Escritor e editor que despertou em sucessivas gerações de brasileiros o interesse pela leitura, Monteiro Lobato (1882-1948) foi tão claro quando sucinto ao externar sua visão de política cultural: “Um país se faz com homens e livros”. A afirmação do homem que escreveu O Escândalo do Petróleo, publicado em 1936, duas décadas antes da criação da Petrobras, pode até resvalar na propaganda, já que, além de autor, ele foi um dos sócios fundadores da Companhia Editora Nacional. Ou seja: livros eram seu ganha-pão. Ainda assim, a lógica contida na frase de Lobato pode ser facilmente comprovada. Um povo que não lê está condenado ao atraso. Aprenderá menos, terá maior dificuldade para lidar com questões como a própria saúde, as finanças, os negócios e até o meio ambiente. Livros ajudam a compreender o mundo, a desenvolver senso crítico e capacidade de argumentação. Por isso, livros são perigosos para regimes totalitários. Não foram poucos os ditadores que incentivaram a destruição de obras consideradas (por eles) subversivas. Para o governo Bolsonaro, contudo, livros não valem nada. Nem teatro, nem cinema, nem arte alguma. O que interessa são armas. Vamos aos fatos.

Na terça-feira (5), o presidente vetou o projeto de lei de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA) que prevê o repasse de R$ 3,8 bilhões do governo federal aos estados e municípios para o enfrentamento dos efeitos da pandemia sobre o setor cultural. A propositura havia sido aprovada pelo Senado no fim de 2021, modificada pela Câmara dos Deputados em fevereiro e novamente aprovada pelos senadores em março. Ganhou o nome de Lei Paulo Gustavo em homenagem ao ator que morreu de Covid aos 42 anos, em maio passado. Segundo a Secretaria-Geral da Presidência, o veto se justifica uma vez que o texto prevê despesas adicionais sem compensação na forma de redução de gastos. Isso teria impacto sobre as “despesas discricionárias”, como custeio da máquina pública e verbas de emendas parlamentares que, segundo a Secretaria, “se encontram em níveis criticamente baixos”. Não é bem assim. A proposta de repassar recursos aos estados e municípios para que possam ajudar a reconstruir uma das atividades mais afetadas pela pandemia prevê utilizar o Fundo Nacional da Cultura e o Fundo Setorial do Audiovisual. O Congresso ainda pode derrubar o veto presidencial, assim como fez com outros projetos de lei rejeitados por Bolsonaro. Um deles foi o novo marco regulatório do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que destina recursos para levar acesso a serviços de telecomunicações a regiões de zona rural ou urbana que tenham baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Enquanto segue represando recursos para a cultura, sem levar em conta a capacidade de geração de renda da economia criativa e todos os benefícios que derivam do fomento à atividade, o governo se esforça para ampliar o acesso a armas de fogo. Em novembro de 2019, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo ao projeto de lei sobre armas (PL 3723/19) de autoria do Executivo que regulamenta as atividades de atiradores esportivos, caçadores e colecionadores. O projeto permite o registro de até 16 armas para caça ou tiro esportivo. Ainda que tenha sido aprovado pela Câmara em 2019, só agora o texto chegou ao Senado. Na terça-feira (5), mesmo dia do veto presidencial à Lei Paulo Gustavo, a Frente Parlamentar pelo Controle de Armas e Munições, integrada por 17 senadores e 21 deputados e presidida pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), se reuniu para traçar um caminho de rejeição à proposta. Segundo o gerente do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, que participou do debate, é flagrante a desproporção entre a eventual demanda por defesa pessoal e a autorização para adquirir armas pesadas em grande número. “O Brasil não quer mais armas. O Brasil quer comida na mesa”, afirmou. Para ficar mais completa, a frase poderia incluir um trecho da música de autoria dos Titãs que foi gravada também por Marisa Monte: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. O governo, não.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO