Na Suécia não há privilégios a servidores públicos. Nem a políticos. Anos atrás, ficou famoso o caso de uma deputada advertida por ter pedido reembolso das corridas de táxi na volta do trabalho para sua casa, muitas vezes tarde da noite. Segundo as normas locais, ela deveria ter usado o metrô, já que sua casa fica perto de uma estação, assim como o Parlamento. Detalhe: ela estava grávida. No Brasil, parlamentares não andam de metrô. Nem de táxi. Têm direito a carro de luxo com motorista e combustível pagos pelo contribuinte. É impossível comparar o rigor escandinavo ao descaso com a coisa pública que parece ser regra no Brasil. Mas é preciso avançar no controle de gastos cuja conta recai sobre quem paga imposto. Nós.

Por isso merece aplausos a aprovação, na terça-feira (13), pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei (PL) 6.726/2016, que regulamenta o teto de salários dos servidores públicos. O texto, que teve como relator o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), reduz de 500 para 32 os benefícios que poderão extrapolar o salário máximo do funcionalismo fixado pela Constituição. O teto legal é a remuneração de um ministro do STF, que hoje recebe R$ 39,2 mil por mês. Na prática, esse valor é amplamente superado por benefícios diretos e indiretos, o que se convencionou chamar de “penduricalhos”. São dispositivos que criam supersalários para servidores públicos, comprometem o caixa dos três níveis de governo e impedem o Estado de fazer investimentos, já que quase toda a receita oriunda de impostos vira gasto com folha de pagamentos. O PL, se aprovado pelo Senado e pela Presidência da República, atingirá servidores dos Três Poderes, inclusive militares. A economia anual pode passar de R$ 3 bilhões aos cofres públicos. E essa nem é a melhor notícia.

Ainda que o alívio nas contas das três esferas de governo seja bem-vindo, o fim dos penduricalhos e dos supersalários tem outros dois efeitos bastante positivos para o País. O primeiro é de natureza moral. Ao limitar os privilégios de uma elite de trabalhadores sustentados pela população que não goza das mesmas condições, a nova lei pode impedir aberrações, especialmente no Judiciário. Segundo o Centro de Liderança Pública (CLP), organização suprapartidária que trabalha pelo uso eficiente dos recursos do Estado, o Brasil pagou R$ 543 milhões em benefícios a juízes e procuradores desde o início da pandemia de Covid-19. Para evitar pagamentos descabidos, o texto aprovado na Camara traz uma lista do que pode ser incluído nas verbas indenizatórias que superam o teto de remuneração. O que não está na lista fica automaticamente vetado. E o mais importante: “excluir ou autorizar a exclusão da incidência do limite remuneratório” passa a ser crime, com pena de dois a seis anos de prisão. Sem isso, a nova lei tenderia a ser sistematicamente desobedecida.

Outra conquista importante para o País caso o PL seja aprovado diz respeito a uma mudança de paradigma. Por ter historicamente concedido privilégios à elite do funcionalismo, o Brasil criou uma cultura de valorização das carreiras públicas e aversão ao empreendedorismo. Isso é fácil de compreender a partir de uma calculadora criada pelo CLP em parceria com o movimento Unidos pelo Brasil. Ela fornece o resultado, em anos de trabalho, para que um trabalhador do setor privado obtenha o mesmo ganho de quem está no topo da remuneração do funcionalismo. Somados todos os auxílios e penduricalhos à disposição de um servidor público, ele pode receber o equivalente a 121 mil anos de trabalho de um empregado do setor privado que ganha salário mínimo (R$ 1.100).

Se a desigualdade é uma das muitas mazelas que precisam ser erradicas com urgência no Brasil, cabe aos legisladores criar limites para a histórica transferência de renda dos mais pobres para aqueles que deveriam servi-los. Eliminar penduricalhos e supersalários é o mínimo para equacionar essa discrepância.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO