Antes de se tornar uma das mais importantes vozes da esquerda mundial, o filósofo italiano Antonio Negri, de 84 anos, ficou 4 anos preso na Itália sob a acusação de ligação com as Brigadas Vermelhas. Era o fim da década de 1970. Saiu da cadeia ao ser eleito deputado e se exilou na França. Professor de filosofia do Direito e Teoria do Estado, Negri esteve em São Paulo participando de seminário 1917, o Ano que Abalou o Mundo e do lançamento do livro homônimo, organizados pela editora Boitempo. Aqui, ele fala sobre o futuro de Lula e da esquerda.

O que as bruxas de Macbeth lhe revelam sobre o futuro de Lula?

Não sei se suicídio ou uma tentativa desesperada de luta. Eu penso que Lula seja o maior homem político da América Latina na segunda metade do século 20, pois construiu nesse País continente uma força popular.

Mas o problema não é judiciário? O problema não é que Lula recebeu propinas e deve pagar por isso?

Não sou contrário a isso (punir corruptos), desde que valha para todos. Se a Justiça bate em alguém é certo, porém deve atingir a todos da mesma maneira.

A política feita pelo PT para governar o País se exauriu?

Creio que sim. Creio que no Brasil existe uma situação dramática de todos os pontos de vista.

Por que, professor?

Porque não há uma direita que seja capaz de interiorizar o passado desse País, isto é, essa democracia que se quer e não se quer, e que Lula a interpretou e a fez viver de um ponto de vista popular, com a adesão das grandes massas à democracia.

Jair Bolsonaro, um ex-paraquedista do Exército, segundo as últimas pesquisas, deve ser bem votado na próxima eleição presidencial. Quais as causas do crescimento da extrema-direita?

Isso acontece porque, à direita, falta uma posição política capaz de se opor, porque, para fazer essa operação, com toda probabilidade, seria necessário aceitar que passamos 20 anos de hegemonia lulista.

Isso seria reflexo da onda na Europa e nos Estados Unidos?

Provavelmente não. Creio que o fenômeno brasileiro seja diferente. Há uma queda geral de regimes de esquerda na América Latina, com fenômenos bastante contraditórios, como nos países andinos, como essa grande chaga que é a Venezuela. Mas creio que tudo tenha uma espécie de autonomia. A América Latina não sofre, seguramente, influência da situação europeia, muito fechada em si mesma, no problema da construção europeia e sua colocação global.

O senhor conhece os programa sociais dos governos petistas. O senhor acha que eles não foram suficientes para criar uma nova identidade para a esquerda?

O governo Lula ficou muito limitado por suas contradições, não há dúvida. E errou em duas coisas fundamentais. A primeira foi a reforma constitucional (ele se refere à reforma política). Como se pode aceitar uma Constituição na qual a corrupção é necessária para fazer qualquer lei? Esse é um erro extraordinário. A justificação de Lula é: “Estávamos há muito pouco tempo em uma situação democrática para nos dar o luxo de reformar a Constituição”. A segunda é o fato de não ter organizado os instrumentos midiáticos e de cultura popular. Esses são erros que, infelizmente, devem ser pagos. Não é possível ter uma Constituição desse tipo, na qual cada igreja protestante elege o seu deputado, na qual se pode ter um presidente com 70% dos votos nacionais e não ter uma maioria parlamentar. São coisas que são incompreensíveis para qualquer constitucionalista europeu desde o século 19.

A experiência do PT deve ser reformada ou arquivada?

Não sei. Sei que na Europa, a corrupção se conhece desde sempre. Sou professor de direito constitucional. Estudei a histórica constitucional de todo o mundo. A corrupção existe em todo o mundo. Nos Estados Unidos, o lobby constituiu um poder. Quando me encontro diante da miséria, não porque a quantidade é pequena, mas porque os personagens são míseros – e também os juízes -, vejo que se trata de uma comédia. De uma trágica comédia, cujos personagens são figuras da commedia dell’arte (teatro popular surgido na Itália renascentista). Como professor de direito constitucional, eu me pergunto: Como é possível que alguém, para governar um país, precise ter dinheiro para pagar essa quadrilha de deputados?

Em seu livro Multidão, o senhor volta aos Federalist Papers, de James Madison. Como aqueles que desejam construir novas estruturas democráticas devem usar as lições de Madison?

Creio que a coisa absolutamente fundamental em O Federalista é a teoria do equilíbrio (pesos e contrapesos). Essa é a coisa fundamental. Creio que, hoje, a estrutura do constitucionalismo, superando a figura dos partidos em parte, poderia reconquistar os novos contrapoderes. O grande problema da democracia é sempre aquele de entender quem são os sujeitos. Esse é o ensinamento de Madison: quais são os checks que permitem equilibrar as coisas. O único medo – terrível medo – é o desequilíbrio. E aqui retornamos ao problema da direita brasileira, que quer reduzir a experiência de Lula a um sonho macbetiano.

Mas Lula foi condenado a 9 anos de prisão…

E eu fui condenado a 28 anos.

E o que isso muda para Lula?

Muda que ele não poderá fazer política. E que, provavelmente, também acabará na prisão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.