor Herbert Steinberg realizou um sabático como peregrino no Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. A experiência rendeu o livro  Sabático – Um tempo para crescer. Confira cinco conselhos de Steinberg para quem está pensando em tirar um tempo para si:

 

Faça um plano de viagem bem estruturado, definindo o lugar para o qual pretende ir, o tempo que deve ficar por lá e os resultados e as respostas que espera encontrar. Sabático precisa ter início, meio e fim bem definidos 

 

Negocie a viagem com seu chefe e sua fa–mília. Explique os motivos do sabático aos amigos, para que não entendam o período como ‘férias’ ou uma “crise de meia-idade”

 

Defina quem irá assumir as suas responsabilidades, tanto no trabalho quanto na família, durante sua ausência

 

Estipule a quantidade de dinheiro que irá investir e como irá financiar o projeto, além de prover o sustento de sua família no período em que estiver fora 

 

Prepare sua volta. Se vai continuar na empresa, organize uma maneira de contar o que aprendeu e vivenciou aos colegas e superiores. Se pediu demissão, avise aos amigos e colegas de profissão que está voltando, para reativar seu network