Dizer que o Parlamento britânico está fragmentado diante do rompimento do Reino Unido com a União Europeia é um eufemismo. Partidos da oposição, como o Trabalhista e o Liberal-Democrata, são contra o Brexit e já propuseram inúmeras vezes uma nova votação para o assunto. O bloco da primeira ministra Theresa May, o Conservador, é a favor do rompimento, mas se divide entre os que querem um período de transição e os que defendem uma saída brusca. Mais de dois anos após o referendo que decidiu pela separação, um consenso pareceu se formar na votação da terça-feira 29, com aprovação de duas emendas acrescentadas ao Plano de Retirada. As decisões forçam a líder britânica a recuar e negociar mudanças com o bloco, que já sinalizou indisposição para as novas conversas. Se assim se confirmar, de nada terá servido o custoso consenso interno. A data-limite para a saída, 29 de março, se aproxima e o risco é cada vez maior de uma separação abrupta, com potencial de estrangular a economia.

A posição da União Europeia é compreensível. Desde o referendo, em junho de 2016, May vêm formulando em conjunto aos europeus um projeto para o Plano de Retirada. O texto estabelece um período de transição após a saída e determina como será o comércio entre os dois lados, bem como a situação de cidadãos europeus que vivem no Reino Unido, entre outros. A versão original negociada foi rejeitada pelo Parlamento e quase custou a cabeça da premiê. Não restou outra alternativa que não aceitar as sugestões dos parlamentares e sustentar uma nova negociação. “Essa casa não deixou dúvidas sobre o que quer”, afirmou a primeira ministra diante do parlamento. “Levaremos as decisões para debate e buscaremos mudanças efetivas.” A resposta de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, foi rápida e categórica: “O acordo não será renegociado.”

Só falta a Europa: após rejeitar o acordo original costurado pela premiê Theresa May, parlamentares aprovaram emendas ao texto

A saída abrupta se torna cada vez mais iminente porque é a consequência automática caso não haja mudanças até o prazo. Se confirmada, não haverá período de transição e o comércio entre os dois lados se tornaria sujeito a impostos, medidas sanitárias e restrições alfandegárias. Numa carta ao governo na segunda-feira, 28, presidentes de redes varejo como Sainsbury’s, Asda e Marks & Spencer alertaram sobre os prejuízos de um rompimento duro. “Tememos uma ruptura significativa de suprimento no curto prazo, caso não haja um acordo”, diz o documento. As perdas não se restringem ao setor. A consultoria Oxford Economics prevê uma queda de 10% da libra esterlina. “Isso até mitigaria as perdas das exportações, mas como as importações também ficariam mais caras, a inflação deve subir 4% em 2019”, afirma Andrew Goodwin, da consultoria. O impacto total no PIB é estimado em 2,1% em 2020. Pegaria a quinta maior economia do mundo num momento delicado de desaceleração do PIB mundial.

Uma solução parece improvável neste momento. Um possível adiamento também é visto como insuficiente. “As únicas duas formas de evitar uma saída brusca seriam o Parlamento endossar o projeto ou desistirem do Brexit como um todo.”, afirma Stefan Enchelmaier, professor de direito da Universidade Oxford. “Nenhuma das opções são concebíveis.” As emendas aprovadas serviram para deixar um sinal claro de que os parlamentares querem um novo texto. Uma estabeleceu que o Reino Unido não deve sair da União Europeia sem um acordo, ou seja, descarta a saída de forma brusca. Outra determinou que o plano para controle da fronteira irlandesa seja substituído.

No projeto original, a fronteira entre Irlanda do Norte (que pertence ao Reino Unido) e a Irlanda (que continuará a fazer parte da UE) não seria fechada e produtos entre os dois lados poderiam fluir livremente. Esse foi um dos principais pontos rejeitados pelo Parlamento, pois para certos conservadores favoráveis à saída, neste modelo, o bloco poderia manter influência sobre os britânicos. A resistência dos europeus agrada os conservadores. Com consenso em casa, a União Europeia pode servir de bode expiatório. “A votação funcionou, em certo nível, como jogo de cena para mostrar que os parlamentares fizeram o que podiam”, diz Alan Wager, cientista político da universidade King´s College. “Qualquer interrupção de cadeias de produção, faltas de produtos, problemas na fronteira será culpa da Europa, dentro dessa narrativa.”