A dinâmica é bem conhecida. A inflação aumenta. Os bancos centrais elevam os juros. O consumo cai. A atividade econômica esfria. O Produto Interno Bruto (PIB) cresce menos (ou encolhe). O desemprego aumenta. As pessoas consomem menos. A inflação volta aos trilhos e tudo se normaliza. Tudo perfeito — na teoria. Na prática, o efeito sobre cada país é irregular, ainda mais em uma economia globalizada cujas conexões foram afetadas pela pandemia. Nesse cenário em que cada nação age num tempo (e de um jeito), economias emergentes e consolidadas sentiram o mesmo problema: aumento generalizado dos preços dos combustíveis e dos alimentos. A solução foi elevar os juros. Mas isso significa que países com melhor histórico de pagamento e mais credibilidade começam a se tornar mais atraentes para o capital estrangeiro. Juros em alta no mundo são um sinônimo de problema para o Brasil.

A principal preocupação vem dos Estados Unidos. Como a economia americana está melhor do que se esperava anteriormente, o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, já anunciou a extinção gradual dos estímulos adotados durante a pandemia. A compra mensal de US$ 120 bilhões em títulos públicos e hipotecários vai encolher US$ 15 bilhões por mês até se encerrar, em julho de 2022. Além disso, segundo o presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, o BC americano deve realizar dois aumentos de juros nos Estados Unidos no ano que vem. Juros mais altos, dólar mais atraente para os investidores. Segundo um levantamento do banco JP Morgan, os preços ao consumidor estão subindo mais depressa em vários países, tendo avançado 0,6% em outubro. Foi a maior alta mensal em mais de uma década.

ALTA NO HORIZONTE Para conter a inflação, em especial dos alimentos, presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já sinaliza novos aumentos da Selic. (Crédito:Andressa Anholete)

A perspectiva de juros mais altos não é uma exclusividade americana. O Brasil elevou a Selic em 1,50 ponto porcentual em outubro e prometeu mais uma dose igual (ou maior) em dezembro. O Chile aumentou os juros em 1,25 ponto porcentual, a exemplo da Polônia (alta de 0,75), do México (0,25 ponto) e do Peru (0,50 ponto). Para o economista-chefe da Novus Capital, Tomás Goulart, em ciclos de pressão inflacionária os bancos centrais de economias emergentes puxam os juros de maneira mais agressiva para manter sua credibilidade. Já o Banco Central Europeu (BCE) tem resistido ao receituário tradicional. Segundo o economista André Duarte, os países desenvolvidos têm um histórico recente de inflação baixa e há uma tolerância maior à inflação. “A percepção da população é que as autoridades monetárias têm mais controle sobre os preços, o que permite a elas ter mais tempo para atuar”, disse.

No entanto, no caso do Brasil as coisas não são tão fáceis e já há movimentos de deterioração das expectativas e de fuga de capitais em curso. Pelos cálculos do Banco Central, nos 12 meses até setembro, foi registrada saída líquida de US$ 36,9 bilhões do País. “Por consequência, a cotação da moeda americana deve seguir pressionada, a inflação vai continuar em alta e o poder de compra da população em queda”, afirmou a economista-chefe do Banco Cantonal de Zurique, Patricia Klaus.

CAUTELA COM OS JUROS Na Europa, o Banco Central ainda não se mostrou afeito ao aumento da taxa de juros, como sinaliza Christine Lagarde, presidente do BCE. (Crédito: THOMAS LOHNES / GETTY IMAGES EUROPE / Getty Images via AFP)

PROBLEMAS O próprio governo já reconhece que o cenário está piorando. De acordo com o Boletim da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, divulgado na quarta-feira (17), o governo reduziu sua estimativa para o crescimento do PIB neste ano para 5,1%, ante uma previsão de alta de 5,3% em setembro. Para 2022, a projeção foi cortada de 2,50% para 2,10%. No caso da inflação, o governo elevou sua estimativa neste ano para 9,70% ante os 7,90% da leitura anterior. Para o próximo ano, a expectativa subiu a 4,70% contra os 3,75% esperados em setembro.

Isso ajuda a explicar por que, nos mesmos 12 meses, o dólar se apreciou 8% frente ao real, e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, disparou 10,67%. O problema é que, quanto pior o ambiente econômico, maior a saída de dólares e mais intensa a trajetória da inflação. No fim do processo há um encarecimento do custo do dinheiro. Atualmente, o Brasil tem a maior taxa de juros real num ranking com 40 países. Considerando-se a inflação prevista para os próximos 12 meses, a taxa real de juros no país passa a ser de 5,96% ao ano. Esse patamar está muito acima da média mundial, que está negativa em quase 1%. Mesmo assim, ainda está difícil atrair investidores.

FOCO NOS PREÇOS Chefe do Federal Reserve, Jerome Powell disse que os EUA estão atentos ao avanço dos preços administrados no país no pós-pandemia. (Crédito: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)