Presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Henrique Luz reconhece os avanços das empresas na adoção de boas práticas. Mas, critica a ausência de setores essencias na sociedade de economia mista.

O jogo está claro para o mercado. Ainda que algumas empresas escolham estar em conformidade com os princípios da economia verde por uma questão de valores culturais, o movimento só ganhou a dimensão que tem atualmente porque os investidores institucionais passaram a exigir a conformidade com o tripé ambiental, social e de governança (ESG) como fator crítico para a concessão de crédito. No mercado internacional, a pressão é tamanha que a não conformidade já derrubou dezenas de conselheiros de grandes companhias do portfólio do fundo BlackRock. No Brasil, não chegou a tanto. Ainda. Mas, o resultado de algumas cobranças já começam a aparecer, como o crescimento do número de conselheiros independentes e a pressão por uma composição mais diversa dos membros. Ainda assim, não dá para minimizar o tamanho do desafio, sobretudo em empresas estatais. “Em governança o que importa é fazer o que é certo para a empresa e sociedade, isso transcende (até) a legislação”, afirmou Henrique Luz, presidente do Conselho do IBGC, ao citar a recente interferência do presidente Jair Bolsonaro na presidência do Banco do Brasil.

DINHEIRO – O mundo passa por um recrudescimento da pressão por melhores práticas socioambientais. A discussão sobre governança parece não ter o mesmo espaço. Essa é uma questão resolvida no Brasil?
Henrique Luz – Estamos evoluindo. No momento em que o IBGC foi constituído, em 1995, não havia empresas no Brasil de controle diluído – hoje já são cerca de 15, como Embraer, Oi e Renner. Os conselhos administrativos até ali eram constituídos por amigos do capital de controle ou por grandes patentes como ex-ministros de Estado. Foi quando Bengt Hallqvist fundou o IBGC não só para melhorar a estrutura de conselho, como também toda a estrutura de governança que ele julgava ser muito imatura no Brasil.

Nesse momento as empresas brasileiras passam a ter ferramentas para guiar a adoção de boas práticas, mas qual o nível de engajamento obtido?
Logo no início, o Instituto lança um código de boas práticas que passa a ser o livro de cabeceira de alguns executivos e conselheiros. Em 2016, editamos o Código Brasileiro de Governança Corporativa para Empresas Abertas. Mas, ao contrário do mercado estadunidense que tem um sistema impositivo, aqui a adoção das normas não é compulsória. Nosso modelo é similar ao Europeu, no qual o sistema disponibiliza o código e o mercado precifica sua aplicação. É um modelo conhecido como Aplique ou Explique. É uma jornada que está evoluindo.

Mas há um crescimento no número de empresas que seguem as boas práticas no Brasil?
Sim. A razão para o crescimento é o acesso ao capital. As empresas estão adotando níveis mais complexos de boas práticas, pois precisam dar satisfação do que fazem aos acionistas ou aos novos investidores. E mesmo as empresas de capital fechado estão neste caminho para ter acesso a melhores condições de crédito. Isso inclui empresas familiares, várias delas com níveis de governança extremamente sofisticados.

Algumas empresas afirmam, como desculpa para não estar em plena conformidade, o alto custo associado. É um processo caro?
Garanto que, nos últimos cinco anos, o número de empresas familiares que adotou níveis de governança altos aumentou exponencialmente. E são empresas que não precisam, a rigor, estar em conformidade. Então, me nego a acreditar que estar em conformidade é custo. Até porque é uma exigência da sociedade, dos funcionários e dos novos talentos.

“Ainda que existam momentos de picos na oferta pública de ações, a gente espera alcançar uma certa estabilidade para se provar como grande nação capitalista” (Crédito:Suamy Beydoun)

O que explica o aumento da pressão da sociedade pela governança?
Uma demanda maior por ética e integridade, pilares que perfazem a alma da governança. Essa busca diária dos cidadãos se reflete na exigência por maior responsabilidade na proteção ambiental e por uma atuação socialmente correta. Tudo isso aliado a uma demanda crescente por mais transparência e prestação de contas.

Como avalia a governança nas estatais?
Imagino o seguinte diálogo, em que no futuro meus netos me dirão assim: ‘Se vocês pensaram uma sociedade economicamente mais liberal, vocês pensaram, necessariamente, que o Estado teria a educação, a saúde e a segurança na mão. Se isso é verdade, como é que você, que foi presidente do IBGC, explica que não fez nada diante do fato de que os únicos entes públicos com algum nível de governança estabelecido eram somente os de sociedade de economia mista? E que as empresas desses serviços fundamentais estavam em repartições públicas? Se estivessem em uma economia liberal com bons níveis de governança, teríamos herdado uma sociedade com boa saúde, educação e segurança’. É um problema que não está equacionado.

Estamos longe de cumprir esse desafio?
Ainda estamos evoluindo na governança das estatais de capital aberto, mas não entramos no desafio de implementá-la nos entes públicos que entregam saúde, educação e segurança para a população.

Ao compararmos empresas listadas, há muita discrepância entre o nível de boas práticas adotadas pelas estatais e privadas?
Não. O que pode acontecer é haver empresas com legislações específicas. Exemplo: o presidente da República pode nomear o presidente do Banco do Brasil, como fez recentemente. Isso é legal? É. Mas é uma boa prática de governança? Não. Nessa agenda o que importa é fazer o que é certo para a empresa, funcionários e sociedade e isso transcende a legislação. Para o sucesso da desestatização, é preciso melhorar a governança.

