A pandemia do novo coronavírus provocou o fechamento de escolas internacionais, alterou calendário de instituições de ensino e provocou a suspensão de importantes testes utilizados para o ingresso em universidades do exterior. Com isso, o ensino no Brasil, para quem quer estudar fora, também passou por mudanças para se adaptar ao novo cenário.

Este foi um dos temas do terceiro dia do Summit Educação Brasil 2020, evento online e gratuito, realizado pelo Estadão, que começou na segunda-feira, 24, e vai até o dia 31 discutindo a educação em tempos de pandemia.

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Para Felipe Fonseca, fundador da consultoria Daqui pra Fora, um dos principais desafios enfrentados pelos estudantes que querem estudar no exterior é a suspensão de exames como o SAT e ACT. As provas similares ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são aplicadas para alunos do ensino médio do mundo inteiro e têm importante papel no processo seletivo de universidades dos Estados Unidos e Canadá. “As últimas provas aconteceram entre março e abril. Apesar de quase todas as universidades colocarem como item opcional neste ano por causa da pandemia, sabe-se que é um componente muito importante. Não dá para saber exatamente como serão avaliados os estudantes estrangeiros.”

Já a psicóloga Andrea Tissenbaum, consultora especialista em educação internacional e autora do Blog Tissen: O mundo gira aqui, acredita que a não exigência de exames importantes trará mudanças na forma de avaliar o aluno. “O que eu percebo é uma discussão que não se via antes entre as universidades. O SAT é uma ferramenta de medição, no entanto, mais de 1.450 universidades dos Estados Unidos suspenderam a exigência. A Universidade da Califórnia já estuda criar um teste próprio para seleção de alunos. Oportunidade principalmente para alunos brasileiros que querem entrar em uma universidade no exterior.”

Diante de restrições impostas pelo novo coronavírus, Andrea avalia que o momento é complicado. Quem pode esperar para ir no ano que vem deve aguardar. Tenho alunos que precisaram viajar porque as aulas presenciais já estavam começando, mas acredito que quem pode começar no ano que vem, espere um pouco para viajar.”

Na Europa, os testes de proficiência de inglês mais exigidos por universidades para candidatos estrangeiros são TOEFL iBT (Teste de Inglês como uma Língua Estrangeira, em português) e IELTS (Sistema de avaliação na língua inglesa internacional, em português).

“O Ielts não está sendo exigido por muitas universidades, porque alunos não têm como fazer o exame, que está suspenso. Já o Toefl está sendo solicitado, por ter opção de fazer a prova online até 30 de setembro”, prazo que, por causa da pandemia, poderá ser prorrogado. Aplicado presencialmente em diversos centros espalhados pelo mundo, o Toefl ganhou a chamada Special Home Edition durante este período.

Fonseca e Andrea concordam que exames serão repensados. “É uma discussão global, mas exames devem passar por mudanças”, afirmou o fundador da consultoria Daqui pra Fora. “Atualmente, as Universidades do Canadá, diferentemente dos Estados Unidos, tem uma forma de observar o aluno, mesmo que seja de outro país, saber se estudaram em boas escolas, isso dá mais oportunidade para quem se candidata”, acrescentou a consultora especialista em educação internacional.

Segundo Marcello Marcelino, professor e pesquisador em aquisição da linguagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a pandemia também impulsionou tendência de internacionalização dentro das universidades brasileiras, mesmo em áreas onde ainda há muita resistência para mudanças. “Impulsionou pelo menos o ensino dentro das universidades, com possibilidade até de acesso a congressos internacionais que oferecem troca de experiências importantes e que não custariam menos de R$ 20 mil”. Para ele, o contato com uma nova língua também ajuda no crescimento de aspectos humanos como o respeito ao próximo. “Forma de tornar o mundo pós-pandemia melhor.”

Durante o Summit Educação Brasil 2020, Luca Marini, aluno da Universidade de Notre Dame, em Indiana, nos Estados Unidos, falou sobre o processo de adaptação da instituição para a volta às aulas presenciais.

“Em março, eu vim para o Brasil, passar uma semana, tive a informação de que a universidade iria fechar. A instituição se adaptou bem ao processo online. Com o retorno marcado para 10 agosto, decidi voltar.”

O retorno não foi fácil. Com o fechamento da fronteira, o estudante precisou embarcar para o México, fazer quarentena de 15 dias, antes de embarcar para os Estados Unidos. Marini se sentiu seguro com o retorno às aulas, visto que a universidade adotou todos os protocolos de segurança.

“Recomendação para o uso de máscara e álcool em gel. Lavar as mãos com frequência. As cadeiras foram disponibilizadas com dois metros de distância, tendo marcação onde podemos sentar e auditórios com cadeiras fixas. Ao chegar no campus, você entra em aplicativo onde está indicando seu lugar para sentar. Se está com sintomas, faz exames e fica em quarentena. Tem dormitórios específicos e quartos alugados em hotéis da própria universidade para alunos fazerem quarentena”, disse o universitário.

Uma semana depois, em razão da explosão de casos, mesmo com todos os cuidados, a universidade fechou novamente e retomou aulas online. “Surgiram casos de estudantes que foram contaminados fora do campus em festas, o que provocou novamente o fechamento. Agora há restrição para quem mora nos dormitórios, que não podem receber pessoas de fora. Como os casos já estão caindo, a universidade pretende retomar às aulas presenciais na semana que vem novamente”, disse.

Sobre o ensino remoto, o aluno disse que é possível aprender, no entanto, sente falta da interação. “No campus, temos muitas aulas práticas e trabalhos em grupo. Pelo online, acabamos perdendo um pouco a experiência.”

