Desde o fim de 2016, uma safra de más notícias vem corroendo o valor de mercado e fortalecendo a desconfiança de investidores com a BRF, maior empresa de alimentos processados do Brasil e uma das gigantes globais do setor. Extensa, a relação inclui os conflitos entre acionistas, as trocas constantes no comando, a suspeita de fraudes em laudos de produtos destinados à exportação e os primeiros prejuízos da sua história, entre outros fatores. Em junho passado, a nomeação de Pedro Parente como CEO global trouxe a expectativa de que a operação, enfim, voltaria ao eixo. Na terça-feira 5, essa perspectiva foi reforçada. Depois de anunciar Ivan Monteiro – companheiro de Parente na gestão de recuperação da Petrobras – como vice-presidente financeiro e de relações com investidores, o grupo viu suas ações encerrarem o pregão na B3 com uma alta de 6,5%, a maior do Ibovespa naquela data. Contudo, nos dias seguintes, um novo ciclo negativo voltou a colocar os rumos da companhia em xeque.

Na quinta-feira 7, a BRF concluiu o seu plano de reestruturação operacional e financeira. Uma das primeiras medidas de Parente à frente da operação, que contabiliza uma dívida líquida de R$ 16,3 bilhões, tinha a venda de ativos como principal pilar. O valor captado, porém, foi de R$ 4,06 bilhões, ante uma projeção inicial de R$ 5 bilhões. Com o revés, a empresa adiou em seis meses a meta inicial de reduzir seu índice de alavancagem (relação entre a dívida líquida e o Ebitda) de 6,74 vezes, no fechamento do terceiro trimestre de 2018, para 3 vezes no fim deste ano. “Nós chegamos a considerar a hipótese de desmobilizar outros ativos, mas eles poderiam gerar margens importantes no futuro”, disse Parente, em teleconferência com analistas. “Não faria sentido ter pressa em uma decisão tão importante.” O executivo citou ainda que o programa trouxe uma posição de caixa confortável, de cerca de R$ 7 bilhões, que garante o pagamento de todas as dívidas com vencimento em 2019.
“Nós nunca prometemos melhoria imediata”, afirmou o CEO da companhia. “E sim trabalho para alcançar isso de forma sustentável.”

A reação ao montante, no entanto, foi de frustração. Os papéis da companhia registraram uma das maiores baixas no pregão do dia, com uma queda de 4,01%. “O fato de a cifra ter sido abaixo do previsto deixou o mercado ainda mais reticente com a BRF”, diz Sandra Peres, analista-chefe da Coinvalores. “Hoje, nesse cenário, é até complicado precificar a empresa.” Os ânimos esfriaram de vez na quarta-feira 13, quando, por risco de contaminação pela bactéria Salmonella, a BRF anunciou o recolhimento de 164,7 toneladas de carne de frango in natura, destinadas ao mercado interno. Outras 299,6 toneladas, voltadas à exportação, também foram incluídas na medida.

NOVA ETAPA À parte dos questionamentos e da trajetória de oscilações, Parente destacou que a empresa está colocando em prática a segunda fase de seu plano de reestruturação. A austeridade seguirá sendo a tônica. Entre as prioridades, está o alongamento do perfil da dívida da companhia. “O Ivan Monteiro será fundamental nesse contexto, dado o seu histórico bem-sucedido em processos semelhantes, como a própria Petrobras”, afirma Pedro Galdi, analista da corretora Mirae. Entre o fim de 2018 e o início desse ano, a BRF já havia anunciado alguns passos nessa direção, com o reescalonamento, por exemplo, de contratos de financiamento com o Itaú Unibanco. Com um valor total de R$ 549 milhões e vencimento inicialmente previsto para esse ano, as linhas foram postergadas para junho de 2020.

A destinação de boa parte dos investimentos para padronizar e ampliar a eficiência operacional nas unidades fabris é outra ponta que seguirá sendo um norte em 2019. “Havia situações em que um mesmo processo era realizado de oito maneiras diferentes nas nossas plantas”, disse Parente. “Já identificamos um potencial de ganho de eficiência de 30% nessa frente.”

O foco em “arrumar a casa” não significa, no entanto, que a BRF deixará de procurar meios para expandir sua operação. No exterior, o alvo principal é ampliar a presença no segmento Halal (abate religioso praticado em países mulçumanos), com especial atenção para os mercados da Turquia e da Arábia Saudita. “Se formos pensar em fazer isso apenas com nossos recursos, vamos ter que aguardar 2021”, afirmou Parente. “Mas entendemos que é possível antecipar esse projeto por meio de parcerias”, observou o executivo, que também enxerga um cenário mais positivo no mercado brasileiro, sob a perspectiva de aumento de reaquecimento da economia e, por conseqüência, da demanda. Para analistas, apesar do histórico de contratempos, existem boas probabilidades para que a BRF volte a entrar nos trilhos. E a presença de Parente e a chegada de Monteiro fundamentam esse otimismo. “No curto prazo, o mercado penaliza, mas a BRF está em boas mãos”, diz Galdi. “É o mesmo caso da Petrobras. A empresa precisa encolher antes de reviver os seus melhores dias.”