Ano passado tivemos recorde de Ofertas Públicas Iniciais (IPO) na B3. Vivemos uma nova bolha?
O mercado de capitais no Brasil é pífio. O número de empresas listadas que realmente têm ações negociadas pela B3 é ínfimo diante das 3 milhões de empresas que existem no País. Ainda que haja momentos de picos na oferta pública de ações, a gente torce para alcançar uma certa estabilidade e assim nos provarmos como grande nação capitalista.

O que justifica uma adesão tão baixa?
A instabilidade econômica inibiu o desenvolvimento do mercado. Gravitamos entre taxas de juros altíssimas e baixíssimas. O grande dilema do Brasil é encontrar uma síntese em que os grupos possam abrir o seu capital, em que pessoas físicas e fundos acreditem na economia para desenvolver suas companhias e que a poupança popular – como acontece em grandes mercados – possa ser canalizada para empresas que a gente ache que mereçam nosso dinheiro.

Para alavancar o engajamento nas mais altas práticas, o IBGC recentemente lançou uma Agenda Positiva. Do que se trata?
Nós sempre celebramos o aniversário do IBGC com uma contribuição à sociedade. Neste, em que completamos 25 anos, reunimos 50 grandes nomes de setores relevantes da economia para definir o que faríamos. Saímos com o que chamamos de Agenda Positiva de Governança. O documento traz seis dimensões que julgamos ser imprescindíveis na agenda corporativa: ética e integridade; diversidade e inclusão; ambiental e social; inovação e transformação; transparência e prestação de contas;
e conselhos do futuro.

Em 2019, o Chapter Zero foi criado por um grupo CEOs globais que reconheceram que têm um papel a ser cumprido diante das mudanças climáticas. Agora, o IBGC traz a iniciativa para o Brasil. Qual a expectativa?
Logo de partida, tínhamos um questionamento sobre qual seria a real responsabilidade dos líderes empresariais com os compromissos ambientais assumidos pelas suas empresas. O Chapter Zero foi uma alternativa que surgiu dentro desse projeto da Agenda Positiva para representar o compromisso do IBGC com o lado ambiental. Esse pilar não é tão natural para o Instituto, então essa associação com uma das entidades mais relevantes na defesa da agenda, mostra nosso posicionamento de forma clara. Também somos membros do Global Report Iniciative (GRI).

Enquanto o Chapter Zero traz princípios, o GRI é um instrumento de governança já que é um relatório de transparência das ações adotadas. No meio está o desafio de implementar isso.
Sim. A Sônia Favaretto (especialista no tema) tem demonstrado um medo gigantesco que o ESG seja visto como moda e que as empresas passem a reportar o que acha que um dia terão ou relatem o que acham que a sociedade espera delas, e não o que fazem de fato. O Greenwashing é um desfavor. Na medida em que é preciso relatar ações de maneiras mais detalhadas, ficará mais difícil para os generalistas dizerem o que não fazem. Os instrumentos de governança estão mais disseminados e dão à sociedade meios de cobranças mais assertivas sobre os compromissos assumidos pelas empresas.

“Há cinco anos, menos de 6% dos assentos eram comandados por mulheres. Hoje, estamos em 12%. Temos que chegar a 30%” (Crédito:Istock)

A teoria que o ESG é moda tem fundamento?
O principal indício de que ESG não é moda é que os investidores institucionais que possuem 41% do capital do mundo são os maiores demandantes da necessidade das empresas estarem em conformidade nas três dimensões do ESG. Veio deles a pressão pelo aumento da presença de conselheiros independentes e hoje eles já ocupam pouco mais de 60% das cadeiras aqui no Brasil. Há cinco anos, não era nem a metade disso. Por uma pressão do capital, ser conselheiro se tornou uma profissão.

De 2019 para cá, o fundo BlackRock já fez interferência em alguns conselhos de suas empresas destituindo conselheiros que não estavam alinhados aos princípios do ESG. Isso já está acontecendo no Brasil?
Ainda não. Mas, esse nível de interferência vai chegar ao Brasil. Em alguns setores mais rapidamente do que em outros. Vale lembrar que não é só o Larry Flynt (CEO do BlackRock) que está com essa postura. O Business Round Table dos Estados Unidos, instituição que reúne CEOs de empresas que juntas movimentam US$ 9 trilhões em receitas anuais, soltou uma carta em 2019 exigindo conformidade com os princípios ESG de suas associadas. Existe um movimento global sem volta neste caminho.

Qual o cenário no Brasil?
A pressão aqui começou pela exigência de maior participação de mais conselheiros independentes nos boards executivos. A Oi, que era uma empresa de dois ou três acionistas, hoje é uma corporação que tem 11 conselheiros independentes. Mas, não vamos escapar dessa demanda global.

A pressão pela maior diversidade nos conselhos é a nova etapa?
Certamente. Há cinco anos, menos de 6% dos assentos eram comandados por mulheres. Hoje, estamos em 12%. Temos que chegar a 30%. Essa é mais uma agenda impulsionada pelos investidores institucionais.