Marini sempre estudou em escola internacional no Brasil, o que o ajudou a fazer a graduação no exterior. “Cresci em escola internacional, tive aulas de português, mas aulas de história e filosofia, por exemplo, eram todas em inglês.”

Ele ainda não sabe se continuará nos Estados Unidos após a universidade. “Estou no começo, se tiver uma oportunidade boa de emprego, acho que é uma excelente chance para começar minha carreira. A longo prazo, quero voltar para o Brasil, gosto da cultura e da comida. Ficaria nos Estados Unidos pelo trabalho e não pela cultura em si.”

Diferentemente de Marini, a maioria dos brasileiros não tem a oportunidade de estudar em aprender simultaneamente dois idiomas e se preparar para a disputa de uma vaga em uma universidade fora do País. No entanto, a consultora Andrea Tissenbaum afirma que mesmo quem não tem esses privilégios pode conseguir se destacar em conseguir uma bolsa de estudos. “É difícil, mas é possível. Existem organizações estudantis que estão no exterior como a EducationUSA e a Fundação Lemann, voltadas para alunos de graduação. O estudante deve acreditar no seu potencial. A oportunidade não cai do céu, mas do seu talento em se esforçar. Tenho alunos que conseguiram bolsas no exterior, que se destacaram fora do País.”

Andrea também comentou sobre alunos que usam o estudo como ponte para migrar para outro país. Para ela, tudo deve ser feito de forma bastante consciente. “Quem vai para a Europa fazer doutorado tem vontade de fazer parte de rede acadêmica internacional. Quanto mais velho, mais difícil processo. Na graduação, primeiro momento da universidade, e mestrado, na sequência, (estudantes) começam a esticar período no exterior, sendo mais viável fazer desta forma. Mas não sei qual é o ‘mel’ que temos no Brasil, muitos acabam retornando também. Ser estrangeiro não é fácil, mesmo que você seja bilíngue”, disse.

Ensino internacional no Brasil

Direcionado para as classes mais altas, com mensalidades de até R$ 5 mil, durante a pandemia, esse modelo de ensino, que inclui currículo diferenciado na programação, também precisou se adaptar ao ensino remoto.

“Somos uma escola brasileira, bilíngue e internacional. Neste momento, procuramos manter algumas características diferenciadas presentes no currículo durante as aulas online”, disse Denise Lam, diretora acadêmica da Red House International School.

A diferença da escola internacional para a brasileira tem relação com a perspectiva com que a gente enxerga a educação, como um todo, englobando o mundo inteiro. “Depois vamos trazendo para as questões nacionais e locais, com respeito para valorizar a cultura do nosso País e nossas particularidades. Toda escola internacional, independentemente de ser o inglês a língua principal, deve promover aprendizado de outras línguas, além do idioma que usa de instrução”, explica Denise.

“No dia 16 de março, tivemos a semana de transição. Reduzimos a quantidade de horas que a criança fica em frente ao computador, de acordo com horário apropriado para cada faixa etária, mas não foi necessário mudar o currículo”, disse a diretora acadêmica da Red House International School.

Nas escolas internacionais, uma das grandes questões foi como manter a segunda língua ativa para o aluno durante a quarentena. “Pensávamos em uma manutenção para manter a língua ativa para alunos que a utilizam para desenvolvimento de saberes. Observamos que teve comprometimento sendo online, mas muitas crianças acabaram se envolvendo naturalmente com a segunda língua. Interação com os colegas e o planejamento da escola em aproximação de linguagem para seguir aulas mesmo online”, observou o professor e pesquisador em aquisição da linguagem da Unifesp.

Transtorno do Espectro Autista

Durante o Summit Educação Brasil 2020, os palestrantes também falaram sobre crianças com TEA, transtorno relacionado ao desenvolvimento neurológico. Embora ainda não seja comprovado, especialistas avaliam que aprender uma segunda língua possa ser benéfico para essas crianças.

“As crianças com espectro autista tem preferência pela língua inglesa. Ainda não sabemos exatamente o motivo. São necessários estudos. O que podemos dizer é que as crianças que saem do ambiente bilíngue têm orientação médica de que isso irá atrapalhar o desenvolvimento da primeira língua (português). O desenvolvimento da linguagem é praticamente involuntário, diferente de escrever”, explica Marcelino.

A diretora acadêmica da Red House International School afirma que é fundamental e um direito garantido proporcionar currículo com dignidade para crianças com autismo também. “A visão de cultura que temos é que as escolas precisam se preparar. Durante a pandemia, mesmo as crianças sem espectro autista tiveram alguma dificuldade de aprendizagem, pois dependiam mais da ajuda do adulto. Não estou falando somente de crianças com deficiência, mas de uma forma geral. No caso das crianças com TEA também oferecemos atendimento individuais para os alunos”, disse Denise Lam.

Confira a seguir a programação dos próximos dias do Summit Educação Brasil 2020:

Dia 27/8 – das 9h às 11h

Painel – A polêmica da educação infantil durante a pandemia

Dia 28/8 – das 9h às 11h

Painel – As universidades e o desafio de continuar online no segundo semestre

Dia 31/8 – das 13h às 15h

Painel – O Legado da Digitalização no Mercado e os Efeitos no Currículo Acadêmico

Com o tema Volta às aulas e a nova educação pós-pandemia, o evento debate desafios que instituições públicas e privadas, que tiveram de fechar as portas logo no início do ano letivo, enfrentam para garantir que os alunos se mantenham motivados, que o conteúdo seja dado de forma clara e que as desigualdades não aumentem.

As inscrições podem ser feitas gratuitamente pelo site. A transmissão do evento será online.